Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a "guerra fiscal".

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Considerações sobre a "guerra fiscal".
Publicação
Publicação no DSF de 12/09/2003 - Página 27013
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • CONTINUAÇÃO, DEBATE, REFORMA TRIBUTARIA, ANALISE, PROPOSTA, EXTINÇÃO, CONFLITO, ESTADOS, PROIBIÇÃO, CONCESSÃO, ISENÇÃO FISCAL, ATRAÇÃO, INVESTIMENTO, AMBITO ESTADUAL, ESPECIFICAÇÃO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), LEGISLAÇÃO, PREJUIZO, FINANÇAS, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, PACTO, FEDERAÇÃO.
  • NECESSIDADE, POLITICA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, PRIORIDADE, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, CRITICA, OMISSÃO, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Proposta de Reforma Tributária, que segue tramitando na Câmara dos Deputados sob o nº 41 (PEC nº 41), tem suscitado grandes polêmicas e acirrados debates nos diferentes setores da sociedade.

Entre os muitos temas que circundam referida proposta, e tem sido alvo de acalorados discursos nesta casa, está a pretensão da Proposta de Reforma Tributária de liquidar, de uma vez por todas, com a chamada “Guerra Fiscal”.

Sr. Presidente, ocupo, hoje, esta tribuna, para trazer à baila este importante tema que, ao meu aviso, é de suma relevância para o Brasil e nem sempre tem tido o adequado tratamento.

Assistimos, no início desse século a intensificação de um fenômeno que tem demandado reflexões sobre o Direito Interno de cada pais em face da nova conjuntura internacional.

Embora intimamente relacionado com a globalização, tal fenômeno, conhecido como “Guerra Fiscal”, não é novidade para o Brasil, aqui ocorrendo de diversas maneiras a um bom tempo, não só através de benefícios tributários, mas também mediante incentivos financeiros e creditícios.

E assim tem sido com uma série de países periféricos na busca por investimentos internacionais.

Contudo, ultimamente, em função das isenções de ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços), concedidas por vários Estados-Membros, a “Guerra Fiscal” tem ocorrido no plano interno da nossa República, ou seja, Entre os Estados da Federação, gerando controvérsias em torno de sua legalidade e constitucionalidade.

O ICMS é um tributo tradicionalmente fiscal e, dentre os previstos na competência tributária estadual pela Constituição Federal de 1988, é o que tem maior peso nas receitas derivadas estaduais. No entanto, este tributo vem sendo utilizado como instrumento de atração de investimentos, graças à renúncia fiscal à receita oriunda das operações de empresas que resolvam se instalar no Estado.

Esta operação, por si mesma e em princípio, nada tem de inconstitucional ou ilegal, pois é prevista, atualmente, nos arts. 176 a 179 do nosso Código Tributário Nacional e pelos artigos 151, inciso III e 155, incisos VI e XII, alínea “g” da nossa Carta Magna. De fato, “quem detém o poder de tributar, pode isentar”.

O inciso XII, alínea “g” do art. 155 da Constituição Federal estabelece competir à Lei Complementar “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”. Na verdade, este dispositivo excetua a regra segundo a qual quem tem competência para tributar, tem competência para isentar.

A Lei Complementar nº 24/75 regula o modo como são feitas essas deliberações, estabelecendo para tanto a existência de convênios entre Estados e Distrito Federal, que devem ser aprovados pela unanimidade deles, no âmbito do CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária), no caso de concessão de benefícios fiscais.

O que vem ocorrendo, na prática, é que os Governadores, desprezando a Lei Complementar em apreço, e que foi recepcionada em parte pela Constituição Federal de 1988, estão concedendo benefícios fiscais sem ouvir os demais entes federados. Ou seja, as isenções de ICMS são concedidas sem a unanimidade de todos os Estados e, o que é pior, através de decretos ou mesmo através de contratos entre a entidade isentante e a empresas beneficiadas. A nuvem de mistério que recobre o conteúdo de tais contratos é, às vezes, de tal envergadura que chega a recobrir a quantidade de benefícios recebidos por uma empresa ao se instalar em certo Estado, dando ensejo ao ferimento do princípio da publicidade na Administração Pública.

