Discurso durante a 124ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a aprovação do relatório, com alterações na Câmara dos Deputados, do estatuto do desarmamento. (como Líder)

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Considerações sobre a aprovação do relatório, com alterações na Câmara dos Deputados, do estatuto do desarmamento. (como Líder)
Aparteantes
Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 19/09/2003 - Página 28052
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, APROVAÇÃO, RELATORIO, COMISSÃO, SEGURANÇA PUBLICA, CAMARA DOS DEPUTADOS, ALTERAÇÃO, DOCUMENTO ORIGINAL, DESCARACTERIZAÇÃO, PROJETO DE LEI, ESTATUTO, DESARMAMENTO, ATENDIMENTO, LOBBY, INDUSTRIA, ARMA DE FOGO, RETIRADA, REGIME DE URGENCIA, TRAMITAÇÃO, MANUTENÇÃO, POPULAÇÃO, AMEAÇA, VIOLENCIA, CRIME.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, imagino falar sobre o mesmo assunto que o Senador César Borges falará.

Sras e Srs. Senadores, o lobby pode ter vencido uma batalha, mas, certamente, não ganhará a guerra. Ontem à noite, a Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou, por 29 votos a 2, um relatório que desfigurou completamente o Estatuto do Desarmamento. O Substitutivo da Deputada Laura Carneiro contém brechas que derrubaram restrições para a concessão do porte e posse de armas e, na prática, anula completamente o Estatuto. A decisão foi comemorada pelo lobby das indústrias, mas revoltou os defensores do texto original, entre os quais me incluo.

Na semana passada, alertei para o perigo de estarmos jogando um trabalho de anos aqui desta Casa pela janela, caso a Câmara realmente não cumprisse - como está acontecendo - o acordo fechado com o Senado Federal pela aprovação, em urgência urgentíssima, do Estatuto do Desarmamento.

O Estatuto é um instrumento de cidadania, um passo decisivo, realizado com a colaboração do Congresso Nacional, para diminuirmos a banalização das armas de fogo que vitima, a cada dia, crianças e idosos, homens e mulheres. Aliás, Sr. Presidente, foi isso que ouvi em repetidas entrevistas do Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Portanto, o projeto não poderia ter tratamento comum. E ainda, Sr. Presidente, pode ter prioridade na pauta das duas Casas do Congresso Nacional. Ou seja, o acordo foi para que o projeto tramitasse em caráter de urgência aqui e lá na Câmara. Ele tramitou como acordado aqui no Senado Federal, mas a urgência foi retirada na Câmara dos Deputados, tendo sido enviado o projeto para a Comissão de Segurança Pública, que é majoritariamente composta por Parlamentares comprometidos com a indústria de armas, o que acabou por descaracterizar o projeto.

Com a decisão do Presidente João Paulo, Sr. Presidente, de que o Estatuto do Desarmamento deve seguir uma tramitação normal na Câmara, estamos não somente descumprindo um acordo em favor da sociedade, mas condenando os brasileiros a conviver com a violência e as suas conseqüências.

Como eu disse, a proposta tramitará sem urgência. Depois da Comissão de Segurança Pública, terá de passar ainda pela Comissão de Constituição e Justiça e somente depois pelo Plenário. Mas é importante que as pessoas saibam que por ser originária do Senado Federal, essa matéria tramitaria em última instância aqui, no Senado Federal, que já a aprovou por consenso em uma decisão histórica e unânime, com a participação não apenas no voto, mas na discussão, de quase todos os Srs. Senadores que têm assento nesta Casa.

O lobby das armas, como podemos constatar, é mais poderoso e sutil do que se imagina. Pressiona e influencia à luz do dia, em nome da ganância e da perpetuação da barbárie. Isto não pode continuar. Faço aqui um apelo à Câmara dos Deputados e ao seu Presidente para que revejam suas decisões e tratem o Estatuto do Desarmamento com a urgência que merece e que a sociedade cobra de nós.

