Discurso durante a 120ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da aprovação de requerimento de sua autoria, solicitando a realização de sessão solene do Congresso Nacional destinada a comemorar o Dia Internacional para Eliminação da Violência contra a Mulher. Transcurso de 30 anos da morte do ex-presidente chileno Salvador Allende.

Autor
Serys Slhessarenko (PT - Partido dos Trabalhadores/MT)
Nome completo: Serys Marly Slhessarenko
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO. HOMENAGEM.:
  • Defesa da aprovação de requerimento de sua autoria, solicitando a realização de sessão solene do Congresso Nacional destinada a comemorar o Dia Internacional para Eliminação da Violência contra a Mulher. Transcurso de 30 anos da morte do ex-presidente chileno Salvador Allende.
Publicação
Publicação no DSF de 13/09/2003 - Página 27060
Assunto
Outros > FEMINISMO. HOMENAGEM.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, APROVAÇÃO, REQUERIMENTO, AUTORIA, ORADOR, REALIZAÇÃO, SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER.
  • HOMENAGEM POSTUMA, SALVADOR ALLENDE, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, ELOGIO, PROGRAMA DE GOVERNO, NACIONALIZAÇÃO, ECONOMIA, ATO, BRAVURA, RESISTENCIA, LUTA, REVOLUÇÃO, OPOSIÇÃO, MANIPULAÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ALEGAÇÕES, CRISE, FAVORECIMENTO, IMPLANTAÇÃO, REGIME MILITAR, DITADURA.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Obrigada.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na próxima semana, possivelmente na segunda-feira ou terça-feira, faremos, nesta tribuna, um relato do III Encontro Verde das Américas, realizado no Rio de Janeiro, no qual fizemos a palestra de abertura, assim como da visita que fizemos ao Aterro Sanitário de Nova Iguaçu, pela Frente Parlamentar de Desenvolvimento Sustentável e Agenda 21 Local. Farei um relato ainda de uma viagem que fizemos por países como Espanha, Holanda e Alemanha, com um grupo de companheiros brasileiros do cooperativismo de crédito. Na próxima semana, trataremos desses assuntos com profundidade.

Ontem, foi realizada uma sessão especial, no plenário do Senado da República, destinada a homenagear Salvador Allende pelos trinta anos de sua morte. Infelizmente, não pude usar da palavra e pretendo, agora, ler rapidamente meu discurso. Antes, porém, Senador Mão Santa - que preside esta sessão, que é um Senador extremamente ativo, participante, sempre presente às sessões, presidindo-as, discursando, aparteando, sempre muito atento e ligado -, peço a força e o esforço de todas as Srªs e Srs. Senadores para que se consiga aprovar um requerimento de minha autoria, que tramita nesta Casa já há algum tempo, para que se tenha a realização de uma sessão especial no dia 25 de novembro, considerado o Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher. Precisamos aprovar esse requerimento, Senador-Presidente, para que essa sessão se realize. Alguns dirão tratar-se apenas de mais uma sessão. Não. É mais um compromisso que o Senado da Republica estará cumprindo e, com ele, assumindo a responsabilidade necessária para com as mulheres que sofrem tanta violência, não só no Brasil como no mundo.

Neste momento, Senador Mão Santa, em vez de ler o discurso, irei simplesmente ler uma poesia. Peço a V. Exª, a todos os Senadores e a toda a população que me ouve - em especial, os Senadores - que prestem atenção em cada palavra, em cada linha dessa poesia, porque só prestando a atenção vão realmente compreender a gravidade da situação.

HOJE RECEBI FLORES...

Hoje recebi flores!

Não é meu aniversário ou nenhum outro dia

especial;

tivemos a nossa primeira discussão ontem à noite

e

ele me disse muitas coisas cruéis que me

ofenderam de verdade.

Mas sei que está arrependido e não as disse a

sério,

porque ele me enviou flores hoje.

Não é o nosso aniversário ou nenhum outro dia

especial.

Ontem ele atirou-me contra a parede e começou

a asfixiar-me.

Parecia um pesadelo, mas dos pesadelos

acordamos e sabemos que não é real.

Hoje acordei cheia de dores e com golpes em todos

lados.

