Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TERRORISMO. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Considerações sobre os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos.
Publicação
Publicação no DSF de 12/09/2003 - Página 27010
Assunto
Outros > TERRORISMO. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ANIVERSARIO, DATA, ATENTADO, TERRORISMO, VITIMA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ANALISE, EFEITO, POLITICA INTERNACIONAL, HEGEMONIA, DOMINIO, EXCLUSÃO, GLOBALIZAÇÃO, CRITICA, GOVERNO ESTRANGEIRO, REPRESALIA, GUERRA, ORIENTE MEDIO.
  • ANALISE, MELHORIA, PARTICIPAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), IMPORTANCIA, ATENÇÃO, TERCEIRO MUNDO, REORGANIZAÇÃO, ORDEM ECONOMICA, ORDEM POLITICA E SOCIAL, AMBITO INTERNACIONAL, DEFESA, REFORÇO, GRUPO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), ECONOMIA NACIONAL, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, NEGOCIAÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), RETOMADA, FUNÇÃO, ESTADO, BUSCA, SOLIDARIEDADE, PAZ.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 11 de setembro de 2001, o vôo 11, da American Airlines, partiu de Boston, com destino a Los Angeles. Quinze minutos mais tarde, o vôo 175, da United Airlines, decolou com o mesmo plano de vôo. Não por acaso, as duas rotas foram escolhidas para que, ambas as aeronaves, fossem lançadas, qual mísseis, no World Trade Center, em Nova York. Em primeiro lugar, pela quantidade de combustível exigido para tamanho trajeto, que se transformaria no poder de fogo que se viu, pela televisão, naquela manhã de setembro. Em segundo lugar, pela representatividade do percurso, como que a procurar envolver todos os Estados Unidos da América, de leste a oeste, representados pela imponência daquelas duas torres, a norte e a sul. Mais do que isso, haveria que se alcançar, também, o poder instituído. O vôo 77, também da American Airlines, saiu de Washington, capital do País e sede do Governo, igualmente com destino ao lado oeste, e foi arremessado, logo depois, sobre o Pentágono, o quartel-general da Defesa norte-americana.

Os jornalistas de todo o planeta chamariam o fato, logo a seguir, de “o maior ato terrorista de todos os tempos”. Para os principais analistas, além de um “ato terrorista”, tratou-se de um “ato político” e uma “ação revolucionária”. Para estes, o ato político e a ação revolucionária se materializaram através de um ato terrorista. Embora abominável, pelas vidas inocentes que interrompeu, o terror de um único dia nada mais foi do que o escoamento do ódio cultivado durante anos de opressão, de discriminação, de exclusão, de prepotência e de arrogância de um país, sentimento que se reforçou logo depois da segunda guerra mundial e se consolidou com o fim da guerra fria.

Para os Estados Unidos, o fim da guerra fria desfigurou o rosto do inimigo. Pior: transfigurou, em inimigo, todos os rostos do mundo. A derrocada das torres gêmeas aguçou a sanha pela busca destes rostos, sem saber, ao certo, quem, nem onde. É o início de uma terceira guerra mundial, onde não são definidos, nem território, nem alvo. Elege-se, então, os chamados “eixos do mal”. Em nome da “caça ao inimigo do bem”, juntam-se interesses econômicos e de poder. Daí, duas guerras. A última, o “mal” a ser extirpado da face da terra localiza-se sobre a segunda maior reserva de petróleo do mundo.