A Relatora do projeto naquela Casa, Sr. Presidente, fez várias alterações à proposta negociada pelo Senado Federal em julho passado, por consenso e unanimidade, como eu disse, com a participação de Deputados em uma Comissão Mista. Foi a primeira vez que isto aconteceu no Congresso Nacional: uma matéria tramitando no Senado Federal sendo examinada por uma Comissão Mista presidida por um Deputado para fazer uma sistematização, uma triagem e, afinal, elaborar um relatório. V. Exªs se recordam que aqui esteve à frente dessa Comissão, como Relator, o Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, que é, aliás, Presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação.

A realização de um referendo popular em 2005, Sr. Presidente, sobre o fim da comercialização, da venda de armas e munição no País foi retirada do projeto no Substitutivo, o que obviamente configura um retrocesso inominável. E eu fiquei sem acreditar no que vi. Na grande passeata que aconteceu em Copacabana, no Rio de Janeiro, no último domingo, muitas dessas pessoas que não honraram o acordo de tramitação defenderam argumentos e exibiram informações e estatísticas, alguns vestidos com a camisa de Gandhi, sobre o fim do desarmamento, a suspensão da venda de armas.

Apesar disso tudo, o projeto, a idéia, a esperança do País está naufragando na Câmara, o que espero que não continue a ocorrer.

O Sr. Romero Jucá (PMDB - RR) - Senador Renan Calheiros, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Não é possível conceder apartes, senão eu o concederia a V. Exª, com muita satisfação.

O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes) - Senador Renan Calheiros, não é permitido aparte.

O SR. ROMERO JUCÁ (PMDB - RR) - Sr. Presidente, na fala de Liderança, após a Ordem do Dia, é permitido aparte.

O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes) - Houve um acordo com o Senador Renan Calheiros.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Sr. Presidente, eu não fiz acordo.

O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes) - Pela concessão do Senador César Borges.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Se for por concessão minha, V. Exª falará, Senador Romero Jucá.

O Sr. Romero Jucá (PMDB - RR) - Sr. Presidente, serei breve. Desejo apenas fazer um registro. As palavras do Senador Renan Calheiros, de certa forma, representam toda a Casa. Nós, realmente, ficamos estupefatos com a postura que tiveram na Câmara quanto a essa questão. Foram vários os motivos de nossa estupefação. O primeiro deles foi a quebra de um entendimento feito entre as duas Casas. Nós tivemos uma reunião na Presidência do Congresso com o Presidente José Sarney. Ficou definida uma Comissão Mista. Foi escolhido - em um gesto de grandeza do Senado, abrindo mão da relatoria da Comissão Mista - o Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, Presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação daquela Casa. S. Exª relatou a matéria. Nós a aprovamos, por unanimidade, no plenário. A partir daí, havia o entendimento de que a matéria recebesse o mesmo tratamento na Câmara dos Deputados. Estranhamente, nós a vimos ser encaminhada para uma Comissão na qual já se sabia o resultado. Na verdade, o encaminhamento foi um jogo cujo placar já se sabia. E pior do que isso, com o resultado da votação, toda a Câmara e esse entendimento ficam em xeque, Sr. Presidente. É fundamental que a Câmara restabeleça o entendimento mantido. Mais do que isso; é necessário que ela restabeleça o texto na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, que será a última Comissão na qual tramitará esse assunto. Portanto, o Senador Renan Calheiros lembrou bem: a matéria voltará ao Senado, que terá a prerrogativa de restabelecer o texto original aprovado. Mas, independentemente disso, é importante que se cumpram as tratativas entre as duas Casas, sob pena de, em outras questões, pairar a desconfiança sobre qual será a postura da Câmara dos Deputados em qualquer entendimento.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Senador Romero Jucá, agradeço o aparte de V. Exª.

