Discurso durante a 124ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Importância de alterações, pelo Senado Federal, do texto aprovado na Câmara dos Deputados da reforma tributária.

Autor
César Borges (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: César Augusto Rabello Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Importância de alterações, pelo Senado Federal, do texto aprovado na Câmara dos Deputados da reforma tributária.
Aparteantes
João Capiberibe.
Publicação
Publicação no DSF de 19/09/2003 - Página 28022
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, APERFEIÇOAMENTO, SENADO, TEXTO, REFORMA TRIBUTARIA, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, GARANTIA, ATENDIMENTO, INTERESSE NACIONAL, RETOMADA, CRESCIMENTO ECONOMICO, CRIAÇÃO, EMPREGO.
  • ENUMERAÇÃO, POSSIBILIDADE, PROPOSTA, GOVERNO, CONTRIBUIÇÃO, AUMENTO, CARGA, IMPOSTOS, PREJUIZO, ESTADOS, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DA BAHIA (BA).

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, certamente, o Brasil está com os olhos voltados para esta Casa, uma vez que chega ao Senado Federal uma das duas importantes reformas que estão concentrando as atenções de todos os brasileiros: a reforma da previdência, cujo relato foi feito ontem pelo Senador Tião Viana na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania; e, em breve, talvez dentro de 15 ou 20 dias, chegará a reforma tributária.

E é sobre a reforma tributária que quero falar, Sr. Presidente.

Temos diante de nós uma duríssima tarefa: criar condições para levar o País de volta ao caminho do crescimento econômico sustentado. É nosso dever ajudar o Brasil a alcançar esse objetivo, um compromisso que temos com o País. Este é também o objetivo de todos os brasileiros: voltar a ver a economia brasileira crescer para assim gerar emprego e renda para o povo brasileiro. Vivemos, efetivamente, uma recessão, uma política deliberada para atender aos reclamos do FMI que levou à estagnação econômica do nosso País.

O momento é agora. Não podemos desperdiçar a chance que temos de aprovar uma verdadeira reforma tributária - não um ajuste tributário -, que abra caminho para a retomada do crescimento sustentado da economia e permita a geração de empregos.

Desde que foi criado, o sistema tributário vem sendo objeto de freqüentes modificações, em sua expressiva maioria visando unicamente aumentar o poder de arrecadação da União.

As receitas compartilhadas com os Estados e os Municípios, que em 1988 representavam 76% do total das receitas tributárias da União, hoje significam apenas 45%. Desde a Constituição de 1988, a União tem aumentado sua arrecadação por intermédio das contribuições, tributos não repartidos com os demais entes da Federação.

A União criou a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, que arrecadou R$20 bilhões no ano passado; criou a CPMF, foram mais R$20 bilhões; transformou o Finsocial, um imposto minúsculo, na poderosa Cofins, que trouxe mais R$50 bilhões para os cofres públicos federais. Isso sem falar na Cide, outra contribuição que abastece hoje os cofres da União. São números pomposos, que mostram por que a União fica hoje com quase 60% de tudo que é arrecadado no País.

Enquanto isso, Sr. Presidente, Estados e Municípios amargam uma crise financeira sem precedentes, que põe em risco o próprio sistema federativo. Como aqui já foi dito por diversos Senadores, inclusive pelo Senador Antonio Carlos Magalhães, representante do meu Estado, a União procurou o seu caminho, a solução dos seus problemas por intermédio do aumento da sua arrecadação, mas se esqueceu dos caminhos para resolver os problemas dos Estados e Municípios.

Fui Governador do meu Estado e sofri os efeitos desta política tributária injusta, que deu novas responsabilidades a Estados e Municípios, sem contudo repassar os recursos necessários para atendê-las.

Vejam o caso do Fundef. Criado em 1996 e implementado a partir de 1998, o Fundo tinha como objetivo universalizar o ensino fundamental a partir da parceria entre União, Estados e Municípios. A parceria, contudo, jamais ocorreu. Mesmo com o crescimento vertiginoso de sua arrecadação, a União teve sempre uma participação insignificante e decrescente no financiamento do ensino fundamental, saindo de 3,7% em 1998 para 1,9% em 2002. Isso mesmo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a União contribui com apenas 2% dos recursos do Fundef.

Isso mesmo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a União contribui com apenas 2% dos recursos do Fundef.

Os Estados foram responsáveis por mais de 84% dos recursos do Fundo em 2002, sustentando praticamente sozinhos o ensino fundamental do País.

