Discurso durante a 123ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Participação de S.Exa. na quinta Conferência da Organização Mundial do Comércio, realizada em Cancun, México.

Autor
Jonas Pinheiro (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Jonas Pinheiro da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR. POLITICA AGRICOLA.:
  • Participação de S.Exa. na quinta Conferência da Organização Mundial do Comércio, realizada em Cancun, México.
Aparteantes
Heráclito Fortes, Osmar Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/2003 - Página 27425
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR. POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, ATUAÇÃO, MISSÃO OFICIAL, BRASIL, CONFERENCIA INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, OBJETIVO, DISCUSSÃO, COMERCIO EXTERIOR, PRODUTO AGRICOLA.
  • CRITICA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), UNIÃO EUROPEIA, DESCUMPRIMENTO, COMPROMISSO, ANALISE, SUBSIDIOS, AGRICULTURA, PRIORIDADE, ATENÇÃO, NEGOCIAÇÃO, INTERESSE PARTICULAR, PRIMEIRO MUNDO, ELOGIO, ATUAÇÃO, REPRESENTANTE, BRASIL, DEFESA, BENEFICIO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO.
  • REGISTRO, AUSENCIA, REALIZAÇÃO, ACORDO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, QUESTIONAMENTO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), COLABORAÇÃO, PAIS, PRIMEIRO MUNDO, MONOPOLIO, MERCADO EXTERNO, FALTA, ATENÇÃO, REIVINDICAÇÃO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, ESPECIFICAÇÃO, PRODUTO AGRICOLA.
  • EXPECTATIVA, INICIO, NEGOCIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), DEFESA, MANIFESTAÇÃO, BRASIL, IMPOSIÇÃO, CRITERIOS, OBRIGATORIEDADE, DISCUSSÃO, SUBSIDIOS, AGRICULTURA, BENEFICIO, ECONOMIA NACIONAL.

O SR. JONAS PINHEIRO (PFL - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tive oportunidade, assim como outros Senadores, de integrar a missão oficial brasileira que participou da 5ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, realizada em Cancun, no México, e que terminou nesse domingo último.

A expectativa da maioria era de que, naquela Conferência, houvesse a oportunidade de se discutirem os temas que já haviam sido debatidos por ocasião da Conferência Ministerial de Doha, realizada no Quatar, em 2001, e de se deliberar sobre eles.

Esses temas se relacionavam, principalmente, com as áreas de acesso aos mercados, com os subsídios às exportações e com o apoio interno governamental, principalmente ligado à agricultura. A diretriz principal da Conferência era conseguir, então, a redução das tarifas vigentes, a eliminação dos subsídios às exportações como condição primordial para liberar os mercados e a redução dos efeitos distorcidos causados pela adoção de medidas de apoio interno, de modo que o processo de liberalização dos mercados agrícolas ficasse assegurado.

A pretensão fundamental do Brasil e dos países em desenvolvimento era, portanto, o aprofundamento desse processo de liberalização agrícola. Essa pretensão nasceu da necessidade de esses países chegarem a um entendimento, principalmente com a União Européia e com os Estados Unidos, diante das contradições que esses países criaram, ao concederem elevados subsídios a seus produtores e, com isso, distorcerem os princípios da política de liberalização do mercado apregoada e defendida por esses mesmos países.

Na realidade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que vimos, naquela Conferência da OMC, foi uma teimosa intransigência e uma profunda insensibilidade dos representantes dos países ricos, que, por meio de todos os mecanismos ao seu alcance, procuraram minar as pretensões dos países menos abonados, de maneira que perdessem a força na pauta das discussões dos itens relacionados com a temática agrícola.

Não bastasse esse rompimento com os compromissos firmados em rodadas de negociações anteriores, procuraram, sim, incluir e dar prioridade à discussão de outros temas, que certamente interessavam mais a eles, como a transferência nas compras governamentais, a desburocratização do comércio mundial, a multilateralidade dos investimentos e a política de concorrência: os chamados “temas de Cingapura”, que não eram questões até então consideradas relevantes, ao menos no estágio em que se encontravam as negociações.

