Discurso durante a 125ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a unificação dos programas de transferência de renda.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Considerações sobre a unificação dos programas de transferência de renda.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/2003 - Página 28424
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, MOTIVO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ADIAMENTO, ANUNCIO, UNIFICAÇÃO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, TRANSFERENCIA, RENDA, ESPECIFICAÇÃO, NECESSIDADE, DEBATE, INICIATIVA, GOVERNADOR.
  • APOIO, DECISÃO, GOVERNO FEDERAL, UNIFICAÇÃO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, TRANSFERENCIA, RENDA, CONGRATULAÇÕES, GOVERNO, ESCOLHA, COORDENADOR, PROGRAMA, RENDA MINIMA.
  • LEITURA, PREAMBULO, AUTORIA, ORADOR, LIVRO, COORDENADOR, PROGRAMA ASSISTENCIAL, RENDA MINIMA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mão Santa, é sempre uma alegria dialogar com V. Exª, bem como com Senadores tão aplicados como os Senadores Jonas Pinheiro, Osmar Dias e Paulo Paim.

Hoje, seria feito o anúncio solene, por parte do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da nova coordenação, unificação e racionalização dos programas de transferência de renda, mas o Presidente, numa medida de precaução sábia, resolveu adiar o anúncio, porque percebeu que será muito melhor se houver, por parte do seu Governo, um diálogo de maior profundidade com os Governadores de Estado, com os Prefeitos e, sobretudo, com aqueles Governadores que já estejam aplicando programas de transferência de renda na forma de renda cidadã, de renda de cidadania, de bolsa-escola, programas de garantia de renda mínima e os mais diversos nomes que têm sido adotados, para que se permita a melhor coordenação efetiva. Quando for apresentada uma marca do programa, que ela não seja simplesmente a do Governo Federal, sem a devida atenção para com os Governos estaduais e municipais. Se a idéia for a de bem coordenar os três níveis de Governo, é preciso que haja a repartição das responsabilidades, do nome, do método e do desenho e que tudo isso seja muito bem pensado.

Embora já estivesse tudo pronto para o programa ser lançado hoje, avaliou o Presidente que, como os Governadores não haviam sido, sobre esse assunto, suficientemente consultados, seria melhor fazer um adiamento. Haverá uma reunião com os Governadores no próximo dia 30 de setembro, quando se marcará o dia da divulgação dessa nova sistemática.

Já se tem como certo que o Programa de Transferência de Renda Unificado levará em conta a coordenação dos seguintes programas, hoje vigentes: o Programa de Renda Mínima Associado à Educação, também conhecido como Bolsa-Escola; o Programa de Renda Mínima Associado à Saúde, também conhecido como Bolsa-Alimentação; o Programa Cartão-Alimentação, correspondente ao Fome Zero, que substituiu o Programa Bolsa-Renda; o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil; o Programa Auxílio Gás e, possivelmente, outros programas. O Programa Agente Jovem também foi levado em consideração, mas ele estará mais relacionado ao Programa Primeiro Emprego, que tem outro tipo de transferência de renda.

Quero assinalar, Sr. Presidente, que considero acertada a decisão de se coordenarem e unificarem os programas de transferência de renda. Trata-se de uma decisão correta na direção daquilo que tenho procurado defender, ou seja, de uma renda como direito à cidadania, que chamo de renda básica de cidadania ou, simplesmente, renda de cidadania.

Gostaria de também expressar o meu total acordo com a designação da Srª Ana Maria Medeiros da Fonseca - juntamente com o Secretário Executivo do Ministério de Bem-Estar Social, o Sr. Ricardo Henriques, que tem trabalhado junto à Ministra Benedita da Silva - para a coordenação desse novo programa de transferência de renda.

Há poucos dias, o Ministro José Dirceu ficou um pouco bravo comigo. Sua expressão foi a de que estava estarrecido com a minha observação relativa a critérios de nomeação, designação, não designação e afastamento de pessoas de determinados cargos da administração pública. Fiz uma observação de natureza pontual, mas considero corretos, Sr. Presidente, Senador Mão Santa, os critérios de designação quando reúnem os elementos de capacidade, conhecimento e experiência acumulada, que fazem com que aquela pessoa tenha todas as qualidades para bem exercer uma função. Segundo, que atenda inteiramente ao critério da idoneidade. Em terceiro lugar, que atenda aos propósitos de Governo do Presidente Lula.

