Discurso durante a 124ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o pronunciamento do Senador Renan Calheiros a respeito da aprovação do relatório, com alterações na Câmara dos Deputados, do estatuto do desarmamento. (como Líder)

Autor
César Borges (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: César Augusto Rabello Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Considerações sobre o pronunciamento do Senador Renan Calheiros a respeito da aprovação do relatório, com alterações na Câmara dos Deputados, do estatuto do desarmamento. (como Líder)
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, Garibaldi Alves Filho, Tasso Jereissati.
Publicação
Publicação no DSF de 19/09/2003 - Página 28055
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, POSIÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, ATENDIMENTO, LOBBY, INDUSTRIA, ARMA, APROVAÇÃO, RELATORIO, COMISSÃO, SEGURANÇA PUBLICA, ALTERAÇÃO, DOCUMENTO ORIGINAL, DESCARACTERIZAÇÃO, PROJETO, ESTATUTO, DESARMAMENTO.
  • EXPECTATIVA, CAMARA DOS DEPUTADOS, RESPEITO, ACORDO, APROVAÇÃO, TEXTO, SENADO, ATENDIMENTO, VONTADE, POPULAÇÃO, APOIO, DESARMAMENTO, REDUÇÃO, VIOLENCIA, CRIME, PAIS.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fiquei muito satisfeito em ver o Senador Renan Calheiros aqui, falando como Líder do PMDB, Bancada importante na Câmara dos Deputados, e expressando a sua indignação diante do que está acontecendo com o chamado Estatuto do Desarmamento, que, infelizmente está transformando-se no “Estatuto do Armamento” - a verdade é essa - na Câmara dos Deputados. E S. Exª, como um Líder importante de um Partido importante, com certeza, vai incorporar-se nessa luta de alertar para que os membros de seu Partido possam preservar aquilo que foi votado nesta Casa.

Meu discurso, que aborda exatamente esse assunto, ficou muito mais reforçado com o pronunciamento do Líder do PMDB, Senador Renan Calheiros, e com a intervenção do Senador Romero Jucá.

Nestes poucos meses em que estou no Senado, tive o prazer de participar de belos momentos da nossa vida legislativa. Gostaria de citar um deles bem marcante: a aprovação do Ministro Joaquim Barbosa para o Supremo Tribunal Federal. Fiquei honrado por ter sido indicado Relator da matéria.

Naquela oportunidade, guardei as palavras do nosso Vice-Presidente, Senador Paulo Paim, ditas com a emoção daquele momento, mas também inspiradas na vivência que estava tendo nesta Casa. Disse S. Exª que o Senado não é uma casa conservadora.

De fato, o Senado tem mostrado que não é uma Casa conservadora. Foi desse modo que o Senado, sintonizado com os interesses sociais dos brasileiros, se posicionou, por unanimidade, em favor do texto chamado pela Nação brasileira de Estatuto do Desarmamento.

Sou testemunha do esforço notável de todos os Senadores desta Casa para o entendimento, conscientes de que era preciso fazer alguma coisa para o controle das armas na sociedade. Nenhum Senador estabeleceu posições radicais e inflexíveis. Ao contrário, sempre buscamos aproximar entendimentos.

Todos cederam nas suas convicções durante as negociações de que participaram. Posso citar, entre tantos, os Senadores Tasso Jereissati, Renan Calheiros, Pedro Simon, Edison Lobão, Demóstenes Torres, Romeu Tuma, Amir Lando, Garibaldi Alves Filho, Aloizio Mercadante, para não falar do nosso Presidente, José Sarney, que teve influência decisiva para que o Estatuto do Desarmamento ganhasse a força que ganhou, constituindo, junto com o Presidente da Câmara, Deputado João Paulo Cunha, a Comissão Especial Mista do Congresso, instalada exatamente no entendimento de que uma Comissão Mista respaldaria a tramitação dessa matéria nesta Casa e, posteriormente, na Câmara dos Deputados. Esse foi o compromisso. A instalação foi solene. Toda a imprensa cobriu esse fato que, realmente, naquele momento, atendia a uma aspiração nacional pelo desarmamento.

