Discurso durante a 120ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Acidente ocorrido com S.Exa. e o Senador Sibá Machado nas águas do rio Solimões. Realização, em Brasília, de encontro sobre segurança alimentar com equilíbrio sócio-ambiental. Utilização de transgênicos no Brasil.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Acidente ocorrido com S.Exa. e o Senador Sibá Machado nas águas do rio Solimões. Realização, em Brasília, de encontro sobre segurança alimentar com equilíbrio sócio-ambiental. Utilização de transgênicos no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 13/09/2003 - Página 27070
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • REGISTRO, OCORRENCIA, DESASTRE, ESTADO DO AMAZONAS (AM), VITIMA, ORADOR, SIBA MACHADO, SENADOR.
  • ANUNCIO, REALIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, DISTRITO FEDERAL (DF), PARTICIPAÇÃO, ENTIDADE, BRASIL, MUNDO, DISCUSSÃO, EFEITO, PRODUTO TRANSGENICO, SAUDE, PESSOAS, MEIO AMBIENTE, CONCILIAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, EQUILIBRIO ECOLOGICO.
  • NECESSIDADE, QUESTIONAMENTO, LOBBY, EMPRESA MULTINACIONAL, INFLUENCIA, LEGISLAÇÃO, INDICAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, INVESTIMENTO, BIOTECNOLOGIA, PRODUÇÃO, PRODUTO TRANSGENICO, EXCLUSIVIDADE, ATENDIMENTO, INTERESSE ECONOMICO, MERCADO, EXCLUSÃO, PRIORIDADE, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, INCOERENCIA, ALEGAÇÕES, JUSTIFICAÇÃO, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO.
  • COMENTARIO, PESQUISA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), FORNECIMENTO, SUBSIDIOS, GOVERNO FEDERAL, ELABORAÇÃO, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, BIOTECNOLOGIA.
  • LEITURA, OPINIÃO, LEONARDO BOFF, ESCRITOR, NECESSIDADE, SOCIEDADE, RESPONSABILIDADE, RESPEITO, NATUREZA.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao iniciar o meu pronunciamento, quero externar a minha satisfação de poder estar aqui, depois de um acidente de que fomos vítimas nesta semana o Senador Sibá Machado e eu. Houve um violento acidente fluvial nas águas do rio Solimões, e sinto necessidade de esclarecer ao povo de Rondônia e ao povo brasileiro o que de fato aconteceu.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa) - Peço permissão para interromper a Senadora Fátima Cleide para convidar o Senador Maguito Vilela a assumir a Presidência, porque, logo após o discurso da Senadora Fátima Cleide, quero prestar uma homenagem ao maior dos brasileiros. Quis Deus que estivesse aqui a maior riqueza do Brasil: Juscelino Kubitschek. Hoje é o seu aniversário.

Obrigado, Senadora.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO) - Como eu dizia, Sr. Presidente, a nossa missão, a do Senador Sibá Machado e a minha, pelo Estado do Amazonas, diz respeito ao projeto que estamos defendendo de que os grandes empreendimentos, principalmente na área do setor energético, na Amazônia, não se reduzem à discussão de um Estado ou outro para se saber onde residirá o empreendimento.

Nesse sentido, estamos discutindo vários projetos, como as hidrelétricas de Belo Monte, as do rio Madeira, o gasoduto Urucu/Porto Velho, Coari/Manaus.

Na oportunidade, em função de uma audiência realizada ontem - à qual não pude comparecer em função do acidente - pela Subcomissão da Amazônia nesta Casa e pela Comissão da Amazônia na Câmara Federal na minha cidade de Porto Velho, fomos convidados pela Petrobras a conhecer, juntamente com uma comitiva do movimento social, as instalações da base de Urucu.

O acidente ocorreu em frente ao terminal Solimões, mas felizmente não houve vítimas. Apenas o Senador Sibá Machado se machucou e está sob cuidados médicos em casa, e a Secretária de Administração do Município de Coari está internada em Manaus.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Parlamentares, venho à tribuna especialmente para saudar o encontro que se dará em Brasília a partir deste domingo. Refiro-me a um acampamento que deverá sustentar uma agenda de manifestações do movimento social mobilizado por segurança alimentar com equilíbrio socioambiental.