A verdade é que, como bem destacou recentemente o Governador do meu Estado, Paulo Souto, em artigo publicado no jornal Valor Econômico, enquanto a União fez o seu ajuste com aumento de carga, a desvinculação das suas receitas, a chamada DRU e da rolagem das suas dividas, aos Estados restou somente o corte de despesas, a restrição de investimentos e um enorme esforço para amortizar as suas dívidas, que estão sendo pagas e não roladas.

Para estudar alternativas capazes de reverter o quadro deficitário que hoje penaliza a maioria das unidades federativas, foi criada, no âmbito da Comissão de Assuntos Econômicos, a Subcomissão Temporária da Dívida Pública dos Estados. Lá, tivemos a presença dos Governadores do Amazonas, Eduardo Braga, e do Rio de Janeiro, Rosinha Mateus, que confirmaram suas preocupações em relação à proposta da reforma tributária que, da forma como está, infelizmente, penaliza gravemente os Estados.

Tenho absoluta convicção de que vamos avançar, com a participação dos Srs. Senadores, legítimos representantes dos Estados, na transformação desta reforma tributária que, inquestionavelmente, não atende à Nação brasileira.

O diagnóstico sobre o sistema tributário brasileiro é claro e inequívoco: o País tem uma estrutura tributária onerosa, distorcida e injusta, com impactos negativos sobre a alocação de recursos e a competitividade dos produtos brasileiros. E a atual reforma não vem ao encontro da solução desses problemas.

Como já havia ressaltado neste plenário, se realmente pretendemos avançar nos acordos de livre comércio, teremos antes que resolver a questão tributária, sob pena de ver nossas empresas e nossos produtos serem esmagados por seus concorrentes americanos, argentinos, chilenos, mexicanos, países sabidamente mais competitivos e com carga tributária mais justa e mais bem distribuída que no Brasil.

Não resta dúvida sobre a necessidade de uma profunda reforma que desonere a produção - e essa reforma não desonera a produção, ao contrário, traz mais encargo ao setor produtivo, aumenta a carga tributária - e redistribua os tributos, garantindo o tão necessário equilíbrio federativo. Mas essa reforma também não traz essa segurança e essa tranqüilidade. Vejam a posição da maioria absoluta dos Srs. Governadores, que estão protestando.

Tenho ouvido repetidas declarações de autoridades e parlamentares ligados ao Governo exatamente nessa direção, defendendo a simplificação, a desoneração e a justiça tributária. O que se precisa é transformar o discurso em prática.

A reforma tributária que veio do Governo Federal foi, infelizmente, extremamente piorada na Câmara dos Deputados e não reflete o discurso do Governo. A PEC nº 41 não reduz a carga nem o número de tributos, concentra na União o poder de tributar, além de manter os gravames que oneram nossa produção.

Apesar da negativa do Governo, há diversos pontos, já destacados neste plenário pelo Líder do PFL, Senador José Agripino, que certamente contribuirão para o aumento da carga de impostos no Brasil.

São eles:

1 - possibilidade de instituição de empréstimo compulsório por lei ordinária (art. 148);

2 - possibilidade de instituição de pedágio sem obrigação de conservação de estradas (art. 150, V);

3 - instituição de imposto sobre veículos aéreos e aquáticos (art. 155, III);

4 - instituição da progressividade e variabilidade, de acordo com o grau de parentesco, do imposto sobre transmissão causa mortis e doações (herança), (art. 155, § 1o, IV). Felizmente, o Governo foi derrotado nessa única questão;

5 - proibição de incentivos fiscais (art. 155, § 2o, VIII), impedindo que possamos quebrar desigualdades regionais, pela absoluta ausência de uma política federal no sentido de fazer uma Nação mais equilibrada no seu desenvolvimento; que este não fique concentrado apenas em três ou quatro Estados da Federação;

6 - instituição da progressividade do ITBI (art. 156, § 2º, III, IV);

7 - Prorrogação da CPMF (art. 195, IV, V).

Temos também a DRU, que pode não ser considerada aumento de carga tributária, mas é apenas para a União, não contemplando os Estados, muito menos os Municípios.

A própria proposta orçamentária encaminhada pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional prevê o aumento da carga tributária. Ora, se a proposta do Governo prevê o aumento da carga tributária e o Presidente da República diz que elevar a carga tributária seria uma insanidade - afirmação publicada em todos os jornais -, não há outra conclusão senão a de que estamos diante de um Governo insensato.