Graças a essa ações, foi possível retomar a tramitação de dezenas de projetos que tratavam do tema e dormiam nas gavetas do Senado e da Câmara. Desde a instalação da Subcomissão de Segurança Pública, quando fui designado Relator para o tema “porte de armas”, pesquisamos e identificamos mais de 70 projetos iniciados entre os anos de 1997 e 2000, que estavam paralisados.

Juntamente com o Relator da Comissão Especial Mista, Deputado Federal Luiz Eduardo Greenhalgh, trabalhamos para encontrar um consenso médio no Legislativo brasileiro, o que, no Senado, permitiu a aprovação rápida, sem muitos ruídos, conseguida por causa da colaboração e da compreensão dos Srs. Senadores. Superamos os grupos de pressão com alguma facilidade, especialmente aqueles que sempre pregam que a solução é armar a sociedade ainda mais. Eles foram vencidos pelo argumento da maioria dos Srs. Senadores.

No entanto, os lobbies não se renderam e ainda conseguiram se apresentar com um discurso que surpreende porque faz parecer que a sociedade vive segura. Fazem-no sem pudor pela memória das 45 mil pessoas que morrem anualmente em homicídio por arma de fogo no Brasil, tentando, com isso, influenciar a tramitação desse projeto na Câmara Federal.

Ora, Srªs e Srs. Senadores, a imensa maioria da população do País nunca andou e nem quer andar armada. Por que, então, admitir que a minoria imponha a sua vontade? Por que delegar responsabilidade tamanha a alguns poucos sobre vidas alheias, como se andar armado fosse uma decisão de conseqüências apenas pessoais, com reflexo único sobre aquela pessoa, sem influência, que nós sabemos extremamente danosa, sobre a vida de terceiros, de pais de família e de jovens, que são ceifados no seu melhor período de vida todos os dias neste País?

Usam, quase sempre, argumentos tortuosos. Alegam, por exemplo, que o Estatuto nada faz contra as armas ilegais. Grande injustiça. Ao contrário, o Estatuto reinstituiu a criminalização do porte de armas ilegais, formalizada na Lei nº 9.437/97, do Sinarm, mas que restou emasculada após a Lei nº 10.259, de 2001, aquela que criou os Juizados Especiais Federais, que estendeu aos crimes com dois anos de pena o tratamento diferenciado da “infração de menor potencial ofensivo”.

Ser preso com arma ilegal deixou de preocupar, porque passou a não dar mais cadeia. Decidimos, então, aqui no Senado Federal, aumentar as penas do porte ilegal de armas, para retirá-lo desse manto protetor.

Também tornamos o flagrante inafiançável e insusceptível de liberdade provisória, agravando também os responsáveis por contrabando de armamento. Foi uma opção clara deste Senado por uma política coercitiva contra a circulação de armas nas ruas, inclusive contra aquelas que hoje já estão no patamar da ilegalidade.

Srªs e Srs. Senadores, todos os números estatísticos que temos aconselham a restrição ao uso das armas. Temos o maior índice de assassinatos por arma de fogo entre todos os países, segundo a Unesco, que chega a ser o dobro da nossa participação na população mundial. Também sabemos que, em nosso País, 70% dos crimes são cometidos com uso de armas de fogo.

Outra pesquisa mostra que o índice de morte nos assaltos com reação é duzentas vezes maior do que nos crimes onde não acontece reação. Isto demonstra que o cidadão, despreparado para o uso de uma arma, não consegue se defender dos bandidos.

O índice de homicídios entre a população mais jovem, entre 16 e 24 anos, também saltou de 19 para 26 mortes para cada 100 mil homicídios, um crescimento epidemiológico e preocupante para todos nós, que somos pais.

O lobby, entretanto, ironiza as estatísticas contra as armas, algumas baseadas em informações oficiais de entidades e sistemas confiáveis, como o SUS, o IBGE e as delegacias do nosso País. O que diz, então, de casos emblemáticos que mostram a falência dos argumentos pró-armas?