Mas eu sei que está arrependido porque ele me

enviou flores hoje.

E não é São Valentim ou nenhum outro dia

especial.

Ontem à noite bateu-me! e me ameaçou matar-me.

Nem a

maquiagem ou as mangas compridas poderiam

ocultar os cortes e golpes que me ocasionou desta

vez.

Não pude ir ao emprego hoje porque não queria

que se apercebessem.

Mas eu sei que está arrependido porque ele me

enviou flores hoje.

E não era dia da mãe ou nenhum outro dia.

Ontem à noite ele voltou a bater-me, mas desta

vez foi muito pior.

Se conseguir deixá-lo, o que vou fazer? Como

poderia

eu sozinha manter os meus filhos?

O que acontecerá se faltar o dinheiro? Tenho

tanto medo dele!

Mas dependo tanto dele que tenho medo de o

deixar.

Mas eu sei que está arrependido, porque ele me

enviou flores hoje.

Hoje é um dia muito especial: É o dia do meu

funeral.

Ontem finalmente conseguiu matar-me.

Bateu-me até eu morrer.

Se ao menos tivesse tido a coragem e a força

para o deixar...

Se tivesse pedido ajuda profissional...

Hoje não teria recebido flores!

Ajudem-nos, Srs. Senadores! Ajudem-nos a descobrir o autor desse texto. Ajudem-nos realizando essa sessão especial. É uma gota d’água no oceano da violência contra a mulher, mas ela é importante. Ajudem-nos a aprovar esse requerimento, para que evitemos esse tipo de coisa.

Citarei aqui só um dado - e tenho muitos: só no meu Estado, em fevereiro de 1996, em um Município - não vou citar o Brasil, porque é mais -, foram assassinadas cinco mulheres por seus companheiros - não foi por nenhum estranho. Em Portugal - como eu disse, não vou citar o Brasil -, morrem cinco mulheres por mês vítimas de maus-tratos!

Por isso, não podemos deixar que isso continue. É uma realidade muito triste.

Para que se tenha respeito para com a mulher é básico que sintam o amor que temos para com elas, já que delas nascemos...

Lido esse poema, feitos esses comentários, eu gostaria de pedir aos Senadores presentes, ao Senador que preside esta sessão neste momento, que, na próxima semana, façamos um esforço para aprovar esse requerimento. Alguns dizem que não é da maior importância, mas podemos trazer dados. Hoje, só li uma poesia, realmente para sensibilizar, mas posso trazer dados que demonstram quão grande é a violência contra a mulher no Brasil: a violência camuflada, a violência que marca, que mata... E tão desnecessária! Para quê? Desnecessária! Somos iguais. A única diferença que faz com que essa violência se acirre contra a mulher é a força, e toda violência vinda da força tem que ser rechaçada.

Portanto, deixo este apelo para que, na próxima semana, aprovemos esse requerimento de minha autoria. E peço a sua força, Sr. Presidente, nesse sentido.

Como eu disse inicialmente, ontem não consegui falar durante a sessão especial pelos trinta anos da morte de Salvador Allende, e faço-o agora.

Salvador Allende é lembrado pelo povo chileno como um político que nunca mentiu. Vejam só, Srªs e Srs. Senadores, que lembrança bonita: Salvador Allende nunca mentiu! Nesta homenagem singela que o Senado Federal do Brasil prestou ontem, 11 de setembro de 2003, a esse herói do povo latino-americano, queremos frisar esta característica extraordinária deste líder: Salvador Allende nunca mentiu.

Na campanha presidencial de 1970, Salvador Allende anunciou que as suas primeiras medidas como presidente do Chile seriam aumentar os salários dos trabalhadores, congelar os preços dos gêneros de primeira necessidade, nacionalizar os bancos estrangeiros, estatizar a produção do cobre e os meios de comunicação e fazer uma profunda reforma agrária no seu país. Enfim, Salvador Allende se comprometeu com as reivindicações históricas do povo chileno e prometeu dar concretitude a todas elas.