Sobre a carga tributária, diz o Governo que não tem culpa pela elevação verificada nos últimos anos. Seria a tal “herança maldita”, que, aliás, serve para tudo que o atual Governo não consegue resolver.

Pois bem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Partido dos Trabalhadores tem culpa sim. A partir do momento em que o Governo afirma que há déficit na Previdência e que não é justo que toda a sociedade pague por ele, o Partido do Governo é responsável pela carga tributária que temos.

Foi graças ao PT que a sociedade sustentou, por meio de impostos maiores, esse enorme déficit existente nas contas da União. Se tivesse agido com maior responsabilidade e clarividência, talvez desde 1998 a questão da previdência já estivesse equacionada. Infelizmente, o Partido dos Trabalhadores preferiu o bônus do discurso fácil e populista, preferiu ser aplaudido pelas corporações e por seus eleitores. E hoje muda o discurso sem sequer dar uma satisfação racional à população nele confiou.

E assim os impostos de toda a sociedade cobriram um déficit que somente agora o Governo afirma existir. Num passado não muito distante, o déficit era apenas uma manipulação de números. Era assim que colocava a questão o Partido dos Trabalhadores. Muito cômodo. Hoje, o PT enfrenta uma realidade e muda inteiramente o discurso e conseqüentemente também muda as suas propostas.

Há ainda a grave questão regional, que, como todas as outras, está sendo relegada a um plano secundário. A PEC nº 41 prevê a criação de um fundo de 2% da arrecadação do IPI e do Imposto de Renda. Apenas 2% para aplicação nas regiões menos favorecidas. V. Exªs hão de convir, Srªs e Srs. Senadores, que 2% do IPI e do Imposto de Renda é muito pouco para combater a gritante desigualdade regional existente neste País, a pobreza que está concentrada no Nordeste brasileiro, os problemas de desenvolvimento no Norte e no Centro-Oeste do País. Esses recursos são insuficientes para a realização de uma efetiva política de desenvolvimento regional que, inclusive, venha compensar o fim da guerra fiscal que está sendo imposta pela atual reforma tributária. A inclusão das regiões do norte de Minas Gerais e do noroeste do Rio de Janeiro na partilha dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional agrava ainda mais essa situação, pois se se aumentam os recursos, aumenta-se a quantidade de beneficiários. Se o Governo quer atender o norte de Minas e o noroeste do Rio de Janeiro, que amplie também os recursos desse Fundo. É isso que esperamos, porque, enquanto isso, reduzem-se os repasses destinados às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, além do Estado do Espírito Santo, hoje contemplado.

Concedo o aparte ao Senador Capiberibe.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Nobre Senador César Borges, acompanho a análise de V. Exª da reforma tributária e fico imaginando a dimensão econômica do nosso País e a sua situação no cenário internacional. O Brasil está entre as 10 maiores economias do planeta. Bem demonstrou na 5ª Reunião Ministerial da OMC o peso que o País tem no cenário internacional, até porque tem uma economia pujante e uma carga tributária asfixiante. Ora, a carga tributária, em um País de grande economia, deveria gerar satisfação social. Mas o que me parece é que os tributos são arrecadados de todos, todos pagam os tributos, mas poucos recebem serviço, recebem retorno. Parece-me que uma das razões da exclusão neste País, da imensa exclusão que infelicita a vida das cidades e estimula a violência urbana e a violência no campo, é a má distribuição da contribuição do cidadão. Mesmo se não considerássemos que todos acham que é necessária uma reforma tributária, hoje a carga tributária, a carga fiscal atinge 36%, quase 40%. Ou seja, o Estado brasileiro tem um peso muito grande na economia. Concentra a renda da população. Mas, na hora da distribuição, ocorre o grande pecado, porque ela é feita entre poucos. Mesmo no debate da reforma tributária, vejo que estamos discutindo a distribuição da renda do conjunto da sociedade, como ela vai ser dividida entre a União, Estados e Municípios. Penso que deveríamos estabelecer um debate, uma discussão sobre a maneira de distribuir essa renda, porque quase 50% vão para a dívida pública. Quase 50% do esforço da sociedade brasileira é para pagar a nossa dívida. E o endividamento foi o instrumento usado para debelar as crises, assim como a venda de ativos - quando se vendiam ativos, tomava-se emprestado dinheiro e aumentava-se a carga tributária. A sociedade brasileira está sofrida. Creio que não devemos aprovar nenhuma reforma que aumente a carga tributária. Devemos pensar numa reforma que melhore a distribuição da energia produzida pela nossa sociedade.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Agradeço-lhe o aparte. Realmente, é dramático, Senador Capiberibe. O povo brasileiro tem uma carga tributária pesadíssima e não tem o correspondente retorno dos serviços. Então, se você precisa de segurança, terá de contratar segurança privada; se você precisa de saúde, precisa contratar um serviço de saúde privado; se você precisa de boas rodovias, não tem, tem que usar aviões, pagar passagem aérea, porque não pode transitar pelas rodovias brasileiras. E assim por diante.

