Discurso durante a 121ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Saudações ao Movimento Viva Rio pela organização de passeata pelo desarmamento. Repúdio ao protecionismo internacional e suas consequências para os países em desenvolvimento.

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. COMERCIO EXTERIOR.:
  • Saudações ao Movimento Viva Rio pela organização de passeata pelo desarmamento. Repúdio ao protecionismo internacional e suas consequências para os países em desenvolvimento.
Publicação
Publicação no DSF de 16/09/2003 - Página 27139
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, ORGANIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REIVINDICAÇÃO, DESARMAMENTO, TENTATIVA, CONTENÇÃO, VIOLENCIA, MORTE, VITIMA, ARMA DE FOGO.
  • COMENTARIO, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PORTE DE ARMA, RESTRIÇÃO, VENDA, ARMA DE FOGO.
  • COMENTARIO, REUNIÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, CRITICA, PROTECIONISMO, SUBSIDIOS, AGRICULTURA, PAIS INDUSTRIALIZADO, ELOGIO, ATUAÇÃO, BRASIL, EMPENHO, DEFESA, INTERESSE, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, COORDENAÇÃO, GRUPO, PAIS, REFORÇO, REIVINDICAÇÃO, LIVRE CONCORRENCIA, ATIVIDADE AGRICOLA.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de tudo, quero parabenizar os organizadores da passeata “Brasil sem armas”, realizada ontem com enorme sucesso na praia de Copacabana, com mais de quarenta e cinco mil pessoas. Essa iniciativa, coordenada pelo Viva Rio, sem dúvida alguma, vai colaborar com o esforço de toda a sociedade de reduzir a banalização das armas e a violência que hoje atinge as famílias brasileiras.

Nem mesmo, Sr. Presidente, a chuva de ontem no Rio de Janeiro impediu que manifestantes cobrassem a aprovação do Estatuto do Desarmamento com a maior urgência possível. É dessa lei amplamente debatida no Senado Federal no mês de julho passado que depende o futuro de nossas gerações, de nossos filhos, de nossos netos.

Sr. Presidente, estou confiante que a Câmara vai analisar, com a maior celeridade possível, o projeto sobre o controle de armas. A legislação vigente é muito permissiva e mesmo que fosse cumprida pouco faria para conter o tráfico de armas. Sem as mudanças propostas, o descontrole vai continuar com o seu rastro de sangue por todo o País. O Estatuto, Sr. Presidente, contempla ações que permitirão um controle mínimo dos armamentos. Não podemos aceitar de forma alguma que haja adiamentos na realização do referendum sobre a proibição de armas ou não da venda de armas e munições em todo o território nacional. Esse ponto do estatuto é crucial porque é a população quem deve dizer se quer ou não continuar convivendo com estatísticas que só fazem envergonhar o nosso País.

Somos o campeão mundial em quatro tipos de crimes praticados com armas de fogo, conforme apurou estudo das Nações Unidas, mas o problema, Sr. Presidente, não é só do Brasil, o problema é de todo o planeta. Nos Estados Unidos, por exemplo, apenas 15% dos autores de homicídios com armas não conheciam as suas vítimas; na Austrália, só 15,6%, e na Argentina, Sr. Presidente, apenas 10%. Portanto, não seria um exagero dizer que quem tem arma em casa pode muito bem estar dormindo com o inimigo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, outro tema que me traz à tribuna nesta tarde é o protecionismo internacional e suas conseqüências aos países em desenvolvimento. Como todos sabemos, pela segunda vez em quatro anos, terminou sem acordo a rodada da Organização Mundial do Comércio, em Cancún, no México. Foi, infelizmente, uma reprise do fracasso de Seattle, em dezembro de 1999, nos Estados Unidos, quando as negociações também foram suspensas.

Se em Seattle o embate era entre Estados Unidos e União Européia, em Cancún, as duas grandes potências estiveram do mesmo lado, e o confronto ocorreu exatamente entre os países ricos e as nações em desenvolvimento. Para dar continuidade às negociações, os ministros presentes em Cancún decidiram marcar para 15 de dezembro uma reunião do Conselho Geral da Organização Mundial do Comércio, em Genebra.

Nos quatro dias do encontro no México, os subsídios agrícolas dos países ricos estiveram no centro do debate. O texto final do encontro propunha o fim dos subsídios de forma gradual e apenas para uma lista de produtos, enquanto o Brasil e outros países prejudicados por barreiras internacionais pleiteavam a eliminação rápida e completa dos incentivos. Por isso, o documento acabou ficando de lado. Sem dúvida nenhuma, foi a intransigência das nações mais poderosas que fez o encontro terminar em fracasso.