O Sr. Romero Jucá (PMDB - RR) - Mas ainda quero protestar contra esse fato e aplaudir o discurso de V. Exª, Senador Renan Calheiros. Muito obrigado.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Agradeço o aparte de V. Exª e sinto-me honrado com ele.

Peço, mais uma vez, desculpas ao nobre Senador Papaléo Paes, cuja generosidade possibilitou que nós falássemos aqui em função da urgência urgentíssima do assunto.

Já estou encerrando, Sr. Presidente.

Foram flexibilizadas algumas regras: reduzidas a idade mínima para que as pessoas possam comprar uma arma de 25 para 21 anos; diminuídas as taxas de expedição do porte; modificadas as exigências para quem quer comprar uma arma de fogo - alteração que na prática anula a suspensão da própria venda. As emendas desfiguram, sem dúvida nenhuma, o objetivo do Estatuto e tendem a ampliar cada vez mais a permissão para o porte de armas e munição do País.

Outra mudança, absurda, inaceitável, é a autorização para que o Ministério da Justiça possa fazer convênios com os Estados permitindo que as polícias civis concedam porte de armas em todas as unidades da Federação.

O texto anterior, Sr. Presidente, previa a centralização da concessão de porte pelo Ministério da Justiça. Era o princípio da centralização, para que pudéssemos cobrar de uma autoridade só. Na medida em que pulveriza com convênios vários, perde-se completamente o controle. E mais do que isso: garante na prática que o que estava acontecendo volte a acontecer.

Aliás, Sr. Presidente, quero dizer - já encerrando - que estranho, sem dúvida nenhuma, a posição adotada pelo Ministro da Justiça, que tem procurado demonstrar, como disse, engajamento no tema. S. Exª participou da passeata “Brasil sem Armas”, no domingo passado, no Rio de Janeiro, mas, segundo os jornais, tem sido condescendente com as mudanças que estão desfigurando o projeto e tem até patrocinado algumas delas. Prefiro não acreditar no que li. Não acredito, sinceramente, que o Ministro da Justiça comprometa sua biografia com esse retrocesso.

É melhor que acreditemos - e há pouco, eu conversava sobre isso com o Senador César Borges - que houve, na Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, um cochilo do Governo, que vai redirecionar as coisas por ocasião da apreciação da matéria na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação daquela Casa.

Esses retrocessos são inaceitáveis e absurdos. Um dos pontos cruciais do combate à criminalidade é o desarmamento da população. Essa é uma tendência mundial que o Brasil corre o risco de não seguir. Cerca de 500 mil pessoas morrem no mundo, todos os anos, assassinadas por armas de fogo.

Os efeitos indiretos da violência armada são ainda mais alarmantes. Pesquisas recentes da Organização Mundial de Saúde e de ONGs, realizadas em regiões de conflito na África, constataram, por exemplo, que o aumento do número de doentes de malária, tuberculose, AIDS, peste bubônica e outras moléstias está associado diretamente às tensões a que as pessoas estão submetidas em lugares onde há conflitos armados.

Os reflexos são grandes também na área de saúde pública, como se vê. O custo econômico do tratamento das vítimas e da queda de produtividade gerada pela perda da força de trabalho é muito alto. As conseqüências produzidas pelo uso indiscriminado das armas de fogo consomem 14% do Produto Interno Bruto da América Latina, 10% do PIB do Brasil e 25% do PIB da Colômbia. No Canadá, esses custos são estimados em US$6,6 bilhões anuais.

Violência armada, Sr. Presidente, não é só uma questão de aplicação da lei, ou um problema de segurança nacional. É assunto de toda a sociedade, amplamente favorável às restrições às armas, conforme demonstraram seguidas pesquisas de opinião pública. Sem isso, estaremos condenando as futuras gerações a conviverem com uma situação que só envergonha nosso País e tira vidas de pessoas inocentes a cada dia.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, mais uma vez agradecendo a benevolência, generosidade e a maneira como V. Exª aceitou esta comunicação vindo da Liderança do PMDB.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/09/2003 - Página 28052