Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre as reivindicações dos prefeitos municipais na reforma tributária.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Considerações sobre as reivindicações dos prefeitos municipais na reforma tributária.
Publicação
Publicação no DSF de 12/09/2003 - Página 26946
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, MANIFESTAÇÃO, PREFEITO, REIVINDICAÇÃO, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, UNIÃO FEDERAL, DESTINAÇÃO, MUNICIPIOS, REGISTRO, DISPOSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, NEGOCIAÇÃO, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO MUNICIPAL, PROJETO.
  • PROTESTO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA FRENTE LIBERAL (PFL), CRITICA, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, GOVERNO FEDERAL, ALEGAÇÕES, AUMENTO, CARGA, CRIAÇÃO, TRIBUTOS, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, CLASSE MEDIA.
  • COMENTARIO, AUSENCIA, DEFESA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA FRENTE LIBERAL (PFL), CLASSE MEDIA, ANTERIORIDADE, POSSE, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, REPRESENTAÇÃO PARTIDARIA, OPOSIÇÃO, CRIAÇÃO, TRIBUTOS, ESPECIFICAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, LUCRO LIQUIDO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF).

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, aqui, no Congresso Nacional, tivemos a presença de alguns milhares de prefeitos. Toda essa movimentação foi por conta da reforma tributária - aliás, a votação dos destaques deve estar se encerrando hoje, na Câmara.

Sr. Presidente, ontem, tive a oportunidade de fazer um aparte, que gostaria de completar hoje, com algumas reflexões. Os Municípios tiveram algumas vitórias neste ano, com a resolução de questões que estavam há muito tempo encalhadas no Congresso Nacional. Ressalto, entre elas, a modificação da base de cálculo do ISS, que estava no Congresso Nacional desde 1989 e foi aprovada na convocação extraordinária do Senado, no mês de julho. Todos sabemos que o ISS atende às cidades maiores e mais desenvolvidas. Mas outras medidas vieram complementar e beneficiar os Municípios menores, como a modificação na fórmula de cálculo da cobrança do transporte escolar dos Estados para beneficiar os Municípios; a alteração do valor da merenda da educação infantil; e, recentemente, a que estabelece o valor per capita para as crianças que estão em creches. Isso desafoga, e muito, as nossas prefeituras.

No entanto, restrinjo-me à questão tributária. A Marcha dos Prefeitos apresentou ao Presidente Lula, no mês de março, reivindicações. Algumas delas já foram atendidas, e outras estão sendo negociadas. Ressalto duas entre elas: o ICMS, cujo cálculo de divisão e repasse do Estado para os Municípios é estabelecido pela Constituição Federal, no seu art. 158, incisos I e II do parágrafo único. A forma disposta no Texto Constitucional beneficia os grandes Municípios e os Municípios produtores, porque estabelece “que três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios”. Portanto, a maior parte, três quartos, beneficia os Municípios de maior produção e maior porte. Assim, ao retirar da Constituição e abrir um processo de negociação, de repactuação para divisão do ICMS, é claro que teremos, indiscutivelmente, uma forma de rediscutir toda a distribuição do maior imposto brasileiro: o ICMS.

Outra questão que já foi fruto da negociação é a participação dos Municípios na Cide. Toda a negociação antes estava capitaneada pelos Governadores, que acabaram conquistando um quarto (25%) da Cide; no desenrolar das conversas, ficou definido que um quarto desse um quarto da Cide irá para os Municípios, ou seja, 6,25% da Cide irá para os Municípios. É claro que, no momento dessa negociação na Câmara, houve uma grande chiadeira. Muitos Governadores reclamaram, porque queriam ficar com um quarto da Cide integralmente para os governos de Estados.

