Discurso durante a 118ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem a Salvador Allende, ex-Presidente da República do Chile, falecido em 11 de setembro de 1973.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a Salvador Allende, ex-Presidente da República do Chile, falecido em 11 de setembro de 1973.
Publicação
Publicação no DSF de 12/09/2003 - Página 26764
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, SALVADOR ALLENDE, EX PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, LUTA, JUSTIÇA SOCIAL, DEMOCRACIA, SOBERANIA, PAIS, ELOGIO, VIDA PUBLICA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Romeu Tuma, Srªs e Srs. Senadores, Sr. Embaixador do Chile, Osvaldo Puccio, Srªs e Srs. Embaixadores, Ministro Flávio Bierrenbach, que foi meu companheiro. Em 1973, eu completava 32 anos e vivi com extrema intensidade os acontecimentos sobre os quais o Senador João Capiberibe falou com tanta emoção, com anseios que também eram os meus e de toda a nossa geração. Felizmente, S. Exª pôde traçar um quadro bastante completo. O meu pronunciamento será mais curto.

“Salvador Allende - ele está entre nós.”

Era 11 de setembro de 1973. Agora de manhã, neste momento - agora são 11h45; era algo em torno de 11h30, no horário de Santiago -, faz trinta anos. No Brasil, a notícia se espalhou num instante: golpe militar no Chile. Não havia Internet, não havia transmissão ao vivo pela TV, como houve nas guerras do Iraque, do Afeganistão, do Oriente Médio. Os rádios, todos ligados no noticiário, enviavam informações confusas dos jornalistas que se reuniram em Mendoza, a cidade argentina da fronteira. Ninguém queria acreditar numa delas, repetida a todo momento, que dava conta da morte de Salvador Allende. Falava-se em suicídio. Seria verdade? A história confirmou que sim, que Allende não resistiu à possibilidade de ver seu país entregue à mentalidade fascista dos golpistas. Ele preferiu morrer junto com a democracia que, naquele momento, também saía da vida chilena. Acabavam os sonhos de liberdade e democracia. Ali, estava ocorrendo um golpe fatal.

Todos os relatos falam da solidão de Allende, resistindo com algumas rajadas da metralhadora que talvez o tenha matado, no Palácio de La Moneda, no centro de Santiago. Allende apareceu como um vulto numa das janelas, com a arma na mão, e um fotógrafo fez a foto histórica. Quem conhece essa foto lê o seu olhar desesperado e não esquece, porque resumia a tristeza do mundo inteiro naquele dia.

Pulando para o presente, mas seguindo a história, é de se perguntar: qual foi o destino daqueles que desferiram aquele golpe? Sofrem até hoje a condenação do mundo pelas prisões, torturas e milhares de assassinatos e perseguições realizadas da forma mais cruel. São presos no estrangeiro, fazem-se passar por doentes mentais imaginando que assim possam atenuar seus crimes de lesa-humanidade... Assassinos do seu próprio país, traidores do seu povo, carregam essa suprema vergonha por onde andam.

E qual foi a trajetória de Salvador Allende, quando vivo e mesmo depois de morto? Seu amigo Pablo Neruda, o poeta genial que, dias depois, também não agüentou o golpe e deixou que a tristeza fizesse o seu coração parar, gostava de explicar que os homens dos países frios e montanhosos, como o Chile, sofrem de um bem - não de um mal - tão eterno quanto o gelo dos Andes: sonham. Sonham com o que lhes possa aquecer a alma: afeto, aconchego, sorriso, bem-estar, “bailes coletivos de gente com saúde”, como dizia o próprio Allende.

Se estivesse vivo, Salvador Allende estaria agora com 95 anos, e nós estaríamos comemorando seu aniversário. Mas os chilenos corrigiram essa frase na semana passada: “Ele está entre nós”, disseram, enchendo as praças de Santiago no último dia 4, quando comemoraram o dia das eleições que levaram Salvador Allende à Presidência, como o primeiro socialista latino-americano a chegar a esse cargo pelo voto popular.

Filiado ao Partido Socialista, Salvador Allende criou, em 1936, a Frente Popular, uma aliança de esquerda que foi um marco histórico para o Chile e um exemplo de caminho para a esquerda do mundo todo - naquela época perseguida pelas idéias fascistas e nazistas na Europa.

Um ano depois, em 1937, foi eleito Deputado. Em 1945, chegou ao Senado. Em 1961, foi reeleito. Em 1966, ocupou a Presidência do Senado.

Era médico. Passou pelo Ministério da Saúde no Governo de Pedro Aguirre Cerda e defendeu o direito à saúde plena para todos, lembrando que ela passa pela realização total do homem - e que isso é impossível na convivência com a miséria.