Infelizmente, a atual proposta deixa brechas para a elevação da carga tributária, que, ao nível de 36% do PIB, já se tornou um poderoso entrave à produção, à geração de empregos, aos investimentos e às exportações, além de estimular a informalidade.

Portanto, Srªs e Srs. Senadores, se o Estado brasileiro suga, hoje, 36% - e isso vai aumentar - de toda a riqueza produzida no País e, ainda assim, não dispõe dos recursos necessários para o atendimento das demandas sociais básicas, talvez estejamos no caminho errado.

Como afirmou recentemente o economista Celso Furtado, os compromissos da dívida pública não estão deixando espaço para o crescimento econômico. Por isso, talvez não haja outra saída, Senador Capiberibe, senão encontrar um jeito de forçar a redução do principal e dos juros da dívida.

A verdade é que o País, que precisa urgentemente retomar os investimentos em educação, saúde e infra-estrutura, não tem condições de sustentar o compromisso de um superávit fiscal de 4,25% do PIB, assumido pelo Governo junto ao FMI.

A redução de um ponto percentual dessa meta de superávit disponibilizaria mais de R$17 bilhões, valor duas vezes maior que todo o investimento previsto pelo Governo para o próximo ano, para 2004. Isso é dramático!

Em vez de elevar a carga tributária, o Governo deveria rever esse insensato compromisso de superávit com o FMI, uma meta definida por sua própria iniciativa. O Governo anterior negociou e estabeleceu em 3,75%; o atual aumentou para 4,25% e se orgulha de estar atingindo superávit primário acima de 5%.

Tudo isso mostra que, infelizmente, estamos perdendo uma oportunidade preciosa de mudar os rumos deste País. Mesmo que, como prevê o Governo, não haja a elevação da carga tributária, o Brasil não tem condições de competir, num mundo cada vez mais globalizado, com esse nível de tributação. Infelizmente, a reforma tributária vai aumentar essa carga.

Aprovada do jeito que está essa reforma, atendendo apenas aos interesses fiscais imediatistas do Governo Federal, em pouco tempo serão necessários novos reparos no sistema tributário brasileiro, contrariando o próprio programa de governo do Partido dos Trabalhadores e o desejo de milhões de brasileiros.

Não tenho dúvida de que o Brasil precisa de uma reforma mais audaciosa do que o texto aprovado pela Câmara dos Deputados. É inegável que a reforma tributária passa necessariamente pela rediscussão do pacto federativo. União, Estados, Municípios, trabalhadores e empresários devem estar todos do mesmo lado. Se não for desse modo, não será uma reforma e não será bom para o País.

Do jeito que está, a reforma é extremamente prejudicial à Bahia, ao povo baiano, que represento no Senado. O Estado perderá mais de R$500 milhões por ano com a mudança da alíquota interestadual para 4% - e assim a maioria dos Estados do Nordeste brasileiro. Será prejudicado com a desoneração do IPI sobre bens de capital (R$86 milhões por ano), e a desoneração do ICMS sobre alimentos de primeira necessidade e medicamentos (R$100 milhões por ano). Isso é necessário, mas o Governo Federal faz cartaz com o chapéu dos outros.

O Estado continuará com cerca de 90% de suas receitas vinculadas constitucionalmente, apesar de o Governo Federal ter sido contemplado com a prorrogação da DRU até 2004. Isso não existirá para os governos estaduais.

Os ganhos advindos da repartição da CIDE passam longe de compensar todas essas perdas.

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é fundamental que o Senado aperfeiçoe a atual proposta. Essa responsabilidade a sociedade já cobra do Senado. Temos a obrigação de avançar muito mais nos princípios de desoneração e de justiça tributária. Não podemos desperdiçar essa oportunidade histórica.

Agradeço ao Presidente a tolerância.

Peço desculpas ao Senador Augusto Botelho por não lhe conceder o aparte solicitado.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/09/2003 - Página 28022