Foi muito importante a negociação, apesar da reação. Registro, mais uma vez - já tive oportunidade de fazê-lo -, que não podemos nunca nos esquecer da distribuição partidária dos nossos Governadores e o peso significativo que têm por serem os maiores Estados e, em maior número, governados pelo PFL e pelo PSDB. Houve, assim, uma grande reclamação dos Governadores com relação a essa divisão. Mas considero absolutamente importante, necessária e justa essa divisão a ser feita na parcela destinada, nas negociações da Cide, para Estados e Municípios.

Volto à tribuna também porque continuamos sendo bombardeados por uma série de artigos. Semanalmente, há um ou dois artigos, a maior parte deles assinados pelos porta-vozes do Partido da Frente Liberal, com títulos bastante sugestivos: “Dia da Forca”, “Quem puxa a corda da forca?”, “A farra das contribuições”, aos quais quero referir-me, mais uma vez, porque insistem na questão do aumento da carga tributária; insistem em dizer que este Governo - que, inclusive, está sendo apelidado, nos artigos, de “Partido dos Tributos”, que PT significa “Partido dos Tributos” - aumentou a carga tributária. Não há artigo em que eles não voltem a dizer que a Contribuição sobre o Lucro Líquido teve um aumento astronômico de 167%, quando a Medida Provisória do refinanciamento do Refis, que acabou sendo aprovada e está em vigor, alterou a base de cálculo da Contribuição sobre o Lucro Líquido, sim, indiscutivelmente. Mas alterou para quem? Para quem optar, escolher, decidir fazer a sua declaração de Imposto de Renda pelo lucro presumido, e não pelo lucro real. Ou seja, é uma opção, é uma forma inclusive de impedir a elisão fiscal, quer dizer, evitar que determinadas pessoas físicas se constituam em pessoas jurídicas apenas para ter a prerrogativa de fazer a declaração do Imposto de Renda pelo lucro presumido. E todos sabemos mundo sabe que ninguém presume lucro real. Lucro presumido, já se sabe de antemão, é uma forma de presumir em benefício próprio, e não em benefício da Receita. Portanto, a alteração de cálculo que o PFL insiste em dizer que foi aumento de carga tributária foi a forma encontrada pelo Governo para não haver mais elisão fiscal, ou seja, o mecanismo de alterar a constituição - em vez de pessoa física, pessoa jurídica - para apresentar a declaração por lucro presumido.

A outra questão sobre a qual se fala sistematicamente é o aumento da Cofins e a possibilidade de que se vai, mais uma vez, apenar a classe média. O PFL virou agora defensor da classe média. Nunca vi igual! Senador Romeu Tuma, V. Exª me desculpe, mas nunca vi tantos defensores da classe média, de repente. Aconteceu algo, e viraram todos defensores da classe média. E o argumento é a história de que não adianta cobrar dos bancos, porque não serão os bancos que pagarão o aumento de 3% para 4% do Cofins. Mas essa lógica do imposto indireto vale para tudo, principalmente para o ICMS. E aí bombardeiam a reforma tributária apresentada pelo Governo Lula, que baixa de quarenta e cinco para cinco as alíquotas, deixando para a alimentação e remédios a menor alíquota, inclusive trabalhando numa perspectiva de chegarmos a ter, no caso da cesta básica, alíquota zero do ICMS. Aí está o Governo a beneficiar os menos favorecidos, aqueles que pagam efetivamente o imposto indireto, que, no Brasil, é absolutamente injusto. As famílias com renda de até dois salários-mínimos são as que têm a maior carga tributária da sociedade brasileira, chegando a ter da parcela de seus rendimentos mais de um quarto destinados aos tributos, principalmente, aos indiretos.

Por isso, tenho lido os artigos e os tenho analisado. Vou ler alguns trechos que me causam admiração:

O Governo precisa ser alertado de que governar não é aumentar impostos e de que política econômica não se faz sobrecarregando a produção e a renda dos trabalhadores, mas, ao contrário, estimulando a produção e os ganhos.