Apesar de tudo isso, quero ressaltar o importante papel que o Brasil desempenhou nessa 5ª Conferência da OMC, ao liderar o grupo de países em desenvolvimento produtores de alimentos, o chamado G-22, no qual se inserem, além do nosso País, a China, a Índia, a África do Sul, o México, o Egito e outros. Esse grupo assumiu a firme posição de lutar em defesa da eliminação dos subsídios agrícolas, tema que certamente não agrada, sobretudo, aos Estados Unidos e à União Européia, que, em conjunto, gastam cerca de US$1 bilhão por dia com subsídios aos seus produtores agrícolas.

            Sem dúvida, o chamado G-22 inseriu um elemento novo nas negociações da OMC, ao alterar o equilíbrio de forças na política do comércio, fato esse de grande mérito e digno de registro.

            De maneira particular, quero exaltar a posição assumida pelos negociadores brasileiros, especialmente pelos Ministros Celso Amorim, das Relações Exteriores; Roberto Rodrigues, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; e Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário; pelos Senadores e Deputados Federais presentes; por toda a equipe de auxiliares e assessores que integraram a missão enviada àquela Conferência da OMC. Sem a posição firme, decisiva e atuante dos negociadores brasileiros, certamente o equilíbrio de forças não teria sido alterado, e os resultados daquela Conferência teriam sido ainda mais pífios e mais prejudiciais aos interesses dos países em desenvolvimento.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JONAS PINHEIRO (PFL - MT) - Concedo o aparte ao Senador Heráclito Fortes, que também participou daquela Conferência.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Nobre Senador Jonas Pinheiro, congratulo-me com V. Exª pelo pronunciamento oportuno que faz nesta tarde, em que traz a esta Casa suas impressões sobre o encontro de Cancun. Como bem disse V. Exª, lá estive como representante do Parlamento Latino-Americano, por uma indicação que muito me agradou, feita pelo Deputado Ney Lopes e chancelada pela Presidente brasileira do Parlatino, a Deputada Laura Carneiro. Quero apenas reforçar as palavras de reconhecimento que V. Exª acaba de pronunciar com relação ao comportamento da delegação brasileira ali presente. Ao longo de vários mandatos que venho exercendo no Congresso Nacional, talvez tenha sido essa a reunião internacional em que os representantes brasileiros - e, de uma maneira muito especial, o Ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores - portaram-se com mais altivez e independência, ocupando, desde o primeiro dia, uma posição natural de liderança entre todos os países que compõem o G-22. É evidente que nenhum de nós esperava alcançar sucesso nesse primeiro momento, mas, pelo menos, ficou marcada a posição do Brasil, que não é de intransigência, mas de defesa dos seus interesses. Ficou claro também, Senador Jonas Pinheiro, que os acenos, os galanteios que nos fazem com relação à Alca, principalmente para uma adesão rápida do Brasil àquele programa, não são muito sinceros. Prometem-se a quebra de algumas barreiras e facilidades na integração comercial dos países do continente, e por que não foi dado início a esse processo durante esse encontro? A posição do Brasil de cautela com relação ao posicionamento da Alca é por demais compreensiva, e esse episódio demonstra o amadurecimento que o Brasil vem alcançando, cada dia mais, no que diz respeito à política de relações exteriores. Portanto, congratulo-me com V. Exª pela oportunidade do pronunciamento e também com o Senador Eduardo Suplicy - que não se encontra aqui -, por ter convidado o Ministro Celso Amorim para, amanhã, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, fazer uma exposição sobre a atuação brasileira naquele encontro. Agradeço a V. Exª.

O SR. JONAS PINHEIRO (PFL - MT) - Muito obrigado, eminente Senador Heráclito Fortes.

Vale lembrar que, quando começou a 5ª Conferência, o grupo liderado pelo Brasil era composto apenas por 20 países. Houve três adesões, e, posteriormente, El Salvador retirou-se. Com isso, o grupo ficou composto por 22 países.