Essas foram as bandeiras que Salvador Allende e a Unidade Popular, que ele comandava, ergueram durante sua campanha eleitoral. E esses foram os compromissos que Salvador Allende tratou de cumprir tão logo deu início ao seu mandato, em atendimento à vontade soberana do povo chileno. Sem subterfúgios, sem mentiras, sem vacilações. Cumprindo com as responsabilidades de um mandato que nasceu sustentado pelas lutas e pela organização da população chilena, Salvador Allende queria fazer a revolução dentro de uma grande estratégia de poder que caracterizou como “A Via Pacífica para o Socialismo!”

Há quem diga que Salvador Allende foi um sonhador. Dizem até alguns mais exagerados que Allende foi um sonhador irresponsável. Nosso entendimento é bem diferente. Entendemos que Salvador Allende e seus projetos ecoaram profundamente no coração do povo chileno. Por isso, foi possível a ele sustentar um projeto de governo tão corajoso como o que propôs e procurou executar.

Mas, Sr. Presidente, a história nos mostra que contra as propostas de Salvador Allende, contra aqueles sonhos de soberania que eram os sonhos da maioria absoluta do povo chileno, naquele início da década de 70, contra esses sonhos se levantaram forças poderosas, capitaneadas pelo governo norte-americano, pelos interesses excludentes representados pelo governo de Richard Nixon e do seu lugar-tenente, o premier Henry Kissinger, somando-se a todas as forças reacionárias que atuavam no Chile.

Ontem, em seu artigo no jornal Folha de S.Paulo, o jornalista Jânio de Freitas, que é sempre uma referência para todos nós, pela coerência de suas posições, caracteriza a trama urdida pelos Estados Unidos, pelo Presidente Nixon, pelo premier Kissinger contra o povo chileno e contra o governo de Salvador Allende como um dos grandes crimes da política americana contemporânea. Sim, senhores, um dos grandes crimes da política americana, que deve e precisa ser caracterizado como tal. Ao lembrar de Allende, não podemos calar com relação aos seus algozes, àqueles que tramaram contra a liberdade do povo chileno, que contribuíram para o desmantelamento da democracia chilena, fazendo com que aquele país mergulhasse num regime de terror dos mais virulentos que já se viu nesta América do Sul, nesta América Latina.

A trama para a derrubada de Allende, conforme hoje está fartamente documentado - ontem também e, amanhã, com certeza - foi financiada pela Casa Branca, monitorada pelo maquiavélico Kissinger e executada pelos representantes dos setores sociais que haviam perdido poder e fortuna ante as decisões revolucionárias de Salvador Allende. Foram as pressões dos Estados Unidos que, abalando a economia chilena, acabaram por inviabilizar o governo da Unidade Popular, o governo de Allende

Da crise orquestrada pelos norte-americanos para o golpe militar foi só um passo. Em 11 de setembro de 1973, as Forças Armadas e os Carabineiros, comandados por Pinochet, avançaram sobre o Palácio de La Moneda. Tudo estava preparado para o assalto ao poder e para que se encerrasse de maneira trágica a experiência socialista no Chile. Allende informou aos golpistas que não renunciaria e antes de enfrentar o fogo inimigo pronunciou o seu último discurso, um documento histórico tocante.

Trabalhadores de minha pátria [disse Allende nos momentos finais de sua vida], tenho fé no Chile e no seu destino. Sigam vocês, sabendo que, mais cedo do que muitos imaginam, se abrirão as grandes avenidas por onde haverá de passar o homem livre que construirá uma sociedade melhor! Viva o Chile! Viva o povo! Vivam os trabalhadores!

Foram as últimas palavras de Allende.

Allende resistiu enquanto teve munição em sua arma. A vitória episódica de seus algozes não conseguiu, todavia, toldar a sua imagem de governante profunda e intensamente comprometido com seu povo, com a luta do povo chileno, com a luta mais ampla de todo o povo deste continente latino-americano que busca uma sociedade em que impere a justiça social.

Salvador Allende deve, sim, ser lembrado como um herói do povo chileno, como um herói de todas estas Américas tão exploradas pelas nações aqui hegemônicas, que não têm vacilado em recorrer aos crimes mais brutais, como foi o assassinato desse líder, no intuito de fazer valer seus interesses.