Este artigo é de autoria do Presidente do PFL, intitulado “O Dia da Forca”. Esqueceu-se, teve amnésia, não se lembra mais de que, nos últimos oito anos, a carga tributária pulou de 26% do PIB para 36%? Agora, quer alertar o Governo atual? Vai fazer mea-culpa? Vai fazer reconhecimento dos erros? Quero entender quando intitulam quem puxa a corda da forca.

Ou, então, no artigo do Líder do PFL, na Câmara, intitulado “A farra das contribuições”. Estão aqui alguns trechos que selecionei, que me arrepiam um pouco:

A União vem driblando a queda de arrecadação dos impostos com a criação das chamadas contribuições sociais.

Selecionei esse trecho porque fiquei preocupada. Vejamos quais são as contribuições que estão diminuindo a arrecadação das Prefeituras e dos governos.

Dizem ainda:

E uma das principais causas desse mal tem sido a esperteza da União, que vem driblando a queda de arrecadação dos impostos com a criação das chamadas contribuições sociais - megaimpostos maquiados por siglas, como CPMF, Cofins, Cide -, que geram bilhões de reais e que não precisam ser compartilhados com Governadores e Prefeitos, porque a Constituição manda repartir apenas os impostos.

Continuam dizendo que, hoje, 55% da arrecadação são essas contribuições. Mas, então, façamos o histórico.

Contribuição sobre o Lucro Líquido: a lei é de 15 de dezembro de 1988, durante a gestão do Presidente José Sarney - e não nos esqueçamos de que o Presidente José Sarney teve como um dos seus Ministros o atual Presidente do PFL;

Cofins: a lei é de 30 de dezembro de 1991, durante o governo do Presidente Fernando Collor de Melo, do qual também o atual Presidente do PFL foi Ministro-Chefe.

CPMF: a lei é de 24 de outubro de 1996, Governo Fernando Henrique Cardoso. PFL - Base de Apoio.

Cide: a lei é de 29 de dezembro de 2000, Governo Fernando Henrique Cardoso, com todo o apoio do PFL.

Então, como é que posso admitir, ler o artigo assinado pelo Líder do PFL, na Câmara - “A farra das contribuições” -, falando que a União vem driblando a queda das arrecadações dos impostos com a criação das chamadas “contribuições sociais”. E, em nenhum momento, em nenhuma linha, diz assim: eu, pecador, me confesso, porque, contribuí, participei, assinei, votei a favor, foi nos governos de que participávamos. Como é que posso ficar quieta, calma e achar que isso pode passar sem nenhum registro?

S. Exª termina o artigo, assim, Senador Eurípedes:

Chegou a hora de acabar com a farra das contribuições, tirando a maquiagem desses impostos bilionários que não chegam até o lugar em que o povo vive.

Termino a minha fala, dizendo que chegou a hora de acabar com a farsa de certos artigos, de certas argumentações, e tirar a maquiagem, porque, às vezes, fico achando que é isso de uma cara-de-pau, que não consigo entender nem admitir!

Eu já disse que tinha de trazer - como disse o Senador José Agripino “ajoelhou tem que rezar”, com relação à proposta de reforma tributária - a caixinha de milho, porque tem muita gente que precisa ajoelhar para pagar a penitência por ser responsável pela situação em que estamos. Agora, além de trazer a caixinha de milho, depois de ler artigos como esses, tenho de trazer também o óleo de peroba, ou de jaca, coisas desse tipo.

Era o que queria deixar aqui registrado. Peço desculpas se me empolguei um pouco, mas tenho lido, tenho analisado tudo isso, porque quero me dedicar ao debate sobre a reforma tributária num bom nível, em que as pessoas discutam, com a clareza do que está posto em nosso País, o que precisa ser modificado, não escamoteando as responsabilidades sobre o que contribuiu para chegar ao ponto em que estamos, em termos de carga tributária, ou seja, 36% sobre o PIB.

Então, para não deixar passar em branco, faço o registro.

Agradeço e peço desculpas, Senador Tuma, se passei um pouco da emoção aqui.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/09/2003 - Página 26946