Devo ainda acrescentar que, se as decisões da OMC fossem tomadas por votos, evidentemente, as teses do Brasil, na liderança do G-22, seriam vitoriosas, pela simpatia dos países africanos e asiáticos. Entretanto, as decisões na OMC não são tomadas por votação, mas por consenso. E consenso, àquela altura, em função da rigidez da posição dos Estados Unidos e da União Européia, não houve.

O Sr. Osmar Dias (PDT - PR) - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. JONAS PINHEIRO (PFL - MT) - Concedo-lhe o aparte com muito prazer.

O Sr. Osmar Dias (PDT - PR) - Senador Jonas Pinheiro, é sempre um prazer ouvi-lo a respeito de um assunto que conhece tão bem e do qual participa em todos os debates nesta Casa. V. Exª presta uma contribuição muito grande para o agronegócio brasileiro com sua atuação aqui e em todas as partes. Já fiz um pronunciamento expressando minha opinião, que é um pouco diferente das que tenho ouvido. Inclusive, ouvi o Presidente Lula, numa entrevista, afirmar que o País conseguiu uma grande vitória, porque, se não conseguimos reduzir os subsídios, também conseguimos fazer com que não se votasse nenhuma resolução para consolidar os subsídios que já estão sendo concedidos. Mas não é preciso votar nenhuma resolução, pois os subsídios já estão sendo concedidos. Portanto, não vejo nenhuma vitória nesse contexto. Um bilhão de dólares por dia é muito dinheiro e concorrerá, sem dúvida alguma, de forma desleal, com a produção brasileira. V. Exª sabe que o Brasil, que já é o maior exportador de soja do mundo e um grande exportador de café, de açúcar e de carne, pode, sim, exercer sua liderança junto à OMC. Junto com o grupo dos 22 países que hoje se unem para equilibrar o jogo com os países ricos que teimam em continuar subsidiando, o Brasil poderá, sim - e é o que espero -, desempenhar um papel, na próxima rodada, de mais sucesso, em que conseguiremos iniciar um processo progressivo de redução do protecionismo internacional. Defendo até que se aguarde a próxima rodada para dar qualquer passo em direção à formação da Alca. O Brasil não pode, no meu entendimento, dar nenhum passo no sentido de formalizar o seu ingresso na Alca enquanto não tiver uma resposta a essa pretensão justa dos países em desenvolvimento, para que comece a redução dos subsídios dos países ricos nas suas agriculturas e principalmente no mercado de exportação. Acredito que aí teremos vitória, mas, por enquanto, o jogo está empatado. O jogo, na verdade, está em zero a zero, pois nada mudou em relação ao dia em que a missão foi a Cancun para iniciar as negociações. Poderemos avançar, sim, se conseguirmos iniciar o processo de redução gradativo dos subsídios na agricultura mundial. Era o que eu tinha a dizer. Agradeço a oportunidade, Senador Jonas Pinheiro.

O SR. JONAS PINHEIRO (PFL - MT) - Muito obrigado, Senador Osmar Dias. O aparte de V. Exª, evidentemente, engrandece o nosso pronunciamento. Sobre o adiamento, eu diria a V. Exª e a todos os Senadores que já está marcada para dia 15 de dezembro uma reunião em Genebra, para levar em consideração tudo aquilo que foi discutido em Cancun. Portanto, há datas limites para certas tomadas de posição. Esse encontro de Genebra, no dia 15 de dezembro, também será muito importante, porque já aí poderá haver algum fato positivo em relação ao que o Brasil defendeu junto ao G-22 na OMC.

Sendo assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Conferência da OMC, depois do embate entre os países ricos e os países pobres, terminou sem um acordo razoável, o que, na minha avaliação, coloca em xeque o verdadeiro papel e a real contribuição dessa Organização Mundial do Comércio. Senti que as demandas razoáveis não conseguem espaço na pauta de negociações, cujo teor são monopolizados pelos países desenvolvidos e ricos. Meu entendimento e meu sentimento são de que esse modelo de organização e, sobretudo, o seu modo de promover os debates e de deliberar sobre eles tenderão sempre a favorecer os países mais ricos, que não hesitam em adotar posições rígidas e estratégias de procrastinação, que somente favorecem a eles próprios.

