Discurso durante a 118ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem a Salvador Allende, ex-Presidente da República do Chile, falecido em 11 de setembro de 1973.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a Salvador Allende, ex-Presidente da República do Chile, falecido em 11 de setembro de 1973.
Publicação
Publicação no DSF de 12/09/2003 - Página 26769
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, SALVADOR ALLENDE, EX PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, ELOGIO, VIDA PUBLICA, EMPENHO, DEFESA, SOBERANIA, JUSTIÇA SOCIAL, DEMOCRACIA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é claro que a América Latina democrática, vivendo o Conesul o clima que vive, deve olhar para trás e prestar homenagem ao dia de ontem.

Nós, do Rio Grande do Sul, que fazemos fronteira com os nossos irmãos platinos, vivíamos e acompanhávamos mais do que todos o ambiente e a luta nesses países. A ditadura militar do Brasil foi duplamente dramática no Rio Grande do Sul - terra de Getúlio, Jango e Brizola -, com os exilados ao lado, no Uruguai ou no Chile. Sofríamos periodicamente uma varredura para ver quais seriam recolhidos ou torturados, quais desapareceriam para sempre ou seriam presos.

Naquela época, com que emoção, admiração e respeito se viu e sentiu o que acontecia no Chile, que dava uma demonstração tremendamente positiva de consolidação democrática.

No primeiro turno, o Partido Democrata Cristão, que estava no Governo mas se encontrava tremendamente desgastado, não teve nenhuma chance de ganhar. Allende ganhou, mas não fez maioria. Os radicais ficaram em segundo lugar e a social-democracia cristã, em terceiro lugar.

Lembro-me muito bem do debate e das discussões que se travavam em torno do segundo turno da eleição, que ocorreria no Congresso Nacional, uma vez que na eleição direta não houvera maioria absoluta.

Os radicais ofereciam o que queriam e o que não queriam ao PDC para que a democracia cristã, para que o presidente Pio, os apoiassem, já que estavam em segundo lugar, e rejeitassem Allende. Foram feitas todas as promessas, inclusive a de eleger o que havia entrado em segundo lugar: ele renunciaria o mandato e se reiniciaria o processo. Lembro-me, na época - foi considerado um gesto emocionante politicamente - da firmeza e da profunda convicção dos democratas cristãos, fragorosamente derrotados, mas que votaram em Allende. Foram para o Congresso; e os seus votos foram para Allende. Na sua declaração de voto, o líder democrata cristão dizia das diferenças entre os dois, mas a tradição chilena dizia que dever-se-ia votar, no Congresso Nacional, naquele que havia entrado em primeiro lugar na eleição direta. E Allende havia entrado exatamente nessa condição. Os democratas cristãos, então, mantiveram o voto. Lembro-me da emoção e do significado disso. Lembro-me também dos comentários feitos desde o início: “Será que os americanos vão aceitar que a Esquerda assuma o poder pelo voto popular?” Será que neste primeiro exemplo eles conseguirão o resultado positivo e satisfatório indo para o poder pelo voto popular? Naquela época, logo após a posse de Allende, começaram os movimentos no sentido de tumultuar o seu Governo. São tantas as lições que temos que tirar do Governo Allende! São tantas as análises que devem ser feitas em torno de seu Governo e dos equívocos que a Esquerda tradicionalmente comete! De certa forma até parece incompetência da Esquerda, isto é, chegar ao poder, democraticamente, e lá se manter, porque as dificuldades vieram. Allende, no poder, começou a governar. Apresentou as suas propostas de reforma agrária e outras modificações. E avançou no seu Governo. Parece mentira, mas, dentro de seu próprio partido, os mais radicais achavam que Allende estava traindo os princípios pelos quais fora eleito; que ele não estava fazendo as reformas defendidas pelo partido; que ele não estava fazendo as transformações que se esperavam dele. Allende, respondia: “Estamos fazendo o máximo, o que é possível agora. Estamos tentando um entendimento em um Congresso em que não temos maioria”.

A democracia cristã, que havia votado em Allende, no dia seguinte, passou a fazer-lhe oposição. Allende pedia-lhes uma chance para que, aos poucos, pudesse consolidar o seu Governo. Vale a pena recordar, porque é importante. Não lhe deram muita chance. O seu partido não esteve fechado, solidário e integrado com ele. Até o final ele resistiu às lutas internas, às quais queriam o socialismo total, para valer.

