Discurso durante a 124ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de apoio do governo federal para a agricultura familiar.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • Necessidade de apoio do governo federal para a agricultura familiar.
Publicação
Publicação no DSF de 19/09/2003 - Página 28097
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • ANALISE, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, DISPENSA, MÃO DE OBRA, EFEITO, DESEMPREGO, EXCLUSÃO, PARTE, POPULAÇÃO, IMPORTANCIA, INCENTIVO, AGRICULTURA, ECONOMIA FAMILIAR, POSSIBILIDADE, EMPREGO, RENDA, INCLUSÃO, CIDADANIA.
  • REGISTRO, DADOS, AGRICULTURA, PROPRIEDADE FAMILIAR, SUPERIORIDADE, PRODUTIVIDADE, EMPREGO, PARTICIPAÇÃO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), ESPECIFICAÇÃO, SITUAÇÃO, ESTADO DE RONDONIA (RO), POSSIBILIDADE, CONTRIBUIÇÃO, PROGRAMA, COMBATE, FOME.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não resta qualquer dúvida de que, mais dias, menos dias, grande massa da população tomará o caminho da roça. Para alguns, uma volta ao passado. Para muitos destes, um retrocesso. Entretanto, não haverá atividade dita urbana que possa absorver tamanhos contingentes populacionais que chegam ao mercado, ou, principalmente, que são expulsos por ele, substituídos por uma tecnologia cada vez mais poupadora de mão de obra. Neste sentido, é evidente que não se cogita qualquer trajeto de volta: não há como se imaginar um mundo sem os computadores, que já nem são mais de última geração, mas de próxima. Não há volta para escribas dos fichários manuscritos, ou datilógrafos dos “batidos a máquina”. Nem para a fresa manual, ou para a linotipo, substituídos pelo robô e pelo próprio computador.

Bem-vinda a mais sofisticada tecnologia. Mas, não há como negar, ela deixa, atrás de si, uma procissão de desocupados, chapéu na mão, nas ruas e avenidas. Por mais que se imagine algum tipo de capacitação coletiva, não haverá lugar para tantos deserdados. Criou-se, então, dois países e, a separá-los, um grande fosso. De um lado, uma minoria, sobrevivente dos solavancos da modernização galopante. De outro, a turba, apartada nos (des)caminhos da globalização excludente.

Quem não se lembra dos tempos em que a fartura era um sinal interior de riqueza, depositada nas tulhas e nos paióis. Saques diários, o suficiente para três refeições familiares. A produção, o feijão, o arroz, a mandioca, a farinha, o ovo, o café, o leite, a fruta, a comida. O excedente, o mercado, o sal, o açúcar, o tecido, o calçado, a lida. A mãe, o pai, o filho, a família, a vida.

A produção, a comida; o excedente, a lida; a família, a vida. Esses, sempre foram os significados mais importantes da agricultura familiar que, teimosamente, sobreviveu ao tempo e aos senhores da razão. E, é esse o caminho mais que seguro para os filhos deserdados da terra. Uma volta ao passado, com passagem marcada para o futuro. A agricultura familiar é o caminho mais curto para o emprego, a renda, a inclusão social e a cidadania.

O Brasil tem mais de cinqüenta milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, trinta milhões de miseráveis, um imenso contingente de desempregados, no limite do incalculável, porque milhões ocultos ou disfarçados. Somente na cidade de São Paulo, já beiram dois milhões, pais ou mães de família, todos eles sem dia de pagamento. Somados os filhos, são seis, oito, ou dez milhões, outros tantos, sem meios de sustento.

Qual seria o melhor conceito de modernidade, a ser embutido na concepção de políticas públicas, para esses milhões de brasileiros? Pois bem, na minha concepção, ser moderno, para esse contingente de excluídos, é atingir os objetivos propostos, na perspectiva de um desenvolvimento sustentável nas suas múltiplas dimensões: econômica, social, política, cultural e ambiental. E, não há objetivo mais sublime, neste momento, do que devolver, a todos esses conterrâneos, os requisitos que os configurem como verdadeiros cidadãos, principalmente o trabalho e a inclusão social. Portanto, ser moderno não significa, apenas, utilizar-se da tecnologia mais sofisticada. Moderno é tudo aquilo que busca uma melhor qualidade de vida. Que modernidade é essa, por exemplo, num mundo em que mais de um bilhão de pessoas ainda passam fome? Pode ser chamado de mundo moderno, um planeta com mais de 1,5 bilhão de analfabetos? Assim, um programa de agricultura familiar, dadas as características do País, não significa uma volta ao passado, uma visão ultrapassada de mundo; ao contrário, se o objetivo é diminuir o fosso entre os dois Brasis, ele pode se constituir no melhor instrumento para se buscar a modernidade.

No caso da agricultura, o moderno foi considerado, nos últimos anos, o consumidor de pacotes tecnológicos, quase sempre ditados pelas multinacionais do setor. Nesta mesma linha, os agentes da assistência técnica foram forçados a uma adaptação longe, muitas vezes, da realidade local, e se transformaram em verdadeiros promotores da indústria de defensivos e fertilizantes. Esse tipo de modernização foge à natureza e à lógica da agricultura familiar. Ao contrário, ela é policultora e pluriativa, numa feliz combinação entre a produção de alimentos voltada para o consumo da família e/ou para o mercado, e o desenvolvimento de atividades não-agrícolas, como o artesanato, a indústria caseira de alimentos, o turismo rural, a prestação de serviços ligados à terra, o trabalho temporário externo e outros.