Esse acampamento reúne representantes de diversas organizações, a maioria delas ligadas ao Via Campesina, um movimento que congrega médios e pequenos agricultores, trabalhadores agrícolas, mulheres e comunidades indígenas da Ásia, África, América e Europa. São elas: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Pequenos Produtores (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB), Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais (ANMTR), Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da região Sul (FETRAF-Sul). Além dessas, outras organizações da sociedade civil, tais como: Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Rede Ecovida, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), Greenpeace, e diversos sindicatos e associações.

Este evento é especialmente bem-vindo porque se realiza no momento em que, sob a pressão de fatos consumados de graves proporções, se definem políticas e legislação sobre a produção e consumo de organismos modificados ou transgênicos no Brasil. Oportunidade digna de celebração, porque constitui fórum programado para durar um mês, junto a este Parlamento, à sede central do Governo e aos órgãos máximos da Justiça de nosso País.

É digno de celebração também o fato de a sociedade brasileira, de mãos dadas com o mundo, ter produzido debate tão qualificado sobre questões tão recentes e sofisticadas, no seio do movimento organizado nas cidades, nos campos e nas florestas.

Srªs e Srs. Parlamentares, os produtos transgênicos são já uma realidade no mercado mundial, principalmente na produção e no consumo de alimentos, medicamentos, ciências médicas e biológicas.

As empresas que dominam essas áreas do mercado mundial, há décadas têm estado vantajosamente instaladas também no mercado brasileiro - das sementes e insumos agropecuários, do melhoramento genético, das drogas mundialmente difundidas e da tecnologia de apoio à medicina em geral.

São elas a Monsato, a Aventis, a Syngenta, a Basf e a Dupont, sendo que só a Monsato controla 62% dos cultivos de soja em todo o mundo. E é sua hegemonia que agora pressiona por espaço no Brasil também para sua produção transgênica.

Sabe-se que a pesquisa científica em geral há muito se desenvolve sob o patrocínio do capital concentrado em poder de grandes empresas multinacionais. No Brasil, mesmo as instituições governamentais de pesquisa não contam com recursos suficientes para custear a pesquisa nacional.

O SR. PRESIDENTE (Maguito Vilela) - Senadora Fátima Cleide, gostaria de interrompê-la por um minuto, também antes que o brilhante Senador Mão Santa faça o seu discurso homenageando os 101 anos do Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, para registrar a presença do Centro de Ensino Fundamental Queima Lençol, de Sobradinho, que muito nos honra com a sua visita.

Às professoras e aos alunos, os agradecimentos do Senado da República. Obrigado.

Muito obrigado, Senadora Fátima Cleide.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO) - Então, em função de as instituições governamentais de pesquisa não contarem com recursos suficientes para custear a pesquisa nacional, há toda sorte de convênios e parcerias firmados entre agentes públicos e de capital privado na prática científica que aqui tem se realizado.

Assim, o Brasil de agora, que priorizou a segurança socioambiental em diretrizes amplamente anunciadas, se vê pressionado a investir em tecnologia para produção de trangênicos, sob a lógica das empresas transnacionais, que desenvolveram essa tecnologia em função de seus exclusivos interesses de mercado.

Essa situação coloca o Brasil num dilema político em relação à liberação da produção e consumo de transgênicos: de um lado, a acirrada polêmica quanto à segurança e à oportunidade dessa biotecnologia; do outro lado, o unânime reconhecimento da necessidade de garantias quanto a seus efeitos sobre os seres humanos, os seres vivos em geral e o meio ambiente.

Enquanto as grandes empresas de biotecnologia tensionam por espaço no Brasil, a pesquisa científica nacional - mais especificamente a pesquisa com transgenia - reclama por condições legais e responsabilidade social aos investimentos públicos. E o faz sob o apelo legítimo da soberania nacional, no que diz respeito à segurança alimentar e ambiental.