Essa reunião da OMC foi uma inequívoca demonstração de descaso por parte dos países ricos com as reivindicações dos países mais pobres, evidenciando que uma coisa é o discurso pela liberalização, outra, a prática, numa atitude sempre demagógica do “façam o que eu falo, mas não façam o que eu faço”.

Entretanto, por causa dessa sua posição, a OMC está, a meu ver, numa encruzilhada. Se, em curto prazo, não conseguir terminar as negociações com resultados aceitáveis em termos da diminuição dos subsídios agrícolas e no dos interesses dos países em desenvolvimento, a OMC estará desacreditada e terá sua sobrevivência colocada em dúvida, já que sua posição unilateral não contribuirá para a democratização das relações comerciais entre os países. Irá, sim, transformar-se numa organização “monitorada” e que se prestará muito mais, por meio de procedimentos para postergar as decisões, a manter os privilégios existentes nas relações no planeta, em benefício dos países desenvolvidos.

Quero alertar também sobre um detalhe, Sr. Presidente, que precisa ser discutido e que, talvez, explique a morosidade nas decisões. É a chamada “cláusula da paz”, um acordo que impede os países da OMC de entrarem com ações que contestem as políticas agrícolas enquanto o organismo estiver negociando a redução dos subsídios no setor. Esse dispositivo deveria ter sua validade até dezembro de 2003, mas vem encontrando, por razões óbvias, forte resistência dos países ricos, exatamente daqueles que concedem os subsídios agrícolas. Talvez aí se expliquem, em parte, as razões pelas quais as negociações não avancem, até para que não se alterem as cômodas posições atuais adotadas por aqueles países.

Sr. Presidente, a rodada de Doha previa o término das negociações até janeiro de 2005, e é fundamental que esse prazo seja rigorosamente cumprido. A Diplomacia brasileira deve buscar consolidar as adesões ao G-22 e defender, de maneira firme, suas posições nessas reuniões de negociação, evitando a estratégia de acordos bilaterais, que minam a união e enfraquecem o poder de fogo dos países em desenvolvimento. Para tanto, certamente a Diplomacia contará com o apoio incondicional dos produtores brasileiros, do Congresso Nacional e de toda a sociedade.

Finalmente, quero fazer mais uma observação e mais um alerta, esse já feito pelo eminente Senador Heráclito Fortes. Em novembro deste ano, haverá, em Miami, uma nova rodada de negociações da Alca. É necessário que os negociadores brasileiros não tenham memória curta e levem, portanto, em consideração a posição assumida pelos países desenvolvidos, como os Estados Unidos e o Canadá, e dela tirem as lições necessárias para registrarem as posições brasileiras nessa outra mesa de negociação.

Além do mais, no caso da Alca, os Estados Unidos haviam assumido a posição de que só discutiriam política de apoio interno à agricultura depois que esse assunto estivesse resolvido na OMC, o que levou o Brasil a retirar das discussões na última reunião da Alca alguns assuntos de seu interesse. A não implementação de um acordo agrícola nessa 5ª Conferência no México e o aumento dos prazos das rodadas de negociações deverão, pela lógica, inviabilizar qualquer acordo dentro da Alça, até porque, na Alça, também se discute a questão agrária e o protecionismo dos Estados Unidos. O Brasil deverá, então, condicionar qualquer discussão na Alca à apreciação antecipada de temas como o subsídio e o apoio interno à agricultura.

Não sejamos ingênuos e tenhamos posição firme em defesa dos nossos interesses, não nos intimidando com as ameaças psicológicas nem nos iludindo com propostas ou pretensões que, se não atenderem aos interesses dos países ricos, poderão ser postergadas ou alteradas por meio de estratégias e métodos que aquelas nações já se acostumaram a adotar nas rodadas de negociações multilaterais.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/2003 - Página 27425