Entretanto, o Brasil tem o que comemorar: saímos desse processo mais fortes do que entramos. Viramos uma espécie de porta-voz dos países menos favorecidos junto às maiores potências mundiais e alcançamos uma liderança inédita, durante a reunião. Esse novo papel assumido pelo Brasil, aliado a uma nova postura de países que integram o G-22 - o grupo de países em desenvolvimento -, está criando uma nova dinâmica nas negociações e fortalecendo o lado que sempre foi mais fraco. Essa mudança de paradigma tem seus motivos.

É preciso, Sr. Presidente, que seja evidenciado o direito de adotarmos políticas agrícolas e industriais adaptadas à nossas realidade, com objetivos não puramente econômicos, mas sociais, o que significa flexibilidade para exigir dos outros países um dado tipo de compromissos.

Além disso, nessas horas, devemos nos lembrar que nunca se cumprem as formidáveis benesses que adviriam do livre comércio, conforme propalam, uma e outra vez, os países ricos. Para reforçar este argumento, cito aqui estudo do Banco Mundial que previu: se concluída satisfatoriamente no final de 2004, tal como previsto, a nova rodada comercial tiraria 144 milhões de pessoas da pobreza e representaria um acréscimo de cerca de US$520 bilhões à renda global até 2015.

Números, Sr. Presidente, extremamente sedutores, não fosse o fato de que, depois de terminado o ciclo anterior de liberalização comercial - a Rodada Uruguai, de 1986 a 1993 - cálculos similares foram anunciados. E, mais ainda, se dizia que a maior parte do bolo do crescimento iria para os países em desenvolvimento.

Como sabemos, ocorreu o contrário. Pior: temas de interesse para os países em desenvolvimento continuam pendentes de implementação. Enquanto o comércio de bens não-agrícolas foi fortemente liberalizado nos últimos 20 anos, a agricultura continua sendo o reinado da proteção por parte dos países desenvolvidos, que gastam cerca de US$1 bilhão por dia para proteger seus produtores. Idêntica é a situação dos produtos têxteis, ou do aço, áreas em que alguns países em desenvolvimento têm grande competitividade, mas enfrentam, sem dúvida, as barreiras dos ricos.

E essa postura altamente conservadora dos mais poderosos é inexplicável, já que, à medida que países como Brasil e Índia se tornam mais prósperos, isso seria favorável às grandes nações que veriam suas pressões, como as de Cancún, se reduzirem drasticamente. Um processo de abertura dos países ricos até 2005, por exemplo, produziria ganhos de mais de US$3 bilhões anuais para o Brasil e de US$14 bilhões para a América Latina.

Além disso, Sr. Presidente, há efeitos colaterais que começam a surgir. O que acontecerá agora, por exemplo, com as negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas? Como os Estados Unidos sempre se recusaram a discutir a eliminação dos subsídios agrícolas fora da OMC, ou as negociações sobre a Alca travam de vez, ou os Estados Unidos, diante da falta de avanços na OMC, resolvem pôr a questão dos subsídios agrícolas na mesa.

As barreiras que os produtos de nossos países enfrentam são intransponíveis: subvenções agrícolas, sobretaxas industriais, obstáculos alfandegários, medidas discriminatórias e cotas. Sr. Presidente, são ações que ameaçam anular o potencial igualitário do comércio internacional.

As práticas desleais de comércio continuam comprometendo as perspectivas de desenvolvimento dos nossos países. Hoje, como demonstrou a reunião de Cancún, cresce a percepção de que essas barreiras são instrumentos de defesa dos privilégios dos mais ricos.

O protecionismo, Sr. Presidente, é uma assimetria da globalização que, se resultar em uma conclusão lógica, dará lugar ao sistema internacional mais justo e competitivo. O comércio não é um fim em si mesmo e serve para gerar empregos, desenvolver tecnologia e suprimir desigualdades.

Como se vê, o fracasso desta vez pode ter sido decorrência inevitável do poder, mas não poderá ser assim para sempre. Um dia o mundo terá de acordar para a realidade dos países menos favorecidos e tratar de igual para igual quem ainda não tem força, mas quer caminhar firmemente na direção do desenvolvimento.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/09/2003 - Página 27139