Discurso durante a 124ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao sistema tributário brasileiro.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Críticas ao sistema tributário brasileiro.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 19/09/2003 - Página 28028
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, SISTEMA TRIBUTARIO NACIONAL, EXCESSO, COBRANÇA, TRIBUTOS, AMPLIAÇÃO, INJUSTIÇA, ONUS, ASSALARIADO, POPULAÇÃO CARENTE.
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, COBRANÇA, IMPOSTOS, CONSUMO, IGUALDADE, ALIQUOTA, CONSUMIDOR, AQUISIÇÃO, PRODUTO, SIMULTANEIDADE, INCLUSÃO, VALOR, TRIBUTOS, PREÇO, MERCADORIA.
  • CONTESTAÇÃO, CONCESSÃO, ANISTIA FISCAL, INTERMEDIARIO, APROPRIAÇÃO INDEBITA, CONTRIBUIÇÃO, CIDADÃO.
  • REGISTRO, HOMICIDIO, JOSE AUGUSTO DA SILVA, AGRICULTOR, LIDER, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o bom da democracia é que ela permite a alternância no poder, e estamos tendo a oportunidade de ver isso no Brasil, pois, pela primeira vez, há um trabalhador, um operário, um líder sindical governando o País. Mais do que isso, permite-nos criar identidades no discurso do passado e do presente, principalmente no que diz respeito à dívida externa.

Estamos sendo asfixiados por uma dívida que compromete quase a metade do nosso esforço, da contribuição da cidadania. Todavia, temos que nos perguntar sempre: como foi possível chegarmos ao fundo do poço? Como foi possível contrairmos tanta dívida ao longo da nossa História?

Essa é uma questão de gerenciamento deste generoso País, essa é uma questão política. A condução política do Brasil nos levou ao endividamento e à situação de sermos uma das maiores economias do planeta, termos uma carga fiscal pesada e, no entanto, não termos serviços de qualidade. A educação, saúde e estradas estão precárias, porque todo o nosso esforço é feito apenas para pagar dívida.

Há vários problemas de ordem tributária em nosso País, além de uma carga fiscal excessiva, como já disse, sem retorno distributivo. A cobrança dos tributos, no Brasil, amplia as injustiças, recaindo mais pesadamente sobre os ombros da população pobre e dos assalariados do que sobre os mais aquinhoados de nossa sociedade. Os assalariados e mais pobres não têm como escapar da arrecadação, pois compulsoriamente entram com a sua contribuição.

Os tributos cobrados baseiam-se essencialmente em três fontes: a renda, a propriedade e o consumo. A renda e a propriedade têm a vantagem de permitir a progressividade na cobrança, isentando os pobres e sobretaxando os ricos, buscando, com a política fiscal, minorar o enorme esforço da concentração de renda. Diga-se, de passagem, que o Brasil é um dos países mais injustos na distribuição da renda.

Já os impostos sobre o consumo não possuem essa faculdade, mas, pelo contrário, são intrinsecamente regressivos, pois, independentemente da classe social, o consumidor paga a mesma alíquota ao adquirir o produto. Ganhe um salário mínimo ou cem salários mínimos, o consumidor entra com a mesma alíquota, fazendo com que o percentual de renda que os pobres destinam aos tributos seja muito maior que o dos ricos.

Outra questão relevante é que os impostos sobre o consumo, além de regressivos, também são indiretos, ou seja, há um agente que os paga e outro que os recolhe.

No Brasil, confundindo ainda mais, o valor do imposto indireto está embutido no preço das mercadorias e serviços, diferentemente de outros países. Alguns países chegam ao requinte de colocar, na nota fiscal, o nome do governante. No Canadá, por exemplo, no caso do imposto indireto de consumo, creditam “Imposto devido ao Senhor Primeiro-Ministro Jean Chrétien”, para que se saiba quem é o ordenador de despesa no país. Quando o imposto é estadual, colocam o nome do governante estadual, para tornar absolutamente visível quem é o ordenador de despesa.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Senador João Capiberibe, V. Exª me concede um aparte?