De todo modo, é inegável o poder de pressão da biotecnologia sobre as deliberações de governo e as definições legislativas. Portanto, o que se discute sobre o fato consumado é: por que meios e com que perspectivas se deve tratar de sua implementação no Brasil de agora?

Aqui, há um aspecto que considero relevante compartilhar nesta reflexão: é o histórico de como se deram as inovações patrocinadas por essas empresas nas últimas décadas.

Para dar apenas um exemplo, cito rapidamente uma época em que se cobriu quase toda a face da Terra com um produto conhecido pela sigla BHC. Especialmente os extensos territórios do Terceiro Mundo foram cobertos de BHC. Quando esse produto chegou ao mercado mundial, respondia-se à oposição dos ambientalistas da época com os mesmos apelos que se utilizam hoje quanto aos transgênicos: “É um avanço da ciência, posto à disposição da humanidade, capaz de livrá-la das pragas que prejudicam a saúde humana e a produção agropecuária. Se, de fato, podem morrer alguns passarinhos e borboletas a mais por isso, considera-se a perda como um custo justo aos amplos benefícios que promete”.

Sob esse argumento, encharcaram-se os solos, os rios e a corrente sangüínea de milhões de pessoas. Abateram um sem-número de espécies vivas, de peixe a passarinho, de boi a inúmeros tipos de microorganismos úteis. E deixaram muita gente doente no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Anos depois, os resultados nefastos dessa experiência obrigaram os órgãos de proteção internacionais a proibir rigorosamente a aplicação daquelas drogas arrasadoras.

O mesmo se deu em relação ao herbicida conhecido internacionalmente como “agente laranja”. Esse produto, depois de mundialmente utilizado na agricultura, revelou-se um poderoso cancerígeno, além de ter outros efeitos indesejáveis. Em função disso, foi e ainda é usado como arma química, como na guerra dos Estados Unidos contra o Vietnã, que deixou vítimas com seqüelas terríveis entre os vietnamitas.

Para não me alongar demais na citação de exemplos, ressalto apenas três elementos comuns nas táticas de domínio de mercado da indústria biotecnológica:

1) apresentam-se como a personificação do progresso científico a serviço do desenvolvimento;

2) impõem-se por fatos consumados; e

3) a seus opositores rotulam como ignorantes, ultrapassados, dispensáveis (desviando a discussão da questão estratégica para o embate inconsistente dos qualificativos).

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, até agora, o Governo tem-se referenciado por recomendações legais de cautela quanto à produção e difusão de produtos biotecnológicos. Mas se viu forçado a liberar a comercialização da safra 2002/2003 da soja transgênica, produzida ilegalmente na região Sul a partir de sementes da vizinha Argentina - o segundo maior produtor mundial de soja transgênica.

O Governo liberou a comercialização da soja transgênica plantada no ano passado para não penalizar demais os pequenos e médios agricultores, que se deixaram seduzir pelo marketing da transgenia, em expansão nos países fronteiriços do Sul.

Mas a lei que regulamenta a comercialização dessa safra específica determina também que se criem mecanismos para garantir ao consumidor todas as informações sobre o produto que chegar ao mercado com alguma medida dessa soja em sua composição.

No entanto, até 2002, os avanços da pesquisa nacional tenderam muito mais para o caminho ditado pelas grandes empresas de biotecnologia. E pouco se produziu de conhecimento, por exemplo, sobre processos de segregação de grãos convencionais e transgênicos.

Por conseqüência, o Ministério da Agricultura reconhece formalmente a real “possibilidade de o povo brasileiro estar consumindo alimentos transgênicos sem saber”. Assim como a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão do Ministério da Saúde, não se reconhece em condições de fiscalizar o processo de produção nem a rotulagem obrigatória dos produtos que podem conter soja transgênica.

Os documentos oficiais que publicam essas informações atestam o fato consumado - outra vez segundo a tática de domínio das grandes empresas de biotecnologia.

Na sexta-feira passada, evento realizado pela Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, apresentou a argumentação de pesquisadores nacionais sobre essa questão, fundamentando seus apelos por investimentos no domínio da biotecnologia, especialmente nas áreas de pesquisa voltadas para os legítimos interesses da sociedade brasileira e para as garantias de segurança nas experiências com organismos geneticamente modificados.

