Discurso durante a 120ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Dificuldades enfrentadas pelos prefeitos municipais.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.:
  • Dificuldades enfrentadas pelos prefeitos municipais.
Aparteantes
Maguito Vilela.
Publicação
Publicação no DSF de 13/09/2003 - Página 27065
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
Indexação
  • CRITICA, CENTRALIZAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, RECURSOS FINANCEIROS, ORIGEM, ARRECADAÇÃO, IMPOSTOS, NECESSIDADE, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, ESTADOS, MUNICIPIOS, REFORMA TRIBUTARIA.
  • EXPECTATIVA, REDUÇÃO, DEPENDENCIA ECONOMICA, PREFEITURA MUNICIPAL, UNIÃO FEDERAL, RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, REFORÇO, PARTICIPAÇÃO, MUNICIPIOS, FEDERAÇÃO.
  • ANALISE CONJUNTURAL, CRISE, ECONOMIA NACIONAL, AGRAVAÇÃO, DIFICULDADE, PREFEITO, IMPOSSIBILIDADE, ATENDIMENTO, REIVINDICAÇÃO, CIDADÃO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte recurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há poucos dias, o Brasil inteiro assistiu, por intermédio da televisão, à marcha dos prefeitos, aqui em Brasília, para sensibilizar os Deputados no que tange à reforma tributária que ainda está na Câmara dos Deputados. Fizeram isso de maneira pacífica, mostrando à Nação uma realidade que muitos teimam em desconhecer: é no Município que o cidadão mora - na rua tal, nº tal e bairro tal - e é lá onde estão os problemas de saúde, educação, transporte, moradia. Assim, são os vereadores e os prefeitos os primeiros a serem alcançados pelo cidadão comum quando há problemas de qualquer natureza.

No entanto, a grande imprensa nacional faz uma defesa tão violenta e inconcebível da União Federal, do Governo Federal, como se só houvesse problemas nos Municípios. Leio articulistas importantes que falam sobre grotões, fazendo referência aos Municípios do interior do Brasil; sobre o obscurantismo do Nordeste, Centro-Oeste e Norte, com um complexo de superioridade que não cabe mais em uma democracia que busca ser igualitária e eliminar as desigualdades regionais. Mas isso tem que começar pelos Municípios. Não é possível eliminar as desigualdades, se continuarem existindo Municípios paupérrimos pelo Brasil afora. Aliás, não é apenas o Norte, Nordeste e Centro-Oeste que têm Municípios pobres; tenho ouvido Senadores de grandes Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais reclamarem que seus Municípios não são bem assistidos.

Penso, portanto, que deveria haver uma inversão dos recursos na pirâmide, ficando a maior parte nos Estados e Municípios e a menor na União, no Governo Federal, que teria apenas o papel de elaborar e supervisionar a execução das políticas de saúde, educação, moradia, etc. Alguns órgãos, como o Incra, são donos de terras em todos os Estados, assim como o Ibama e a Funai. Na verdade, portanto, o Governo Federal detém grande parte das terras neste País. Precisamos, pois, mudar essa realidade. E o Senado, como a Casa dos Estados, que, por sua vez, são compostos pelos Municípios, precisa inverter essa situação e dar aos Municípios condições de melhor gerirem os recursos que recebem e, além disso, terem uma melhor assistência por parte dos Estados e do Governo Federal. Não se pode colocar o Município, o vereador ou o munícipe como os vilões da história.

Por isso, Sr. Presidente, o meu pronunciamento na manhã de hoje é exatamente sobre essa sensação que considero boa, que não está, por assim dizer, dispersa no ar, não está solta como um aroma, como um calor, uma brisa. Não! Os indícios dela, ainda que se revelem com lentidão, são cada vez mais claros, mais palpáveis, mais concretos. Ela me aparece, por vezes, quando leio os jornais, quando visito o interior do meu Estado, quando converso com outros Senadores, ou com personalidades do mundo político e empresarial que trazem notícia dos seus próprios Estados.

Tal sensação é a do surgimento dos Municípios no cenário político e administrativo nacional. E não digo ressurgimento, porque considero que os Municípios nunca foram fortes entre nós - estou excetuando, naturalmente, os Municípios representados pelas capitais dos Estados. Refiro-me, sim, aos mais de cinco mil Municípios brasileiros do interior do País, das faixas litorâneas, mesmo aquelas mais próximas dos grandes centros, mas que nem por isso deixam de ser pequenos. E aqui quero dar uma ênfase aos Municípios da faixa de fronteira deste imenso Brasil.

Curiosamente, o problema não está constitucionalmente afeito às competências municipais, mas tem motivado uma ação política e administrativa mais incisiva por parte das prefeituras e dos prefeitos: é o problema do desemprego, que é dramático e, nos últimos anos, tem atingido patamares que, até então, eram desconhecidos pelos brasileiros.