Lembro-me de que amigos gaúchos e brasileiros falavam-me do Chile, da alegria e também da angústia que estavam vivendo; do governo, que os tinha recebido; dos cargos no governo; da administração, enfim, estavam, ali, vivendo uma época excepcional de paz e tranqüilidade para eles. Mas Allende sentiu que algo aconteceria, que alguma coisa estava preparada para acontecer. E aconteceu. Os americanos tiveram a colaboração de todo o Cone Sul, inclusive a do nosso Brasil. O Brasil, diga-se de passagem, a nossa diplomacia junto com a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e o Chile, durante um longo período, consolidaram e obedeceram às ordens americanas. Luta tremenda aquela. Fato emocionante aquele quando as forças foram até Allende, convidando-o a renunciar, dando-lhe todas as condições para sair do país e ir para onde quisesse. Ele respondeu que “não”, “que ficaria”, “que ninguém o tiraria de dentro do Palácio do Governo”. E ali ficou. E as bombas caíram em cima do Palácio de La Moneda, em cima de sua cabeça.

É um herói! É um homem que morreu em defesa de uma causa. É um homem que resistiu e, por causa de sua resistência, reunificou as forças que o apoiavam. É difícil encontrar alguém com a coragem, com o espírito de luta e com a história de Allende. Um homem que, na verdade, tem o nome marcado na História. Democraticamente, a Esquerda chegou ao Poder. E, pelas bombas, foi apeada do Governo.

Creio que Allende e a sua gente viveram, na ditadura da América Latina, os momentos mais dramáticos, os mais bonitos e os mais extraordinários.

Penso que o Chile e o Allende viveram ali páginas que ficarão imorredouras na História da humanidade.

Nós, brasileiros, temos que agradecer aos grandiosos irmãos que lá tiveram todo o carinho, todo o afeto e toda a paz. Temos que reconhecer que hoje estamos vivendo uma hora em que é muito importante dialogarmos entre nós. O Brasil e a América do Sul ainda não vivem uma época em que se pode dizer que a democracia está consolidada. Inimigo não há. Há democracia no Brasil? Sim. E é uma democracia bonita, pois um líder sindical, trabalhador, representando uma causa que é uma revolução social, chegou ao poder, democrática e serenamente. Porém, não se pode deixar de afirmar que todos nós, aqui no Sul - Chile, Brasil, Argentina, Uruguai -, devemos estar preparados, devemos nos unir, nos entender e nos respeitar.

É preciso entender que a América do Sul não pode continuar sendo fonte de miséria, de fome, uma região tida como se fosse uma África, pois é uma região rica, próspera, que tem tudo. E, dando-nos as mãos, devemos avançar juntos rumo ao nosso destino e confiar em nosso destino. Juntos, avançaremos e não retornaremos ao caos. Isoladamente, negociando com cada país separadamente, como querem os nossos irmãos, seremos presas fáceis. Há o desejo daqueles que não se identificam com as aspirações nacionais.

Meus irmãos, uma das coisas bonitas que, hoje, estamos vivenciando no Brasil é o sentimento latino-americano, principalmente o nosso sentimento de América do Sul. Nós, no Brasil, vivemos com emoção esse sentimento. Não pensamos em hegemonia. Não pensamos em superioridade. Pensamos em irmãos, que, juntos, podemos avançar. Podemos consolidar os ideais dos que tombaram, para que isso não se repita amanhã.

Essa é a lição de um Allende que tombou, morrendo por seus ideais, como tantos que, nesta América, vêm lutando e tombando por seus ideais. E nos damos conta de que temos o dever e a obrigação de encontrar fórmulas e caminhos para, juntos, avançarmos para uma grande e extraordinária América do Sul que não seja o quintal de ninguém, mas que seja um continente independente, justo, próspero, que produza o alimento para todos e garanta a liberdade para todos.

Penso que esse seja o sonho de nossa luta. Por isso, morreu Allende. Por isso, devemos continuar a sua luta.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/09/2003 - Página 26769