Longe, portanto, de ter sido, unicamente, um ato terrorista, o ataque às torres pode ter se transformado num dos marcos mais significativos da história recente. Segundo o sociólogo Octávio Ianni, “nenhum ato é acompanhado, apenas, por significado e, muito menos, somente pelo significado conferido por aquele que o praticou. Se se trata de um ato social, ele ganha, necessariamente, várias significações, e as significações que ele ganha podem ultrapassar, às vezes de longe, e até negar, as razões daqueles que o praticaram. Quem é que derrubou a Bastilha? Eu não sei. Será que a Bastilha foi derrubada porque alguém queria derrubar a monarquia francesa? Na verdade, a queda da Bastilha não é, apenas, um problema de arquitetura, é um momento excepcional da história da humanidade. O acontecido ganhou significações numa escala crescente...daí porque acho interessante a hipótese de haver acontecimentos que são reveladores. Eles são ‘heurísticos’, eles revelam, funcionam como se fossem experimentos científicos, e é o que aconteceu. Não foi um acontecimento científico a queda do muro de Berlim? Claro. Não foi experimento científico a queda da Bastilha? Foi, claro. A queda das torres gêmeas também foi um experimento científico, isto é, altamente revelador. Tanto pelos desdobramentos seguintes, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia, semana a semana..., como pelo que revela de antecedentes”.

Pois bem, o ataque às torres gêmeas foi um míssil lançado sobre o processo de globalização imposto pelos Estados Unidos, escudados por um poderio bélico sem antecedentes na história. Um ataque contra a tentativa de privatização total do planeta, o que transformaria os demais países em verdadeiros quintais americanos. Quem sabe, então, seguindo a mesma linha de raciocínio do Prof. Ianni, sem descartar a barbárie das vítimas inocentes, um dia, o mundo possa considerar tal fato como marco histórico na alteração das relações de poder, no mundo.

Alguém poderá indagar se a hegemonia americana não teria se reforçado com a demonstração de força dos Estados Unidos, na guerra do Iraque. Os acontecimentos do pós-guerra demonstram que não é bem assim. Há, ainda a acrescentar, para o povo americano, uma espécie de “síndrome do Vietnã”. Não é à toa o fortalecimento de campanhas pacifistas, dentro dos Estados Unidos. Ou, movimentos tipo “tragam de volta nossos filhos”. Além disso, os métodos utilizados, com álibis falsos e com a reiterada arrogância nas relações internacionais, desconhecendo a legitimidade da própria ONU, poderão levar a uma “reinstitucionalização” do planeta, como reflexo, quem sabe, de uma nova ordem mundial. É sintomático, por exemplo, o discurso do Secretário Geral da ONU, nesta semana, no sentido, também de um novo modelo para aquela organização, muito longe de um desenho bélico, e da discussão sobre o papel, e a postura, do seu Conselho de Segurança.

O mundo não é o mesmo, depois daquele 11 de setembro. A globalização já não segue a linearidade que se impôs ao resto do mundo, fora dos países hegemônicos. A vulnerabilidade de um país com o poderio de segurança, como os Estados Unidos, antes jamais imaginada, além de inaugurar uma nova era de síndrome, repercutiu e tende a se estender a outros segmentos, que, antes, pareciam intangíveis. O poder econômico, por exemplo. O império da economia também dá lugar a uma discussão, menos autoritária, no campo das relações internacionais. Não é só o modelo econômico imposto pelos Estados Unidos, através de sua influência nos organismos financeiros internacionais, que começa a ser posto em xeque: os demais países do planeta passam a discutir, também, uma nova matriz de poder, no cenário internacional. A ONU, vilipendiada na invasão do Iraque, pode ressurgir, com mais força e maior legitimidade.

Esse é um momento crucial, portanto, para os países excluídos da matriz de poder, do ponto de vista econômico, político, ou militar, entrarem nessa discussão da chamada “nova ordem mundial”. Três são os caminhos principais: o primeiro, o fortalecimento dos blocos de países com objetivos comuns, como o Mercosul; o segundo, a atuação, também em bloco, nas organizações multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio e, terceiro, o fortalecimento das economias internas, com programas de desenvolvimento verdadeiramente nacional, que busque resgatar a soberania dos respectivos países. A derrubada das torres pode ter sido, portanto, o estopim para a discussão de um modelo pós-globalização.