Lendo os jornais de ontem, vejo o professor Emir Sader fazer uma avaliação da experiência chilena, do golpe sofrido por Allende, afirmando o seguinte:

Uma transformação substancial do capitalismo requer, portanto, a combinação da luta institucional com a criação de uma grande força hegemônica alternativa, apoiada na grande massa explorada e dominada da população, associada a um projeto de transformação que atenda aos interesses dessa grande maioria e, ao mesmo tempo, promova a democracia econômica, social, política e cultural. Não basta a maioria eleitoral, mas a maioria política, social e cultural tem que se expressar também no plano institucional e eleitoral, para ganhar espaços fundamentais para o grande processo transformador da sociedade.

É evidente que a falta de uma melhor articulação entre os povos que, na América Latina, lutavam e lutam pela sua soberania diante das grandes nações hegemônicas, facilitou e facilita que ocorressem e ocorram tragédias como as que vitimaram o governo de Allende e se manifestaram também aqui mesmo no Brasil com o golpe de 64, na Argentina, no Uruguai, na Guatemala, no Peru e em tantos outros países deste continente até recentemente tão amaldiçoado pelos golpes militares. Felizmente, já são de triste memória, mas precisam ser lembrados para que jamais voltem a imperar na nossa América e em país algum. Estão aí diante de nós as inquietações por que passam a Colômbia e a Venezuela como permanentes fatores de intranqüilidade.

A lição que nos fica do golpe contra Allende deve nos impor a necessidade de fortalecemos os elos que, dentro das nações deste continente, sustentam as experiências democráticas que hoje se multiplicam em nossa região. Precisamos fortalecer aquelas iniciativas, como no caso do Mercosul, que apontam para uma profunda solidariedade econômica, política e cultural entre os povos da América do Sul e da América Latina. Precisamos ter claro quais são nossos amigos e quais são nossos interesses. Precisamos ter claro qual é o nosso lado.

Neste 11 de setembro de 2003, devemos recordar a figura de Salvador Allende como um referencial de dignidade e como uma personalidade que sacrificou a sua própria vida, acreditando que a miséria e a exploração precisam ser banidas do dia-a-dia de todos os povos para que, aí, possamos, sim, falar em justiça, falar em liberdade e lutarmos, como tanto sonhou esse brilhante brasileiro que foi o nosso Diplomata Sérgio Vieira de Mello, na afirmação e na existência de uma só raça, a raça humana, vivendo em espírito de harmonia e solidariedade. Aqui, a nossa homenagem profunda e o nosso respeito profundo a Sérgio Vieira de Mello. Tenho certeza de que, à medida em que mantivermos viva a memória de Salvador Allende e de sua luta, teremos muito mais motivação para construirmos esse futuro de dignidade.

Para finalizar, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, esta singela homenagem, reproduzo aqui o poema que o poeta Mário Benedetti dedicou à memória de Allende:

Allende

Para matar o homem da paz

para golpear seu semblante livre de pesadelos

tiveram que converter-se em pesadelo.

Para vencer o homem da paz

tiveram que reunir todos os ódios

além dos aviões e dos tanques.

Para abater o homem da paz

tiveram que bombardeá-lo, transformá-lo em chama,

porque o homem da paz era uma fortaleza.

Para matar o homem da paz

Tiveram que desencadear a fúria da guerra.

Para vencer o homem da paz

e calar sua voz modesta e penetrante

tiveram que empurrar o terror até o abismo

e matar mais, para continuar matando.

Para abater o homem da paz

tiveram que assassiná-lo muitas vezes

porque o homem da paz era uma fortaleza,

Para matar o homem da paz

tiveram que imaginar que era uma multidão,

uma armada, uma tropa, uma brigada.

Tiveram que acreditar que era um outro exército,

mas o homem da paz era tão-somente um povo

e tinha em suas mãos um fuzil e um mandato

e eram necessários mais tanques, mais rancores

mais bombas, mais aviões, mais injúrias

porque o homem da paz era uma fortaleza.

Para matar o homem da paz

para golpear seu semblante livre de pesadelos

tiveram que converter-se em pesadelo.

Para vencer o homem da paz

tiveram que afiliar-se sempre à morte

matar e matar mais para continuar matando

e condenar-se à solidão blindada

Para matar o homem que era um povo

Tiveram que ficar sem o povo.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/09/2003 - Página 27060