Discurso durante a 123ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise histórica da Revolução Farroupilha.

Autor
Sérgio Zambiasi (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Sérgio Pedro Zambiasi
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Análise histórica da Revolução Farroupilha.
Aparteantes
Serys Slhessarenko.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/2003 - Página 27428
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, REVOLUÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ANALISE, HISTORIA, CONFLITO, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO.
  • COMENTARIO, RELEVANCIA, DATA, CULTURA, TURISMO, REGIÃO, REGISTRO, INICIATIVA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), REALIZAÇÃO, FESTA, COMEMORAÇÃO, PERIODO, HISTORIA.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (Bloco/PTB - RS. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente registro, com alegria, a presença neste plenário do Presidente da Assembléia do meu Estado, Rio Grande do Sul, Deputado Wilson Covatti, a quem agradeço pela presença. Também agradecemos a presença da rainha e princesas da Oktoberfest. (Palmas.)

Uma salva de palmas, obrigado. A Oktoberfest acontecerá em Santa Cruz do Sul, 19ª edição, entre 1º e 12 de outubro. Estendemos este convite a todo o Brasil.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a cada 20 de setembro, o povo gaúcho reverencia a Revolução Farroupilha como uma data que marcou profundamente sua história, suas tradições e seu espírito. A Rebelião Farrapa que por longos dez anos ousou enfrentar o Império, espalhou sofrimento e sangue das planícies do Pampa à aspereza do nosso litoral, mas também mostrou que ao gaúcho jamais serviram de modelo a subserviência e a opressão. Os revolucionários viveram uma saga de feitos, ora trágicos, ora épicos, entre 1835 e 1845. Comparados às estatísticas de tempos atuais, quando o Rio Grande do Sul registra cerca de dez milhões de habitantes, eles não eram muitos. Em 1834, viviam na Província de São Pedro algo em torno de 150 mil pessoas. Na capital, os porto-alegrenses eram cerca de 15 mil. Mas o punhado inicial de revoltosos cresceu, arregimentou batalhões, envolveu a Província na luta que durou uma década.

Quase toda guerra tem motivação econômica. A dos farrapos não foi diferente. O episódio farroupilha se desenvolveu por interesse dos estancieiros, que estabeleceram no Rio Grande do Sul uma economia baseada no charque. Ao mesmo tempo em que massacrava com impostos exorbitantes os produtos da Província, o Império facilitava a entrada do charque vindo do Uruguai e da Argentina.

No espaço de um quarto de século, o governo imperial teve que enfrentar uma onda de violentas rebeliões. Citamos a Confederação do Equador e a Praieira, em Pernambuco; a Federação dos Guaranis, na Bahia; a Cabanagem, no Pará; e a Balaiada, no Maranhão. Essas rebeliões traduziram um protesto generalizado contra o centralismo do poder. Nenhum desses episódios durou tanto quanto a Guerra dos Farrapos. Por longos dez anos, a Província que ousou ser República, ficou dividida entre farrapos e caramurus, como eram chamados os que ficaram do lado do Império. Até hoje, investigada por historiadores, a epopéia farroupilha remete às façanhas de heróis, aos massacres de inimigos, ao conservadorismo da Constituição Farroupilha e ao debate sobre o cunho separatista da revolta.

Em todos os momentos, contou com a participação das mulheres, com destaque para Anita Garibaldi, a jovem rebelde com infatigável espírito de luta e de desprendimento. Anita, em meio às batalhas, destacou-se como uma figura feminina forte, decidida e companheira, cheia de bravura e solidariedade.

O longo conflito foi de extrema provação para as gaúchas. Enquanto os maridos e companheiros estavam mobilizados na guerra, elas administravam as lides campeiras e domésticas, cuidavam dos filhos, dos escravos e guardavam o lar. Também coube à mulher farrapa a responsabilidade de abastecer as tropas em campanha. Documentos mostram que roupas, alimentos, utensílios e boa parte de outros gêneros foram fornecidos pelas esposas dos homens engajados na frente de combate.

Não menos importante foi a presença da comunidade negra no movimento. Quando os rebeldes farrapos derrubaram o Governo Imperial do Rio Grande do Sul, em 20 de setembro de 1835, calcula-se que os negros formavam 25% da população gaúcha. No início da guerra, os rebeldes relutavam em utilizar escravos em suas fileiras. Porém, à medida que o conflito se prolongava, a recém-criada República Rio-Grandense precisava de homens que pudessem ser contados como soldados. Os cativos passaram a ser recrutados em troca da liberdade. Ao final da Guerra, os escravos constituíam a espinha dorsal das forças rebeldes. A maior parte lutou ao lado dos farrapos somente pela alforria, chegando a formar unidades militares inteiras. Destacaram-se por sua bravura os famosos Lanceiros Negros, comandados pelo Coronel Teixeira Nunes.

            Quem venceu a Guerra dos Farrapos?

De um lado, havia um exército rebelde exaurido, depois de quase dez anos de luta. De outro, tropas imperiais comandadas por Caxias, que receberiam reforços para, se fosse necessário, aniquilar os farrapos nos campos de batalha.

Do ponto de vista farroupilha, não foi uma derrota. Houve assinatura de uma “paz honrosa”. Por isso, quem não é gaúcho custa a entender a comemoração do 20 de setembro, em que, aparentemente, é celebrada uma derrota.

Houve derrotados. O cidadão comum nunca foi indenizado. Dos escravos que voltaram, poucos obtiveram a alforria prometida. Perdeu também o general Bento Gonçalves, o nome maior da epopéia farroupilha: quando morreu, sem condições de manter a sua estância, amargava o ostracismo político.