Nesse campo, neste momento, tudo indica que o interesse prioritário da sociedade brasileira, no que cabe à pesquisa da transgenia, é:

1.     gerar informações sobre a segurança alimentar e ambiental dos diferentes produtos geneticamente modificados;

2.     compor métodos, protocolos e roteiros para avaliar a biossegurança na identificação e caracterização de seus efeitos à saúde humana e do meio ambiente;

3.     o controle social e a permanente atualização das técnicas para a produção de transgênicos; e

4.     dar base científica à discussão de mérito sobre quando e como a produção de transgênicos pode ou não ser liberada no País.

Na primeira semana de setembro, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que enviará “no momento certo”, ao Congresso Nacional, um projeto de lei definindo a questão dos transgênicos”. Sua Excelência reafirmou que não quer um debate ideológico sobre o assunto, mas sim uma discussão com base em estudos científicos.

Segundo a Embrapa, “o atual Governo está analisando o tema em profundidade, de forma participativa, dentro e fora da esfera governamental como jamais visto para o setor”, de modo a “dotar o Brasil de uma legislação atualizada e que represente os verdadeiros anseios da sociedade brasileira em relação aos produtos transgênicos, inclusive em relação à rotulagem”.

“Vamos discutir com a responsabilidade que um País do tamanho do Brasil tem no mundo, para dizer se nós vamos assumir a responsabilidade ou não”, disse o Presidente Lula.

Srªs e Srs. Senadores, quanto a este aspecto em particular, gostaria de compartilhar uma inspirada reflexão que Frei Leonardo Boff desenvolve, com muita propriedade, sobre a responsabilidade que está colocada ao Governo e ao Congresso Nacional, bem como à sociedade brasileira e a cada cidadão, neste momento:

(...) Somos obrigados a desenvolver um ethos de ilimitada responsabilidade por tudo o que existe e vive, como condição de sobrevivência da humanidade e de seu habitat natural.

Responsabilidade é a capacidade de dar respostas eficazes (...) aos problemas que nos chegam da realidade complexa atual - e só o conseguiremos com um ethos que ama, cuida e se responsabiliza.

Responsabilidade surge quando nos damos conta das conseqüências de nossos atos sobre os outros e a natureza.

E especificamente quanto à ânsia pela liberação imediata e plena da produção transgênica no Brasil, diz Leonardo Boff:

O universo trabalhou 15 bilhões de anos, e a biogênese, 3,8 bilhões, para ordenar as informações que garantem a vida e seu equilíbrio.

Nós, numa geração, queremos já controlar esses processos complexíssimos, sem medirmos as conseqüências de nossa ação.

O ethos que se responsabiliza impõe a precaução e a cautela como comportamentos éticos básicos.

E esse ethos se impõe algumas tarefas prioritárias:

Quanto à sociedade, cumpre deslocar o eixo da competição, que usa a razão calculista, para o eixo da cooperação, que usa a razão cordial.

Com referência à economia, importa passar da acumulação de riqueza para a produção do suficiente e decente para todos.

Quanto à natureza, urge celebrar uma aliança de sinergia entre o manejo racional do que precisamos e a preservação do capital natural.

Quanto à atmosfera espiritual de nossas sociedades, importa passar do individualismo e da auto-afirmação para a construção do bem comum e do espírito de cooperação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Parlamentares, o acampamento - dos militantes socioambientalistas, dos trabalhadores e das trabalhadoras das cidades, dos campos e das florestas - abre sua programação de atividades hoje à noite, às 19 horas, em ato político que se realiza no Camping de Brasília.

Assim, enquanto o Governo aguarda o melhor momento para enviar sua proposta ao exame do Congresso Nacional, gostaria de convidar todos os companheiros de Parlamento a exortar a sociedade brasileira a que partilhemos da oportunidade e da qualidade do encontro que se inaugura hoje, reconhecendo-o como uma mobilização cívica que vem socorrer, com o debate qualificado da sociedade, os homens e mulheres que congregam a enorme responsabilidade das ações públicas neste País.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/09/2003 - Página 27070