Discurso durante a 118ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem a Salvador Allende, ex-Presidente da República do Chile, falecido em 11 de setembro de 1973.

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a Salvador Allende, ex-Presidente da República do Chile, falecido em 11 de setembro de 1973.
Publicação
Publicação no DSF de 12/09/2003 - Página 26773
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, SALVADOR ALLENDE, EX PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, ELOGIO, VIDA PUBLICA.
  • COMENTARIO, PERIODO, DITADURA, BRASIL, HOMENAGEM, VITIMA, TORTURA.

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (Bloco/PSB - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Presidente. Serei breve.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. amigos e companheiros daquele país tão querido, o Chile, Srs. diplomatas, senhoras e senhores, eu não pretendia, de fato, fazer discurso, até porque talvez nem esteja nem à altura deste grande momento. Mas não me senti no direito de me furtar a prestar, vindo a esta tribuna, mesmo com minhas limitações, esta modesta e singela homenagem ao Presidente Salvador Allende e a milhares de chilenos que foram vítimas da violência brutal que impediu, naquele momento, que algo tão bonito que florescia ali pudesse prosperar e ir adiante.

Eu gostaria de fazer breves considerações, iniciando, inclusive, por comentar que talvez tenhamos sido infelizes, no nosso painel, ao dizermos que a sessão especial se destina a homenagear Salvador Allende, Presidente do Chile, falecido em 11 de setembro. É claro que não houve o propósito da Mesa do Senado de usar essa expressão para substituir a que de fato deveria constar ali, que é “assassinado”. De fato foi isto que aconteceu: o Presidente Salvador Allende foi assassinado, e o regime que ele tão corajosamente inaugurava naquele momento histórico. Isso não está ali, no painel, mas está nos nossos corações, e eu me dou por satisfeito com isso.

Enquanto falava o Senador Capiberibe, meu companheiro de Partido, eu imaginava uma possibilidade que não esteve longe de ocorrer: a de, hoje, além de estarmos aqui prestando esta homenagem ao Presidente Salvador Allende e a milhares de pessoas assassinadas, estarmos comentando também - quem sabe? - o assassinato do próprio João Capiberibe, da sua esposa, Janete, dos seus filhos, que saíram deste Pais no momento em que vivíamos uma ditadura perversa, cruel, porque, ao se insurgirem contra tudo aquilo, eles estavam com sua integridade física ameaçada. E eles foram para aquele grande país, amigo e vizinho. E lá, como aqui, se envolveram na luta de todo o povo chileno, de todo o povo da América Latina, na luta dos trabalhadores de todo o mundo pela construção de países livres, de países democráticos, de países socialistas.

Festejo inclusive a presença aqui do Senador Capiberibe e de sua esposa. Para mim é motivo de grande honra privar da companhia dos dois no PSB.

Recebi da minha querida amiga Deputada Janete um apelo para que, da tribuna, declinasse o nome de algumas pessoas, o que considero justo e necessário: Thomas Tarquínio, José Duarte, Renato Ribeiro da Costa, Cristina de Castro, Fernando Safatle, Gladys Galhardo Buarque, Nilson Moulin, Moema Santiago, Gilda Segovia Michel, Darcio Serio, Darcy Ribeiro, ex-companheiro no Senado, Mário Pedrosa e Fernando Gabeira. 

Temos no plenário, salvo engano, a presença de alguns que estiveram exilados no Chile, como é o caso do Prefeito Renato Ribeiro da Costa, de Itambé, Pernambuco; de José Duarte, ex-membro da Marinha brasileira. Eles tiveram um papel importante e achei que mereciam, assim como milhares de pessoas, ser citados. Penso que se começássemos e acabássemos esta sessão mencionando o nome de todos, a homenagem seria igualmente justa.

No entanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há uma forma maior ainda de homenagearmos o que aconteceu há trinta anos, de homenagearmos o Presidente Salvador Allende: precisamos nos compenetrar da necessidade de aprender com o que houve ali, de colher as lições que resultaram, porque nos referimos a algo acontecido há trinta anos e não podemos cair na ingenuidade de julgar que daquilo estamos livres. Ao contrário.