Na política internacional, Allende defendeu com vigor a soberania dos povos. Chamou atenção pela coragem, por ser o primeiro a apoiar o Marechal Tito, da hoje ex-Iugoslávia, nos conflitos com a também ex-União Soviética. Disse que “cada povo é livre para escolher seu próprio caminho ao socialismo”. Pela mesma razão, condenou a invasão das tropas do Pacto de Varsóvia na ex-Tchecoslováquia. Preferiu ficar do lado daquele rapaz tcheco que, sozinho, atirou uma pedra num dos tanques soviéticos. A história provou que Allende estava certo.

O mundo todo, hoje, lhe presta homenagem. Faz dois meses que a praça Santiago de Chile, em Paris, leva seu nome. Junto comigo, agora, centenas de Parlamentos, escolas, sindicatos, jornais, rádios e TVs do mundo todo recordam Salvador Allende. Esta sessão é fruto da feliz iniciativa do nosso Senado, por intermédio do Senador João Capiberibe, que hoje, juntamente com sua senhora e seus filhos, lembra o quão calorosamente o povo chileno acolheu sua família e outros como José Serra, Marco Aurélio Garcia, Paulo Renato Souza - que, ali estando em uma missão da ONU, acolheu pelo menos onze amigos em sua casa - e tantos outros por S. Exª aqui relembrados.

Ainda neste momento, o Presidente Ricardo Lagos reabre a porta lateral do La Moneda, que ficou fechada por esses trinta anos, por onde saiu o corpo de Allende. Agora ela é a Porta da Liberdade.

Como visionário do século XX, sabia que a luta pelo socialismo atravessaria o século XXI, porque estava apenas começando. Mais do que isso: sabia que ela não terminaria com sua morte física. Outros, no Chile e noutros países, continuariam a defender os direitos e a grandeza do homem.

Repito suas últimas palavras:

Tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento grís y amargo, en el que la traición pretende imponerse.

Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre para construir una sociedad mejor.

            Sua filha Isabel Allende Bussi, agora Presidente da Câmara dos Deputados, e sua esposa Hortencia Allende mantêm vivo o seu pensamento na política chilena. Tive a honra de ser convidado pela Srª Hortencia e por sua filha para almoçar em sua residência, em maio de 2002, quando estive no Chile participando de um simpósio organizado pelas Nações Unidas, e pude sentir a dignidade de ambas em manter viva a memória de Salvador Allende.

Para nós, aqui no Brasil, tão próximos da história do Chile, ainda resta agradecer a generosidade de Salvador Allende, que, logo após sua eleição, acolheu nossos exilados num momento tão difícil que também atravessávamos.

Nós, aqui, vivíamos os piores anos do regime militar. Junto com tantos bons chilenos, centenas de brasileiros também sofreram a perseguição e a prisão nos ginásios de esporte transformados em campos de concentração. Mas, enquanto pôde, ele nos acolheu e devemos ser gratos para sempre.

Tenho a convicção de que a eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aqui no Brasil, tem uma extraordinária relação com toda a trajetória de Salvador Allende, já que nossas aspirações de liberdade, de justiça, de construção de um mundo solidário são as mesmas dos chilenos e de toda a humanidade.

Os chilenos que se reuniram no dia 4 para comemorar a eleição de Salvador Allende têm razão: “Allende vive. Ele está entre nós”. E não nos deixará enquanto houver um só homem sonhando com um mundo melhor e mais generoso.

O Sr. Geraldo Mesquita Júnior (Bloco/PSB - AC) - Senador Eduardo Suplicy, gostaria de um aparte.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. Fazendo soar a campainha) - Senador Eduardo Suplicy, desculpe-me interrompê-lo, para informar ao Plenário que não são permitidos apartes em sessão solene.

Peço desculpas, Senador Geraldo Mesquita Júnior. Se V. Exª desejar, posso fazer a sua inscrição, assim como a dos Srs. Senadores que desejarem fazer uso da palavra.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Senadores Geraldo Mesquita Júnior e Pedro Simon, acredito que estará assegurada a palavra de ambos em seguida à minha.

Concluo, Srªs e Srs. Senadores, membros do Corpo Diplomático, dizendo que, em 10 de fevereiro de 1980, tive a honra de ser convidado para fundar, juntamente com o Presidente Lula, o Partido dos Trabalhadores. E, ao saber que o propósito do Partido dos Trabalhadores era exatamente construir no Brasil uma sociedade efetivamente livre, democrática, com as características e os ideais do socialismo, de maior igualdade, fraternidade e solidariedade, percebi que estávamos ali seguindo em muito os ideais de Salvador Allende, que permanecem eternos na humanidade.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/09/2003 - Página 26764