O desemprego é um mal que, hoje, se alastra por todo o território brasileiro. Não faz distinção entre grandes, médias ou pequenas cidades. A economia está estagnada, não cresce. O setor público não pode gastar por estar constrangido pela pesada dívida pública e pela necessidade de honrar minimamente o serviço dessa dívida.

Em decorrência dessa conjuntura, há atualmente, no País, oito milhões de desempregados - penso até que este número já está ultrapassado, Sr. Presidente. A taxa de desemprego aberto, calculada pelo IBGE nas principais regiões metropolitanas, chegou a 13% da população economicamente ativa, em junho.

Nesse contexto, muitas prefeituras têm se visto obrigadas a dar alguma resposta a seus munícipes no que se refere a iniciativas de geração de emprego e de renda. Isso, apesar de os Municípios não disporem dos instrumentos de política econômica, que ficam sob responsabilidade da União, isto é, do Governo Federal. Isso, apesar de não disporem do instrumental institucional e financeiro de que dispõem as Secretarias Estaduais do Trabalho. Aliás, o cidadão comum, o eleitor, não distingue, com clareza, de que unidade federativa é a competência para tal ou qual ação em determinada área. Chega-se ao ponto, Sr. Presidente - V. Exª que é médico -, de se discutir se o mosquito da dengue é municipal, federal ou estadual. O Governo Federal colocando a culpa no prefeito; e o prefeito colocando a culpa no Estado. Imagine, então, como fica o cidadão comum do Município, que tem problemas e quer vê-los resolvidos. E a autoridade mais próxima de quem pode cobrar é, sem dúvida nenhuma, o prefeito.

Então, por conta principalmente do aumento de desemprego e da pressão dos munícipes, vários prefeitos, com muita criatividade, com muito empenho, em muitos Municípios, situados em vários Estados brasileiros, têm saído a campo para fazer o possível com os recursos com que podem contar. A mentalidade de esperar do Governo Federal, de esperar do Governo Estadual, a mentalidade segundo a qual os Municípios são meros receptores de políticas públicas de iniciativa da União e dos Estados vai cedendo lugar, paulatinamente, a uma nova mentalidade, segundo a qual os Municípios devem ser agentes de seu próprio desenvolvimento. Tudo na medida do possível, é claro.

São programas de incentivo ao cooperativismo, de treinamento profissional, de economia solidária. Há, inclusive, prefeituras usando parte do orçamento municipal para montar programas de microcrédito.

Sr. Presidente, quero apenas acrescentar que espero muitos bons efeitos dessa vitalização dos Municípios, do despertar das administrações municipais para o relevantíssimo papel que têm a desempenhar no regime federativo brasileiro.

O povo brasileiro, ao longo de sua história, tem-se caracterizado por certa apatia em relação à vida e aos negócios da sua comunidade. Costumamos dar muito mais atenção às questões de abrangência nacional do que àquelas localizadas, as questões do dia-a-dia da esfera municipal, que afetam a rotina do cidadão, que têm efeito direto e imediato sobre a sua vida. Em outros povos, como o norte-americano, faz-se amiúde críticas no sentido oposto: de que são tão absorvidos em suas comunidades locais, que prestam escassa atenção ao que ocorre em seu país e no mundo. Quer dizer, o cidadão vive tão em função dos seus problemas municipais que fica desatento aos problemas nacionais e mundiais, o que é mais lógico. Seja como for, o que não se pode criticar nos norte-americanos é a falta de vitalidade cívica.

A mim me parece que muitas das virtudes cívicas estão ligadas a essa capacidade de participar da vida da comunidade local, de cobrar das autoridades municipais, mas também de contribuir com a quota de que cada um é capaz. É esse interesse no Município, na cidade, no bairro, que vejo, cada vez mais, crescendo no seio de nosso povo.

Tomei o desemprego, que é a questão urgente do momento, que efetivamente tem mobilizado as prefeituras, como exemplo de um problema que tem empurrado vários Municípios para o caminho da ação. Mas esse movimento que estou tentando descrever vai mais além dessa ou de outra questão; é uma tendência de comportamento político.

Tenho expectativa de que o papel desempenhado pelos Municípios possa crescer ainda mais. No dia em que resolvermos fazer uma reforma fiscal no Brasil, com a redefinição da divisão do bolo tributário entre os entes da Federação e com redefinição de atribuições públicas, espero que maior parcela tanto de recursos quanto de responsabilidades seja destinada aos Municípios, porque, hoje, só estão sendo atribuídas responsabilidades. Há até sorteio para fiscalizar Municípios, mas não para fiscalizar instituições que recebem dinheiro do serviço público ou para fiscalizar ONGs que foram ao Presidente pedir facilidades para obter recursos públicos sem burocracia.