A morte do oficial do Exército encarregado da segurança do filho do Presidente da República, por exemplo, comprova a falácia da arma como elemento de defesa. Militar treinado e veterano em missões de paz na ONU, o tenente Alcir Tomasi não teve tempo de se defender porque o elemento surpresa estava ao lado do assaltante.

Srªs e Srs. Senadores, os Deputados brasileiros sabem que o Brasil é francamente favorável à restrição de armas. Agora em julho, a pesquisa CNT Sensus consultou o País e confirmou que 63,6% dos brasileiros querem o desarmamento.

Apesar disso, o Estatuto do Desarmamento vive situação incerta na Câmara dos Deputados. Pode até ser aprovado este mês, caso prevaleça a vontade do Presidente João Paulo Cunha, compromisso assumido junto ao Presidente José Sarney, mas, infelizmente, as tentativas de alteração ameaçam até mesmo a utilidade de sua aprovação.

Verificamos isso ontem, quando foi aprovado o Estatuto, que era do desarmamento, na Comissão de Segurança da Câmara dos Deputados. Tendo sido todo ele modificado, alterado, desfigurado, passou, na verdade, a ser o Estatuto do Armamento.

Neste sentido, é preciso ressaltar o papel do Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. S. Exª participou da elaboração, ouvimos o Governo Federal, e tem tomado a iniciativa de defender os princípios deste texto contra vários ataques que se sucederam. S. Exª tem assumido posição correta e elogiável em apoiamento ao Estatuto do Desarmamento e à sua preservação, como deve ser aprovado na Câmara dos Deputados. Do mesmo modo, o Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh mantém-se fiel aos princípios debatidos na Comissão Mista.

É preciso, entretanto, que o PT, o partido do Governo, e os aliados da base governista façam prevalecer sua maioria na Câmara dos Deputados e mostre vontade de aprovar o Estatuto do Desarmamento como foi acordado e aprovado no Senado Federal, no mês de julho, quando esta Casa cumpriu seu dever, inclusive no período de recesso, agilizando a aprovação daquele projeto.

O Governo participou o tempo todo dos entendimentos, foi ouvido e contribuiu com a formatação da proposta. Agora é papel da sua base de sustentação corresponder aos compromissos desse mesmo governo.

Se o Governo teve força para aprovar, na base do rolo compressor, as reformas - como agora se vê com a Reforma Tributária - que vão atender seus interesses fiscais, bem como outros acordos, que também saiba mobilizar suas forças, sua base de sustentação, para um projeto de alto interesse social, que é o desarmamento.

Que a Câmara dos Deputados também se mostre uma Casa progressista e faça valer as negociações nascidas da Comissão Mista, como estabelece o acordo mantido na época da convocação extraordinária entre os Presidentes do Senado Federal, Senador José Sarney, e da Câmara dos Deputados, Deputado João Paulo Cunha. Este é o nosso sincero desejo e, tenho certeza, desta Casa.

Estranhamente, entretanto, foi aprovado em comissão da Câmara dos Deputados, ontem, um texto muito diferente, que exige da sociedade acompanhamento permanente e pressão para que não avance esse processo de desfiguração do Estatuto de Desarmamento na Câmara dos Deputados. Ainda há tempo para que a base partidária do Governo conserte esses erros para atender às aspirações da maioria dos brasileiros.

Quero até denunciar a esta Casa e a todo o Brasil que nos ouve que já ouvi sobre a possibilidade do arquivamento do projeto na Câmara dos Deputados, impossibilitando o seu retorno ao Senado, sua Casa de origem.

Essa seria uma violência inominável contra o Senado Federal. Espero que não aconteça, contando com a participação de todos aqueles que querem uma sociedade livre de violência e de homicídios por arma de fogo.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Senador, V. Exª me permite um aparte?