Essa pluralidade de trabalho na agricultura familiar propicia maior complementação de renda, manutenção da propriedade e uma modernização mais adequada às suas características. Além disso, esse segmento da agricultura é menos sensível às crises e, portanto, menos expulsor de trabalhadores. Estudos recentes dão conta de que a queda de 50% das receitas monetárias da agricultura familiar causam uma diminuição de, apenas, 5% da ocupação total das unidades produtivas.

Na atividade familiar, não há separação nítida entre trabalho e gestão do negócio. Isso significa que a direção das atividades é assegurada, diretamente, pelos próprios produtores. Isso leva a um uso mais intensivo e racional da terra. Para se ter uma idéia, na agricultura familiar, o valor da produção médio, por hectare, gira em torno de R$ 100, enquanto na agricultura patronal, não chega a R$ 50. Além disso, para se criar um novo emprego, bastam, apenas, 9 hectares, enquanto, na patronal, dadas as suas características, são exigidos cerca de 60 hectares. Um emprego gerado na agricultura familiar custa menos de R$ 10 mil, somados todos os custos dos fatores de produção, dispêndio sabidamente muito menor que na quase totalidade das outras atividades produtivas.

Acrescente-se a todas essas características da unidade familiar de produção, mais uma, ou, talvez, a mais importante: a própria questão que lhe empresta o título: a unidade familiar. É muito comum, principalmente nas regiões expulsoras de população, como no Nordeste brasileiro, a desagregação da família, pela saída, notadamente do pai, em busca de oportunidades de trabalho em outras regiões, principalmente naquelas de emprego temporário, nas monoculturas de café e de cana de açúcar. É um exemplo típico, como resultante deste processo, as chamadas “mulheres casadas, sem marido” que permanecem, para cuidar dos filhos e proteger o patrimônio, por mais singelo que ele seja. Por uma série de diferentes razões, nem todos esses trabalhadores retornam, aumentando o contingente das “viúvas da seca”. Na agricultura familiar, consolidam-se os laços de solidariedade, a partir da sedimentação das relações de família, de parentesco e de vizinhança. A divisão social do trabalho se dá a partir de interesses comuns, na família e na vizinhança. Portanto, esses laços são mais sólidos e, por que não, modernos, ao atingirem objetivos comuns. 

A agricultura familiar representa, no Brasil, 85% de todos os estabelecimentos rurais, e ocupa 30% da área total ocupada. O segmento mobiliza 60% dos trabalhadores na agricultura e é responsável por 38% do valor bruto da produção rural. Ela supera a agricultura patronal na colheita de produtos como carnes (suína e avícola), leite, ovos, batata, trigo, cacau, banana, café, milho, feijão, tomate, mandioca e laranja. Portanto, embora tamanha migração rural-urbana das últimas décadas, trata-se, ainda, de um setor de grande significado na produção e na geração de empregos, no País. Essa é a base sobre a qual se deve assentar um programa de agricultura familiar: nos elementos de sustentação que mantêm esses agricultores em atividade, apesar de todos os percalços que os pressionaram pelo abandono da terra e da atividade, ao longo de duas, ou três, décadas, principalmente.

Em Rondônia, a agricultura familiar assume importância ainda mais significativa. O Estado, como fronteira agrícola, teve sua ocupação baseada, principalmente, na pequena unidade de produção, através dos projetos de colonização oficial do INCRA, em áreas de 100 hectares. Isso permitiu uma configuração especial ao Estado, onde, segundo o IBGE, mais de 90% do número de estabelecimentos rurais, se enquadram nessa categoria de produtores, numa área que compreende 42% do total do Estado. Esses percentuais, para o País, são, respectivamente, 85% e 30%, média que incorpora regiões também colonizadas pela pequena unidade produtiva, em tamanhos ainda menores, dadas as condições edafoclimáticas locais. Mais do que isso, o Valor Bruto da Produção das unidades familiares rondonienses alcança 74% do total do Estado, o dobro da média nacional. Some-se, também, a participação do pessoal ocupado pela mão de obra familiar, que tangencia os 90%, contra 77% do Brasil.

Cabe, aqui, então, um silogismo. O Governo Federal tem como objetivo, explícito, resgatar o direito à cidadania para os milhões de brasileiros, pobres e miseráveis, desempregados e excluídos que, nem ao menos, realizam três refeições diárias, segundo o Presidente da República. A agricultura familiar é o segmento que produz alimentos, que mais emprega, que é menos sensível a crises, que é policultora e pluriativa, que requer menos investimento por hectare e por emprego gerado e é, por definição, um segmento que congrega a família em termos de objetivos específicos comuns. Rondônia tem uma das mais ricas experiências, em termos de ocupação através da agricultura familiar. O que lhe falta, ainda, é um incentivo maior na perspectiva de se agregar valor à sua produção agropecuária, que é predominante na economia de, praticamente, todos os municípios do Estado. Então, o Estado de Rondônia está, plenamente, habilitado para contribuir no sentido da realização do objetivo do Governo Federal, no resgate da cidadania dos milhões de conterrâneos abaixo da linha da pobreza e da miséria. Rondônia, portanto, pode se constituir, com vantagens, numa escala especial no caminho para o país moderno, enquanto igual, sem fosso. No Brasil mais justo e democrático, o caminho da roça pode passar por Rondônia.

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/09/2003 - Página 28097