Além disso, cumpre ressaltar - a guerra fiscal - segundo argumenta-se - vem prejudicando as finanças estaduais e, conseqüentemente, o ajuste fiscal, bem como a provisão pública de bens e serviços, muitos deles importantes insumos do processo de produção. Ademais, a guerra fiscal - alegam seus inimigos - cria conflitos entre unidades da Federação e seus resultados tendem a contrariar objetivos de políticas - necessariamente nacionais - que visem ao desenvolvimento regional ou à desconcentração da produção.

Aumentam as vozes dos que sustentam que são raríssimos os caso em que se justifica, do ponto de vista nacional, a concessão do incentivo estadual.

Discute-se, também, a perversa dinâmica da guerra fiscal: após algum tempo, com a generalização dos benefícios fiscais, com todos os Estados concedendo incentivos semelhantes, estes perdem seu poder de estímulo e se transformam em meras renúncias de arrecadação. De um lado, em face da redução generalizada do peso da tributação, as empresas passam a escolher sua localização somente em função das condições de mercado e de produção, que incluem a qualidade da infra-estrutura e dos serviços públicos oferecidos. De outro, com o aumento das renúncias fiscais, os estados de menor poder financeiro perdem a capacidade de prover os serviços de infra-estrutura de que as empresas necessitam para produzir e escoar a produção. As batalhas da guerra fiscal, assim, passam a ser vencidas somente pelos estados mais desenvolvidos, que têm maior poder financeiro, sendo, por isso, capazes de suportar o ônus das renúncias e, ainda assim, assegurar razoável qualidade dos serviços públicos.

Estudos do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBPT) concluíram que na grande maioria das vezes, o que faz uma empresa optar pela escolha de determinado Estado não é um incentivo fiscal, já que todos têm oferecido benefícios semelhantes nesta área. O que realmente pesa na escolha final é a sorte e a eficiência administrativa do local escolhido. A sorte vem da localização geográfica privilegiada, perto de grandes mercados de interesse, herdada da fundação e colonização; a eficiência administrativa é fruto de governos atuantes que dotaram seus estados de boas condições em termos de infra-estrutura e qualidade de vida.

Sob a ótica do Governo Estadual, o Estado quase sempre ganha, mas somente por determinado tempo. Ao certo, a atração para o território do estado de uma empresa cria empregos e, portanto, renda adicional para os residentes do Estado o que, do ponto de vista econômico é um bom negócio para a unidade. Considerando o impacto indireto do empreendimento, até mesmo a fazenda estadual pode, mais adiante, sair ganhando.

Segundo o Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, até o momento o resultado da chamada “Guerra Fiscal” tem sido benéfico para o Brasil, no sentido de descentralizar o desenvolvimento nacional, saindo um pouco do eixo SP-RJ-MG, proporcionando crescimento das outras regiões que não tinham como concorrer de forma igualitária com outras mais ricas, mas reconhece que é um pouco cedo para se analisar os resultados econômicos e sociais advindos com as implantações de grandes empresas internacionais (principalmente montadoras de veículos), mas certamente a oferta de emprego aumenta e a região em que a empresa instala-se demonstra sinais de desenvolvimento na grande parte das vezes.

Sr. Presidente, a PEC nº 41 modifica profundamente a dinâmica arrecadatória do ICMS para buscar, dentre outras coisas, acabar com a guerra fiscal.

O ICMS, com a aprovação da Reforma Tributária, será Federalizado, ou seja, o complexo de 27 diferentes legislações dos Estados serão substituídos por normas de caráter nacional. O ICMS será regulado por lei complementar e por regulamento editado por órgão colegiado composto por representantes dos Estados e do Distrito Federal, sendo vedada adoção de norma estadual autônoma.

No mesmo sentido, a Reforma contempla a uniformização das alíquotas do imposto, que serão em número máximo de cinco. O estabelecimento de padrões nacionais de alíquota será prerrogativa do Senado Federal, cabendo ao já mencionado órgão colegiado dos Estados definir a que mercadoria, bens ou serviços elas serão aplicadas.