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) - Senador Mozarildo Cavalcanti, V. Exª me concede um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Já lhe darei o aparte, Senador Maguito Vilela.

É preciso, sim, Sr. Presidente, darmos, no Senado, uma virada nessa questão, colocando o Município em primeiro lugar, os Estados em segundo lugar e a Federação em último lugar.

A Federação deve ocupar, sim, o lugar de fiscalizadora, normatizadora das políticas, responsável pela unidade nacional, pela soberania nacional, mas nunca a de executora de obras municipais e de obras estaduais. Esse deve ser o papel do Município. Espero que, no dia em que fizermos a reforma tributária adequada, possamos dar a feição de que o Município precisa.

O Município deveria ser a escola cívica de todos os brasileiros, o lugar onde aprendemos a fazer política no sentido amplo, a conviver com nossos concidadãos, a exigir o que é nosso, a ceder o que não nos pertence, a repartir, a somar esforços, a evoluir moral e politicamente.

Concedo o aparte, com muito prazer, ao Senador Maguito Vilela.

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) - Senador Mozarildo Cavalcanti, solicitei este aparte porque entendo que o pronunciamento de V. Exª é muito importante, momentoso e extremamente atual. Estamos discutindo a reforma tributária para todo o País. Os Municípios brasileiros têm de ser realmente contemplados para poderem resolver ou minimizar seus problemas. V. Exª disse bem: todos os problemas do Brasil residem nas cidades brasileiras. E os prefeitos não têm como resolvê-los, porque recebem minguados recursos para administrar os seus respectivos Municípios. Eu fiz o primeiro pronunciamento, neste Senado, antes mesmo da reforma, chamando a atenção do País para este fato. Se quisermos resolver os problemas do País temos que dar condições a todos os prefeitos brasileiros de resolver os problemas de seu Município. Dando condições a todos os prefeitos, os problemas dos Municípios serão resolvidos e, conseqüentemente, os do Brasil: habitação, esgoto, água tratada, asfalto, energia elétrica, educação, saúde e segurança pública. Se cada prefeito resolver os problemas da sua cidade, o Brasil terá todos os seus problemas resolvidos. É isso que precisamos entender. V. Exª chama a atenção para um fato importantíssimo: uma obra para o Governo Federal custa X, para o Governo Estadual quase o mesmo X, mas para o Governo Municipal é a metade de X. Qualquer Prefeito faz qualquer obra pela metade do valor gasto pelo Estado ou pela União. Então, é uma forma de baratear custos, resolver problemas e gerar empregos nos Municípios. V. Exª está de parabéns pelo importante pronunciamento que faz. Temos que fazer uma reforma tributária que contemple os Municípios e tire os prefeitos dessa situação caótica de administração pública. Há poucos dias, vieram a Brasília milhares de prefeitos para denunciar a situação difícil em que se encontram quase todas as prefeituras. É lógico que as prefeituras das capitais e das grandes cidades não estão tendo tantos problemas quanto as de Municípios de pequeno e médio porte. Parabéns pelo seu pronunciamento!

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Senador Maguito Vilela, agradeço a V. Exª pelo aparte. V. Exª tem experiência administrativa, foi governador do importante Estado de Goiás e conhece de perto os problemas dos Municípios. Aliás, todo cidadão os conhece, porque mora no Município. O que falta é a sensibilidade política e técnica para mudar esse quadro e, efetivamente, inverter a prática da União de concentrar tudo em suas mãos, colocando os prefeitos reféns de convênios.

Tenho a esperança fundada de que o Presidente Lula promoverá essa mudança, levando os programas para as prefeituras, descentralizando a administração, fazendo com que este seja um País municipalista. Assim, poderemos viver de forma diferente, fazendo com que desapareça essa pecha de que quase todo prefeito - para não dizer todo - é ladrão, que é na prefeitura que estão os problemas, quando sabemos que os grandes rombos com o dinheiro público foram feitos nas grandes obras executadas pelo Governo Federal.

É preciso mudar essa realidade. Tem até uma música do Raul Seixas, para mostrar como a vida de prefeito é realmente sofrida. Não se ouve falar muito em matar Governador ou Presidente, mas Prefeito, de vez em quando, se tem notícia. O Raul Seixas tinha uma música que dizia: “Mamãe, eu não quero ser Prefeito, pode ser que eu seja eleito e alguém pode querer me assassinar”.

Sr. Presidente, vamos juntos mudar essa realidade, para que as Prefeituras, os Municípios, e os munícipes principalmente, passem a ser mais respeitados neste Brasil.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/09/2003 - Página 27065