Dois exemplos, bastante atuais, podem ilustrar essa tese. Um, a entrada em pauta de um documento alternativo ao imposto pelo representante dos Estados Unidos, na reunião da Organização Mundial do Comércio, em Cancun, no México. Ali, 21 países, capitaneados pelo Brasil e pela Índia, representantes de mais da metade da população mundial, batem na tecla da maior abertura do comércio internacional, com menos restrições à exportação destes países e cortes de subsídios aos produtores nos países hegemônicos. Outro, as negociações da Argentina com o FMI, a partir do não pagamento, por aquele País, da parcela de um empréstimo, no valor de US$ 2,9 bilhões. As costumeiras exigências do Fundo não foram aceitas pelo governo argentino, entre elas, além do resgate imediato do débito, sob pena, até, da expulsão do país, o descongelamento das tarifas das empresas privatizadas e o ressarcimento, aos bancos, das “perdas” com a desvalorização do peso, a moeda local. A avaliação inicial dos principais analistas econômicos, a maioria sabidamente a serviço do mercado, se direcionou no sentido de uma iminente ruína daquele País, a partir da moratória. Pois bem, o noticiário noturno, do mesmo dia, além do Presidente Kirchner carregado pelo povo, mostrou uma inversão na direção das “exigências”: “o que a Argentina impôs, foi aceito pelo FMI, com sobras”.

Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, esse novo modelo não pode deixar de lado, também, as mudanças na sociedade, a partir da já citada tentativa de privatização do planeta, também chamada de globalização, e do débacle deste processo, reforçado pelo 11 de setembro. O desmonte do Estado não é única face da privatização e da internacionalização dos mercados. Mais do que isso, e como decorrência, há uma perda quase que total de tudo o que, até aqui, se conceituava como público. O comício dos palanques “onde o povo está” deu lugar à mídia eletrônica. Os shoppings centers tomaram o lugar das praças públicas. A televisão substituiu o diálogo. A internet, contraditoriamente, “pluga” o homem no mundo, ao mesmo tempo que o coloca, solitário, entre quatro paredes. Ao contrário do que pregavam os antigos manuais de sociologia, de que “o homem é um ser social”, hoje, ele se tornou, por excelência, um ser solitário. O que se verifica é uma tendência à destruição das relações de sociabilidade e dos sentimentos de solidariedade, enfim, ao rompimento do chamado “tecido social”. A vulnerabilidade “do país mais seguro do mundo” e a síndrome que se sucedeu alimentaram, não só nos Estados Unidos, o sentimento da desconfiança e reforçaram práticas de discriminação racial, política, social, religiosa e étnica.

Portanto, a discussão de um novo paradigma mundial tem que englobar, além da já justificada reinstitucionalização do planeta, o resgate do papel do Estado, do espaço público e, principalmente, do tecido social. Aí reside a contradição do 11 de setembro: tudo o que ele pode ter, em princípio, destruído, pode, também, ter incitado a uma reconstrução, em novos moldes. Daí, a nova ordem mundial.

Essa nova ordem mundial terá que se sedimentar no princípio da solidariedade. O que está em jogo é o destino da humanidade. Não haverá paz, se persistir a exclusão de povos e nações. Não há paz para poucos. Há que se propiciar a comunhão universal do respeito à dignidade das nações e das pessoas. Há que se estabelecer níveis de convívio que possibilitem a todos existir, progredir e desenvolver suas potencialidades, para que se permita formar uma humanidade mais igualitária, sem os abissais desníveis que, hoje, mancham a humanidade. Só a construção de um mundo para todos, sob a égide da justiça, do mútuo respeito e da inspiração cósmica à evolução poderá dar, ao planeta, a concórdia e a alegria de viver. Na expressão de Goethe, “que todos os homens sejam irmãos”. Então, sim, triunfará a solidariedade e o mundo terá, enfim, a paz!

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/09/2003 - Página 27010