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Pois não, Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - V. Exª aborda um assunto que realmente interessa a todos os brasileiros. V. Exª mostra as três fontes e faz considerações sobre o consumo. Se esse consumo fosse de supérfluos, como perfume, cigarro e bebidas, seria muito justo, porque esses produtos até agravam a saúde do cidadão. Entretanto, o mais revoltante é que se trata de comida, da cesta básica, da roupa necessária, quando, às vezes, o cidadão tem uma ou duas peças. Por isso, concordo muito com o posicionamento de V. Exª de que no Brasil ainda existem muitas injustiças, principalmente nessa área, mas teremos oportunidade de nos debruçar sobre o assunto agora, com a reforma tributária. Espero que possamos corrigir algumas dessas injustiças, principalmente no que se refere à cesta básica. Parabéns!

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - E vamos tratar de corrigir a distribuição da arrecadação da energia coletiva. Creio que arrecadamos de todos e distribuímos entre poucos. Penso que esse é um aspecto da reforma tributária sobre o qual teremos que nos debruçar.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Tem V. Exª o aparte, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador João Capiberibe, V. Exª é um dos Senadores que mais tem dedicado o seu mandato às questões internacionais e mais tem atuado em defesa do Amapá e de um Brasil justo. Gostaria de lhe informar que acaba de chegar ao Senado Federal o Ministro Celso Amorim. S. Exª iniciará, em instantes, sua exposição sobre a reunião da OMC, realizada em Cancun. Gostaria de convidar os membros da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, assim como todos os Parlamentares, para ouvirem a breve exposição, até que se inicie a Ordem do Dia. Os Senadores Heráclito Fortes, Jonas Pinheiro e José Maranhão estão especialmente convidados para se reportarem ao que testemunharam em Cancun. Senador João Capiberibe, agradeço-lhe a oportunidade do aparte, pois o tema é de grande relevância. Senador João Capiberibe, evidentemente, o convite é extensivo a V. Exª.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy. A reunião acontecerá na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional?

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Exatamente.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Estaremos presentes.

Gostaria, desde logo, de agradecer a presença do Ministro Celso Amorim, além de parabenizá-lo pelo desempenho à frente da delegação brasileira na 5ª Reunião Ministerial da OMC.

Para concluir - quero acompanhar de perto a explanação do Ministro Celso Amorim -, quero dizer que o valor do imposto indireto está embutido no preço da mercadoria. Isso dificulta a sua identificação por parte do consumidor, prestando um desfavor à educação tributária e à transparência fiscal.

Dessa forma, não é possível ao cidadão que faz a compra sonegar o imposto - este é um aspecto fundamental para analisarmos -, mas isso é possível para o intermediário, como, por exemplo, um comerciante ou um prestador de serviço, que, no caso, deveria ser o fiel depositário dos recursos públicos. Na verdade, trata-se de um intermediário entre o comprador final e o Fisco. O nosso sistema é organizado mediante a coleta de um intermediário: um comerciante ou um prestador de serviços.

Pelas razões expostas, parece-me incorreto conceder aos intermediários, ou seja, ao prestador de serviço, ao comerciante ou ao industrial em débito com impostos, como o Imposto Sobre Produtos Industrializados ou o ICMS, anistia de juros e multas ou parcelamento de débitos.

Lamentavelmente, após deixar o Governo do Amapá - e, aqui, mais uma vez, vou usar o Amapá como âncora, porque o conheço bem, pois o governei por quatro anos -, no período de apenas um ano e dois meses, já foram concedidas benesses desse tipo por duas vezes. Uma delas se deu durante o curto Governo do PT, que me sucedeu; e outra, no Prefis - Programa de Recuperação Fiscal -, que, me parece, está virando moda em todos os Estados, que foi aprovado pela Assembléia Legislativa e sancionado pelo Governador Waldez Góes, em julho deste ano. Nos dois casos, a fórmula é a mesma: concede-se anistia escalonada de 50% a 100% sobre juros e multas dos débitos, e parcela-se o saldo devedor.