Também, consoante a Mensagem nº 157 de 2003, alinhada às diretrizes de uniformização e simplificação, está a proposta de vedação de concessão de benefícios e incentivos fiscais ou financeiros que contribuirá, ao lado da uniformização normativa e de alíquotas do ICMS, para o fim da guerra fiscal.

Por fim, consoante a Reforma, a transição para o novo modelo do ICMS será definida pela lei complementar, fincando vedadas a concessão ou a prorrogação de quaisquer benefícios ou incentivos fiscais ou financeiros atualmente existentes.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderia deixar de reconhecer que a política de isenção fiscal é, ao longo prazo, insustentável. Sua fragilidade é enorme.

A guerra fiscal, derivada dessas isenções, põe em risco o pacto federativo e as finanças públicas dos Estados.

Por isso mesmo, a “Guerra Fiscal” tem sido apedrejada, e com razão, pela grande maioria dos estudiosos do Direito Tributário, intelectuais e políticos de peso.

No entanto, a isenção fiscal tem sido, nos últimos anos, o único meio de os Estados menores atraírem investimentos.

Mesmo com os todos os defeitos que carrega - que foram acima enumerados - e os efeitos perversos que ocasiona, a isenção do ICMS tem sido, até o momento, importante instrumento, e muitas vezes o único, adotado por Governadores de Estados pobres para atrair investimentos produtivos, sobretudo indústrias.

É bom frisar que os Governadores não isentam porque querem, mas sim, por absoluta necessidade e a “Guerra Fiscal” nada mais é do que uma conseqüência de falta de políticas públicas que contemplem Estados e regiões mais pobres com infra-estrutura adequada.

É necessário que, ao lado do combate à “Guerra Fiscal” seja diligenciado mecanismos compensatórios para os Estados mais pobres, como o é o meu Estado de Roraima e muitos outros situados no Norte e Nordeste.

São necessários pesados investimentos em infra-estrutura, sobretudo na região norte e nordeste do País. Ocorrendo isso, as indústrias certamente se sentirão atraídas para investir.

A Reforma Tributária do Governo peca justamente por não prever mecanismos compensatórios suficientemente fortes para que os Estado não fiquem completamente tolhidos de ajustar sua política fiscal à necessidade de atração de empreendimentos produtivos e a geração de emprego.

Ao certo, com o fim das isenções e benefícios fiscais e financeiros, as regiões mais pobres do País estarão mais fora do mapa do desenvolvimento econômico do País, o que acentuará as desigualdades regionais e sociais. Isto contraria frontalmente um dos objetivos fundamentais da República, estatuído no art. 3º, inciso III da Constituição Federal.

De fato, a Constituição Federal de 1988 prevê, acanhadamente, que a União poderá conceder incentivos fiscais, relativos a tributos federais, visando a diminuição dos contrastes inter-regionais.

Afinado pelo mesmo diapasão, prevê o texto da Reforma Tributária a criação de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, formado com 2% do produto da arrecadação do imposto de renda (IR) e sobre produtos industrializados (IPI). Estes recursos serão aplicados na realização de política voltada ao crescimento de regiões ou zonas menos desenvolvidas do País. Tal medida é justificada - segundo o Governo - pela necessidade de corrigir gravíssimos desequilíbrios regionais sendo, portanto, necessários instrumentos que viabilizem a correção desse cenário, estabelecendo mecanismos que promovam um novo equacionamento das vantagens comparativas para a realização de investimentos.

No entanto, entendo extremamente tímidas essas propostas de compensação.

Sr. Presidente, se o Governo quer realmente um desenvolvimento nacional equilibrado e a solução definitiva para as desigualdades sociais e regionais, deveria envidar esforços para isentar ou diminuir o IR e IPI das empresas instaladas nos Estados pobres, ou mesmo aumentar, para um percentual maior, os 2% previstos para a manutenção do Fundo Nacional de Desenvolvimento.

Por fim, gostaria de dizer que a Reforma Tributária é meritória quando busca acabar com a “Guerra Fiscal”, mas deixa a desejar nos mecanismos compensatórios para os Estados pobres da Federação, o que, como já dissemos, contraria os mais caros princípios de nossa Constituição.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/09/2003 - Página 27013