Pronunciamento de Mão Santa em 16/09/2003
Discurso durante a 122ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Considerações sobre a reforma da Previdência.
- Autor
- Mão Santa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PI)
- Nome completo: Francisco de Assis de Moraes Souza
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
PREVIDENCIA SOCIAL.:
- Considerações sobre a reforma da Previdência.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/09/2003 - Página 27244
- Assunto
- Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
- Indexação
-
- APREENSÃO, URGENCIA, TRAMITAÇÃO, PROPOSTA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, RISCOS, FALTA, ESTUDO, PERDA, DIREITOS, POPULAÇÃO, ANALISE, DADOS, FONTE, ASSOCIAÇÃO NACIONAL, SERVIDOR, DEFICIT, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), CARACTERISTICA, BENEFICIARIO, BENEFICIO.
- ANALISE, INEFICACIA, COMBATE, DEFICIT, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, EPOCA, GOVERNO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRESCIMENTO, PREVIDENCIA PRIVADA, PREVIDENCIA COMPLEMENTAR, CRITICA, CONTABILIDADE, IMPOSIÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), EXCLUSÃO, CONTAS, SEGURIDADE SOCIAL, LOBBY, PRIVATIZAÇÃO.
- CRITICA, FALTA, POLITICA, FISCALIZAÇÃO, COBRANÇA, ARRECADAÇÃO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), AUMENTO, RENUNCIA, INEFICACIA, SISTEMA, INFORMATICA, INFERIORIDADE, NUMERO, SERVIDOR, AUSENCIA, INTEGRAÇÃO, RECEITA FEDERAL, FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS), CADASTRO, EMPRESA.
- CONCLUSÃO, ESTUDO, ENTIDADE, POSSIBILIDADE, RECUPERAÇÃO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS).
- CRITICA, PROPOSTA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, ATENDIMENTO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), BANCOS, EMPRESA DE SEGUROS, LOBBY, FALENCIA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS).
O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Eduardo Siqueira Campos, Srªs e Srs. Senadores, brasileiras e brasileiros que assistem a esta sessão por intermédio da TV e da Rádio Senado. Tramita nesta Casa a propalada Reforma da Previdência Social. Gostaria de advertir que a reforma da previdência na França foi feita em 12 anos. Senador Demóstenes Torres, a França tem muita significação no mundo civilizado; lá, o povo cansado dos modelos absolutistas foi às ruas e gritou: liberdade, igualdade e fraternidade. Esse grito, Senador Hélio Costa, tombou todos os reis do mundo, e os que continuaram ficaram como figuras decorativas. A França fez essa reforma da previdência, cujo grito do povo às ruas modificou a história do mundo.
Senador Papaléo, o pensador Pascal disse que admitia um homem viver sem braço, sem pernas, sem olhos, mas, sem cabeça para pensar, não dava.
Senador Hélio Costa, eu gostaria que o PT estivesse presente, na pessoa do Líder Aloizio Mercadante, para aquilo que chama de debate qualificado. Onde está?
O Presidente da República, essa figura generosa, numa intuição filosófica, disse ao seu Ministro da Educação que quem come apressado come cru. Senador Siqueira Campos, o Ministro da Educação está dizendo ao Brasil e ao mundo que não está comendo cru, mas que está jejuando, está no Fome Zero e não tem dinheiro algum para continuar a obra da educação.
Nós do Piauí queremos apenas R$30 mil do Ministro da Saúde para fazer um hospital universitário, e estamos pregando no deserto.
Senador Hélio Costa, V. Exª, que tanto aprendeu nos Estados Unidos, já devia ter vestido a camisa 10 do time dos peladeiros para transformar essa equipe numa seleção. V. Exª sabe que o Presidente Bill Clinton mandou dois técnicos consagrados, Ted Gaebler e David Osborne, estudarem o governo. Sintetizando a objetividade norte-americana de administrar as democracias, chegaram à conclusão de que um governo tem que ser pequeno, não pode ser grande; não pode ser grande como um transatlântico que afunda igual ao Titanic. Tem que ser pequeno e ágil. O Governo do Brasil está grande demais, cada dia sofre mais aumentos. Recentemente, tínhamos doze ou dezesseis ministérios; agora temos cerca de quarenta.
Eu queria voltar à França, que fez em doze anos a reforma, Senador Romeu Tuma. Lá eles estudam. Tem-se que estudar para governar. Governar não é fácil - está nos livros de Dom Quixote de la Mancha -, é um golfo de confusões.
Um poeta português disse que governar vem do grego navegar: “Navegar é preciso, viver não é preciso.” Senador Mozarildo Cavalcanti, navegar - governar, em grego - era a maior dificuldade que se tinha, sem bússola, sujeito a tempestades, a turbulências. Isso era navegar. Navegar é preciso. Preciso é precisão. Era necessário ter precisão, capacidade, competência.