Afirmo, com veemência, minha posição contrária a esse tipo de medida. Só entendi isto um ano e meio depois de estar no Governo: que não poderíamos anistiar o intermediário que arrecada a contribuição do cidadão. Sou veementemente contrário a essa medida, em primeiro lugar porque o não recolhimento do ICMS devido tratou-se de apropriação indébita de recursos públicos, sobre o qual deve haver punição e não benefícios. Se o intermediário, nomeado pelo Fisco, não recolhe ao Fisco a contribuição do consumidor, isso significa que ele se apropriou da contribuição.

Também denuncio que, no caso específico do Amapá, o Prefis foi instituído em total arrepio da Lei Complementar nº 101/00, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que, em seu art. 14, é bem clara ao exigir que a renúncia fiscal somente poderá ocorrer se prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias, o que não é o caso da LDO em vigor. Além da previsão legal, deverá estar acompanhada de estimativa de impacto orçamentário financeiro, demonstrar que não afetará as metas fiscais e prever quais as medidas compensatórias de aumento de receita. Ora, nada disso foi respeitado, e quero alertar que a punição prevista na lei dos crimes fiscais é de 30% sobre o salário anual dos agentes que der causa.

Alguns poderiam argumentar que o perdão aos sonegadores poderia alavancar receita do Estado. Ledo engano. Vejamos os números do Amapá, e é muito fácil acessá-los, até porque estão expostos na Internet.

A transparência é uma marca do meu Governo, pois tenho profundo respeito para com o contribuinte. Em sete anos de Governo, conseguimos elevar de R$37 milhões para R$140 milhões anuais a receita tributária do Amapá. Esses são números corrigidos pelo IPCA. Já nos oito primeiros meses deste ano, a arrecadação de ICMS foi de R$93 milhões, contra R$87 milhões no mesmo período do ano passado, ou seja, houve um incremento nominal de apenas 6,86%, o que representa uma queda real, porque a inflação do período está em torno de 15%.

O perdão aos devedores desestimula os contribuintes que são assíduos no recolhimento do tributo, pois estes se sentem traídos e punidos por haverem adotado o comportamento correto. Quando se beneficia o que se apropria da contribuição do cidadão, pune-se o empresário correto, que recolhe fielmente o imposto, que é o do cidadão ao Fisco. A conseqüência natural é que parte desses contribuintes será impelida a não mais recolher em dia o imposto, esperando futuras medidas de perdão aos devedores.

Imaginem o efeito que duas anistias, em pouco mais de um ano, podem causar? Um efeito de queda, evidentemente, de arrecadação.

Em 1999, houve uma das maiores crises, e, assim mesmo, cresceu a arrecadação do ICMS. Falo da crise russa de 1999, que afetou a economia brasileira de forma dramática, talvez mais dramática do que a crise do ano passado e do início deste ano. Em outras palavras, o eventual pequeno aumento de receita imediato de devedores acaba traduzindo em futuras quedas na arrecadação.

Sr. Presidente, ao encerrar, pois vou acompanhar a explanação do Ministro Celso Amorim, gostaria de registrar mais um assassinato de liderança rural no campo. Mais um militante do MST foi assassinado. Desta vez, foi o agricultor José Augusto da Silva, de 65 anos, assassinado em Pernambuco. É uma guerra em que só se morre de um lado, em que só morrem trabalhadores rurais. E os assassinos continuam impunes, exceção feita ao assassinato do Padre Josino. Finalmente, depois de 17 anos, ontem, foi condenado o mandante do assassinato do Padre Josino, no Maranhão.

Obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SENADOR JOÃO CAPIBERIBE EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/09/2003 - Página 28028