O Senador João Capiberibe mencionou que o Presidente Allende iniciou o seu governo ferindo questões fundamentais. Iniciou um processo de profunda e genuína reforma agrária naquele país. E isso me traz para os dias de hoje.

Algo que também me traz para os dias de hoje é como tudo isso surgiu, como tudo isso aconteceu. Não devemos ser ingênuos a ponto de julgar que tudo aconteceu pelas circunstâncias do momento. Não. Aquilo foi algo preparado, tramado friamente, calculadamente. E hoje é diferente? Não. Temos, sobre as nossas cabeças, a mesma ameaça que existia naquele momento e foi tão bem sucedida. Vivemos isso hoje. Não nos iludamos.

A melhor maneira de homenagearmos aquele grande presidente e o povo chileno, pela sua coragem e bravura, é colhermos essa lição.

Quero aqui inclusive revelar algumas angústias que tenho hoje. Eu temo que nós, que fazemos parte de um partido de esquerda, talvez estejamos nos dando por satisfeitos com a conquista da máquina burocrática, com a conquista de posições no Parlamento, acreditando que, com isso, estamos avançando na conquista do poder. Eu me pego, às vezes, imaginando que nós, que nos dizemos de esquerda e que procuramos pelo menos agir nesse compasso, talvez estejamos cumprindo um triste papel neste País, nos últimos tempos: o de nos prestarmos, de certa forma, a amortecer a luta de classes, a luta pela construção de algo grande, valioso e bonito. E talvez estejamos amortecidos pelas conquistas que estamos conseguindo obter, por cargos e governos. O que é uma coisa muito triste e perigosa.

A reforma agrária que o Presidente Salvador Allende iniciou, tendo avançado, em grande parte, de forma bem sucedida, é assunto que vamos trazer para o nosso País. O que me apavora é o fato de vivermos, aqui, uma situação muito especial. No campo, temos uma situação de conflito instalada, no fundo da qual há a disputa pela posse da terra, legítima, justa.

E o que me preocupa - aí, sim, vou fechar meu raciocínio, para que vocês o entendam - é que forças malignas e terríveis, como aquelas, de forma muito fria, procuram criminalizar a luta dos trabalhadores que não possuem terra neste Brasil; procuram passar para a opinião pública que essa é uma luta, que esse é um movimento ilegítimo.

O movimento social, hoje forte e pujante no campo do nosso País, tem sido mostrado à sociedade como algo incômodo e indevido, quando, na verdade, as pessoas estão em busca de oportunidade, de um pedaço de terra para produzir, para que este País chegue onde todos desejamos.

Com estas breves palavras, quero dizer que a maior homenagem que podemos prestar, de fato, ao Presidente Salvador Allende e ao povo chileno, que naquela ocasião foi tão bravo e corajoso, é não nos esquecermos, em momento algum, de que aquelas ameaças e tramas estão aí à espreita de uma nova oportunidade, para que não tenhamos a chance de chegar onde todos queremos, onde todo o povo brasileiro deseja, na construção de um país justo, fraterno e democrático.

Preocupa-me muito acharmos que conquistamos a democracia. Pessoalmente, uso uma expressão para definir o regime implantado neste País - é claro que com luta e sacrifício -: eu o denomino de “demodura”. Conquistamos, sim, a democracia, para um grande número de brasileiros, mas temo que a grande maioria do povo brasileiro ainda viva submetida à ditadura da fome, da miséria, da exclusão, da impossibilidade de ter um pedaço de terra. Tenho certeza absoluta de que todos queremos superar essa situação, transformando-a em passado.

Sr. Presidente, peço desculpas por ter me estendido, mas deixo registrada a minha singela homenagem àquele homem da América Latina, pelo que nos ofereceu, pelos exemplos de coragem e de bravura ao tentar, juntamente com o povo que presidia, construir um país livre e soberano.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/09/2003 - Página 26773