Senador Romeu Tuma, lá na França, que fez a reforma em 12 anos, estudaram. O filósofo René Descartes* consagrou-se por sua obra filosófica. Era matemático e juntou aritmética com geometria. Escreveu O Discurso do Método.
Senador Mozarildo, as coisas são fáceis quando se estuda. A ignorância é audaciosa. Em O Discurso do Método, René Descartes dizia: “não aceite uma coisa como verdade se não conseguir provar essa verdade.” Vai mais adiante, Senador Papaléo Paes, e ensina o mundo: “quando se tem uma coisa muito complexa, divida-a em partes e resolva, simplifique.”
Para que essa pressa? Se a França fez a reforma em doze anos, nós vamos, rapidamente, ver a PEC nº 40 ser transformada em quarenta pecados enganadores, criminosos, tirando direitos, ou perversos, estelionatários, criminosos.
Este é o sexto pronunciamento que faço e quero fazer uma análise. Esta Casa não pode trair Rui Barbosa, que disse que a lei e a justiça é muito caminho.
Essa reforma tira muitos dinheiros e não beneficia. Lamentavelmente, a Reforma da Previdência Social que está nesta Casa pouco ou quase nada trata da previdência social pública.
Prestem atenção a alguns dados que recebi da Associação Nacional dos Servidores da Previdência Social - ANASPS, entidade que reúne 53 mil dos 88 mil servidores da Previdência Social.
Em 2002, a Previdência Social pública (INSS) fechou o ano com arrecadação líquida de R$71 bilhões, 5,37% do PIB; e despesa de benefícios de R$88 bilhões, 6,66% do PIB.
O INSS tem 27,5 milhões de segurados contribuintes; 21,4 milhões de aposentados e pensionistas, que recebem um valor médio de R$ 448,00 (cerca de US$150), dos quais 14,5% milhões são benefícios urbanos, no valor médio de R$533,00 (cerca de US$180); 6,9 milhões são benefícios rurais, no valor médio de R$243,00 (cerca de US$80).
Ressalte-se que 13,5 milhões, ou seja, 63,16%, incluindo 7 milhões de aposentados e pensionistas rurais que pouco ou nada contribuíram para receber o benefício mínimo, recebem até um salário mínimo; 76,36%, mais de 16 milhões, recebem até dois salários mínimos; 83,31%, mais de 17,5 milhões, recebem até três salários mínimos; 88,08%, cerca de 18,5 milhões, recebem até quatro salários mínimos; 92,48%, cerca de 19,5 milhões, recebem até cinco salários mínimos.
E pasmem: 42 milhões de brasileiros estão fora da Previdência Social; destes, potencialmente 17 milhões poderiam estar contribuindo.
A Previdência, que já teve 10 contribuintes para um beneficiário, hoje, quando as pressões de benefícios se acentuam e impactam em função da longevidade do aposentado e pensionista, alongando a despesa, tem praticamente um para um.
Como conseqüência dramática da primeira reforma da Previdência Social, no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o fator previdenciário contribuiu de forma perversa para que se reduzisse, nos últimos dois anos, o valor inicial dos benefícios concedidos, pressionando para que mais e mais segurados do INSS sejam empurrados para a faixa de um salário mínimo. Isso sem que falemos que a mudança do tempo de serviço para tempo de contribuição segurou a demanda por benefícios.
Claro está que toda vez que os benefícios são reajustados monetariamente esse contingente de um salário mínimo se amplia.
Também não custa lembrar que a primeira reforma foi feita para reduzir o déficit da Previdência Social (INSS) e o fator previdenciário se transformou no vetor de reversão do déficit. Pois bem, nada disso aconteceu.
Em 2002, o déficit da Previdência - calculado tão-somente em relação da receita de contribuição sobre a folha de pagamento de benefícios - chegou a R$10 bilhões.
Em 2003, o déficit caminha para alcançar os R$26 bilhões.
Em 2004, a previsão do Orçamento da União, que está no Congresso Nacional, reconhece um déficit potencial de R$31 bilhões.
A primeira reforma, como esta que está no Senado Federal, foi feita com base em números errados, falsos, estimados, projetados por “especialistas” com o propósito claro de criar dificuldades crescentes para a Previdência Social pública para estimular a privatização da Previdência brasileira.
É bom que se diga que a privatização total - com adoção do modelo chileno, então na moda, nos idos de 1996 - só não se deu porque o Governo brasileiro não pôde assumir despesas.