Houve vencedores. Se o charque foi o motivo econômico da guerra, na paz assinada, os farrapos conseguiram um aumento de 25% sobre as taxas para a entrada de carne salgada vinda da Argentina e do Uruguai. E, ao aceitar os termos do acordo proposto pelos farroupilhas, o Império também ganhou. Em breve, o Rio Grande seria fundamental para a guerra que o Brasil iria declarar contra o Paraguai e forneceria soldados e oficiais que provaram ser valorosos.

Os fatos históricos se juntaram à ficção, e o episódio passou a ser narrado conforme a conotação político-ideológica de cada época. Com o passar do tempo, os farrapos começaram a ser reverenciados como heróis, o que perdura até hoje. O sonho de uma república rio-grandense durou de 1836 a 1845, mas marcou o início do reconhecimento de uma identidade regional.

Na época, o termo gaúcho era pejorativo, designava gaudérios que vagavam pela Província. Não identificava os líderes do movimento, que pertenciam à elite formada pelos estancieiros. Mas, depois de mais de um século e meio, os feitos farroupilhas foram incorporados ao orgulho gaúcho - expressão que se impôs e acabou aceita como designativa de todos os rio-grandenses.

No decorrer desta semana, até o dia 20, gaúchos e gaúchas de todas as querências celebram com orgulho a Revolução Farroupilha. No campo ou na cidade, o sentimento é um só: cultuar o espírito, a história e a tradição. Em Porto Alegre, no parque Maurício Sirótski Sobrinho, foi montado um enorme acampamento, onde o Chimarrão corre de mão em mão, os Piquetes e CTGs se revezam na guarda à Chama Crioula, e o churrasco reúne centenas de famílias, enquanto cantam músicas nativistas ou contadores de Causos deixam os mais jovens de olhos arregalados com histórias vividas por nossos antepassados.

A Srª Serys Slhessarenko (Bloco/PT - MT) - V. Exª me permite um aparte, Senador?

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (Bloco/PTB - RS) - Senadora Serys Slhessarenko, não sei se o aparte é permitido, pois estou fazendo uma comunicação de Liderança.

O SR PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos) - Esclareço a V. Exª, Senador Sérgio Zambiasi, e à nobre Senadora Serys Slhessarenko que o aparte é permitido no horário de liderança, desde que no tempo do orador. Então, solicito a compreensão de V. Exª, sempre colaboradora dos trabalhos desta Casa, e do Senador Sérgio Zambiasi.

A Srª Serys Slhessarenko (Bloco/PT - MT) - Com certeza, mas não poderia deixar de apartear esse pronunciamento tão significativo do Senador Sérgio Zambiasi, principalmente quando S. Exª saudou os gaúchos de todas as plagas. Como gaúcha, sinto orgulho muito grande pelos feitos farroupilhas, que muito engrandecem o nosso povo. Sou Senadora pelo Estado de Mato Grosso, cidadã mato-grossense, tenho o maior orgulho disso, mas também tenho um orgulho profundo da mulher gaúcha. Muito obrigada. Agora o tempo é de V. Exª.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (Bloco/PTB - RS) - Reverenciada aqui na figura de Anita Garibaldi e tantas anônimas que foram fundamentais na Revolução, e hoje ainda mais.

Diariamente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o acampamento farroupilha é visitado por dois mil alunos da capital e do interior, onde assistem a apresentações de danças gauchescas, aprendem mais sobre a cultura gaúcha, participam de brincadeiras e pinturas com as cores e os símbolos do Rio Grande. A iniciativa é do Movimento Tradicionalista Gaúcho.

O momento culminante da Semana Farroupilha acontecerá no próximo sábado, com o desfile temático em comemoração à Revolução Farroupilha: dez carros alegóricos contarão, cada um, uma passagem da nossa história, e 750 homens e mulheres desfilarão com uniformes de soldados e roupas de época. Segundo o idealizador do desfile, o Secretário do Turismo do Governo do Estado, Deputado Luis Augusto Lara, a idéia tem por objetivo destacar os fatos históricos, gerar renda e empregos e atrair turistas de outros Estados para que visitem o Rio Grande do Sul durante os festejos farroupilhas. O evento recebeu incondicional apoio do Governo Federal por intermédio do Ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao relembrarmos fatos históricos que nos são caros, não podemos ignorar o grave momento que o mundo vive, levantando assim nossas vozes contra a injustiça, a desesperança, as desigualdades e o terror que se espalha pelos continentes e ameaça a todos, não importando a raça, religião ou classe social. Quero, então, nesta data tão significativa para nós, gaúchos, renovar os desejos de paz inspirados pelos mesmos ideais farroupilhas de Liberdade, Humanidade e Fraternidade, expressões que estão até hoje estampadas em nossa valorosa bandeira. De que nos servirá a história senão para dela tirarmos ensinamentos que levem homens e mulheres a uma vida melhor? Que nossos projetos levem em conta os sonhos das crianças de todo o mundo, que, conforme pesquisa da Unicef, querem somente paz e educação. E que, de agora em diante, nossa única guerra seja aquela declarada pelo Presidente Lula em sua posse e que é a mãe de todas as batalhas: a guerra contra a fome e a miséria para a qual todos estamos convocados. E que assim possamos construir um mundo em que reine a paz, a tolerância e o respeito pelo ser humano.

As informações históricas contidas neste pronunciamento foram extraídas do livro Os Farrapos, publicação especial da Zero Hora Editora Jornalística, que gentilmente encaminhou um exemplar para cada Senador desta Casa. O exemplar do Presidente José Sarney, coube a mim o privilégio de fazer a entrega ao final deste pronunciamento, com os cumprimentos dos farrapos rio-grandenses.

Muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores que nos acompanharam.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/2003 - Página 27428