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Concedo o aparte ao nobre Senador Garibaldi Alves Filho.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Senador César Borges, enquanto isso a sociedade mobilizou-se no Rio de Janeiro, domingo passado. Mais de 50 mil pessoas foram às ruas para apoiar o Estatuto do Desarmamento. O Congresso Nacional, por meio da Câmara dos Deputados, não pode ficar distante da opinião pública nacional; aliás, parte do Congresso Nacional porque a outra, como disse V. Exª, tem se mobilizado. Existiu e ainda existe no Senado Federal a Subcomissão de Segurança, presidida pelo Senador Tasso Jereissati, que produziu todo um trabalho e que teve V. Exª como um dos seus expoentes.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Agradeço-lhe, Senador Garibaldi Alves. Essa é a pura realidade: a sociedade brasileira assim deseja, pois não anda armada, por isso está mobilizada. Apenas uma minoria quer impor sua vontade à maioria do povo brasileiro.

Concedo, com muita satisfação, um aparte ao nobre Senador Tasso Jereissati.

O Sr. Tasso Jereissati (PSDB - CE) - Senador César Borges, o seu alerta é mais do que oportuno. Realmente, com muita tristeza assistimos o que está acontecendo. V. Exª foi o Relator do projeto no Senado Federal e com grande brilhantismo conseguiu condensar, de maneira muito objetiva, todas as opiniões sensatas, propostas e projetos em torno da idéia fundamental do desarmamento: diminuir o número de armas em circulação neste País. Essa não era uma preocupação nossa. Estávamos apenas servindo de instrumento da sociedade brasileira, legitimados por ela para prestar esse tipo de serviço. Depois que conseguimos, por meio do seu relatório, fazer esse trabalho no Senado Federal, nós o vemos desmanchar-se na Câmara Federal, neste momento. Seu alerta é importante porque não é apenas seu, nem apenas do Senado. O Senador Garibaldi fazia menção de que a própria sociedade brasileira está respondendo à altura, com manifestações em todo o País. Penso que não poderíamos permanecer nesta Casa calados, diante do que ocorre. Quero me juntar a V. Exª no importante alerta que faz neste momento.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Agradeço, Senador Tasso Jereissati. Destaquei em meu pronunciamento o trabalho que V. Exª realizou como Presidente da Subcomissão Permanente de Segurança Pública, que teve também a participação permanente do Senador Garibaldi Alves Filho, bem como de outros Senadores nossos companheiros.

O Senado todo se irmanou naquele momento com a Câmara dos Deputados, quando conformou a Comissão Mista; portanto, não é algo que o Senado tenha feito de forma isolada. O Presidente José Sarney convocou a Câmara dos Deputados para participar do trabalho, tanto é que o Relator da Comissão Mista foi o Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, Presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados. Acredito que ainda é momento para que possamos, unidos, reverter a situação.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Senador César Borges, V. Exª me permite um aparte?

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Concedo, com muita satisfação, um aparte ao Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Essa subcomissão teve um trabalho maravilhoso, presidida pelo Senador Tasso Jereissati, tendo V. Exª, Senador César Borges, como Relator. Esse trabalho não pode ser desmoronado da maneira como o foi na Câmara dos Deputados. É um desrespeito não a V. Exª nem ao Senado, mas ao povo brasileiro, que está com esta tese do desarmamento: o homem armado, mesmo para se defender, é um perigo, como disse V. Exª. Portanto, tenho a impressão de que os partidos políticos da Câmara dos Deputados, ainda lá, vão consertá-lo, senão teremos de consertá-lo aqui. Afinal de contas, os trabalhos bons do Senado não podem ir por água abaixo na Câmara dos Deputados, pela vontade talvez de lobistas.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Agradeço, Senador Antonio Carlos Magalhães. É exatamente esta a esperança: que a Câmara dos Deputados, que ainda tem todos os trâmites possíveis, possa modificá-lo. Foi apenas uma aprovação na Comissão de Segurança Pública. O projeto irá agora à Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, cujo Relator e Presidente também do projeto é o Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, e, posteriomente, ao plenário. Portanto, há tempo ainda de a Câmara dos Deputados atender a esse anseio da sociedade brasileira por mais segurança, por menos violência, para preservar milhares de brasileiros que infelizmente têm suas vidas ceifadas por armas de fogo todos os anos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/09/2003 - Página 28055