Desde então, intensificaram-se na mesma velocidade em que o INSS passou a ser mal administrado, estigmatizado e dilapidado, as vendas de planos privados da previdência complementar aberta, como títulos de capitalização, alcançando hoje a incrível marca de 5,9 milhões de planos, com ativos de R$39 bilhões. Este nicho do mercado segurador é dos mais prósperos e em expansão crescente.
O mais inusitado neste processo é enquanto o INSS se transformou num queijo suíço de dificuldades e fraudes, induzidas ou patrocinadas por seus maus gestores e responsáveis, a previdência privada apresentou uma liquidez tão grande quanto o seu potencial de risco, todo bancado pelos compradores de seus planos.
Sras e Srs. Senadores, mas se há a caracterização do déficit do INSS, que a mídia brasileira rebatizou de rombo, este déficit é ainda conseqüência de um conceito adotado na formulação das contas públicas que desagrega a contabilidade da Previdência Social da contabilidade da Seguridade Social. Consideram-se tão-somente a receita da folha de contribuição e as despesas com benefícios, de prestação única ou continuada. Este conceito foi imposto pelo Fundo Monetário Internacional - FMI, para explicitar vulnerabilidade do INSS e favorecer sua privatização.
Com efeito, se apropriarmos recursos consignados no Orçamento Fiscal, CPMF e Cofins à Seguridade Social, o balanço é superavitário, mesmo considerandos as transferências do Tesouro para suprir o suposto rombo do INSS. O conceito de seguridade social não é, entretanto, referência nas contas públicas. O que torna quase inaceitável o questionamento de que o déficit é uma obra de ficção contábil.
Mas, essa “pressão contábil” que transforma superávit em déficit se resolveria no âmbito do INSS se houvesse menos vontade contábil e mais vontade política.
Sabem por quê?
O INSS tem a receber quase 800 mil créditos no valor de R$176 bilhões - R$100 bilhões na dívida ativa e R$76 bilhões na dívida administrativa -, duas vezes a sua receita de contribuição, mais de duas vezes a sua folha de pagamentos de benefícios e quase 15 % do PIB.
O INSS tem uma sonegação, evasão, elisão, lapsos legais etc - medidas pelo TCU em magistral trabalho conduzido pelo Ministro Adylson Motta com as equipes do Tribunal - de 40% da sua receita, que representará, em 2003, cerca de R$35,2 bilhões, quase 40% de sua receita e 50% de sua despesa.
O INSS vem sendo crescentemente pressionado para ano a ano aumentar a sua renúncia contributiva, especialmente entre os empregadores rurais, filantrópicas, Simples, Refis II etc, que em 2003 chegará aos R$10 bilhões.
Não há política de fiscalização, cobrança e arrecadação e muito menos de recuperação de crédito. Um assessor do Ministro acaba de afirmar que o INSS levará 100 anos para cobrar reais dívidas ativas, pois só consegue cobrar 1% por ano. É inacreditável.
O INSS fiscaliza mal, cobra mal e arrecada mal. Tem apenas três mil e quinhentos fiscais e dois mil procuradores para três milhões e quinhentas mil empresas. Nos últimos treze anos, perdeu mais de vinte mil servidores.
Seus sistemas corporativos de Informática, ultrapassados e com tecnologia burra, sem interface, não se falam internamente entre Arrecadação, Benefícios e Procuradoria e não se falam externamente com a Receita Federal, o FGTS e o Cadastro de Empresas do Ministério do Trabalho e muito menos com cadastros estaduais e municipais.
Quero lhes dizer que, apesar desses números contundentes e inquietantes, os técnicos da Ansps asseguram que a Previdência Social pública, o INSS, é viável, é recuperável, é saneável, se houver vontade política, comando, determinação, profissionalização da gestão, planejamento estratégico e operacional, sistemas, visão de futuro e rigorosa aplicação da Lei.
Mantidas as atuais ações de improvisação, o futuro da Previdência Social Pública será catastrófico.
O próprio Tribunal de Contas da União já estimou que a dívida a receber deverá chegar a R$500 bilhões - um PIB, a preço de hoje - antes de 2005.
Srs. Senadores, faço essa advertência de peito aberto e convencido de que estou prestando um serviço à Previdência Social Pública, ao meu País, no ano em que comemoramos 80 anos da Instituição. Estou querendo salvar o INSS, neste momento em que se empurra goela abaixo uma reforma previdenciária que, salvo na fixação da idade mínima para os servidores públicos, era dispensável. É uma reforma que não tem a cara do ideário dos trabalhadores brasileiros; que corta direitos sociais e garantias constitucionais, mas que tem a cara lisa e lavada do FMI, dos banqueiros, dos seguradores e da Bolsa, que estão aguardando a falência do INSS para se apropriar de seu espólio. Um pedaço de nossas esperanças e dos nossos sonhos está sumindo do nosso Brasil.
Muito obrigado, Sr. Presidente.