Sr. Presidente, quero, neste momento, assinalar que a designação da Srª Ana Maria Medeiros da Fonseca, Ana Fonseca, constitui um exemplo de como bem atender a esses critérios.

Coincide que fui membro da banca de doutoramento da Srª Ana Fonseca, quando, no ano 2000, ela apresentou a sua tese, que, depois, foi transformada em um livro denominado Família e Política de Renda Mínima, que a Cortez Editora lançou em 2001.

Naquela oportunidade, resolvi, inclusive, escrever o prefácio de seu livro, de sua tese, com o seguinte nome: “Uma Apóstola da Boa Causa da Cidadania”.

Gostaria, Sr. Presidente - embora estejamos em outra época, em 2003 -, de reiterar o que escrevi como prefácio desse livro, para saudar a designação de Ana Fonseca.

Eis o meu prefácio, no livro publicado em 2001:

Ana Maria Medeiros da Fonseca é uma das mais importantes apóstolas da batalha pela garantia de uma renda suficiente para a existência digna de todas as pessoas em nosso país, e em cada um dos países deste planeta. Desde quando, ao final de 1994, morando em Campinas, tornou-se participante do grupo de pesquisas que passou a acompanhar a implantação do Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima daquele município, junto ao Núcleo de Políticas Públicas da Universidade Estadual de Campinas (NEPP/Unicamp), Ana Fonseca abraçou a causa com extraordinária vontade de verificar em que medida o projeto faria sentido na prática, qual seria seu melhor desenho, se não estava produzindo problemas que frustrariam os objetivos pretendidos, que lições poderiam ser apreendidas das experiências em outras localidades, no Brasil ou no exterior. Estudou a literatura disponível, e foi buscar as reflexões dos principais autores que estudaram os problemas sociais da família brasileira no passado. Até hoje, Ana Fonseca se encontra com a “mão na massa”, sem descuidar de estar sempre verificando as perspectivas de aperfeiçoamento da proposição.

Tal foi a dedicação e o entusiasmo de Ana Fonseca com o tema, refletidos neste trabalho aprovado com louvor e distinção unanimemente pela banca, no Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, que a Prefeita Marta Suplicy resolveu fazer-lhe um convite. Sobretudo depois de ela ter feito parte do grupo que estava estudando como implantar o Programa de Garantia de Renda Mínima em São Paulo, no Instituto Florestan Fernandes. Ela tornou-se a gestora do mesmo, em janeiro de 2201, trabalhando junto ao Secretário Márcio Pochmann, coordenador dos programas sociais.

Graças ao empenho de Ana Fonseca, e à determinação da Prefeita em cumprir seu compromisso, tem sido possível expandir o PGRM, cuja lei, de iniciativa do Vereador Arselino Tatto, (PT-SP), aprovada desde 1996 pela Câmara Municipal de São Paulo, só foi regulamentada em 05 de abril de 2001. Implementada de forma gradual, desde então, a Lei beneficia atualmente, em agosto de 2001, 30.800 famílias; a meta a ser alcançada é de 60.000 até o final do ano de 2001, passando para até cerca de 300.000, ainda na presente administração, de maneira a atender os potenciais beneficiários do município previstos na Lei.[Quero assinalar que, hoje, são 194.000 o número de famílias no maior Programa de Garantia de Renda Mínima municipal no Brasil.] Ana Fonseca contribuiu pessoalmente para se definir que, em primeiro lugar, fossem atendidas certas áreas da cidade, como Lajeado, Grajaú, Brasilândia e Cidade Tiradentes, onde se registravam os piores índices de renda per capita, de desemprego e de violência. Ela acompanhou de perto toda a sistemática de cadastramento e entrevistas com as famílias beneficiárias. Acertou com o Banco do Brasil o procedimento de como fazer os pagamentos dos benefícios através de cartões magnéticos. Dialogou com os representantes do Ministério da Educação e Cultura, do Governo Federal, bem como do Governo estadual, para verificar as possibilidades de coordenação dos programas de natureza semelhante pelos três níveis de governo. Ela tem estado continuamente preocupada em como operacionalizar uma sistemática para que o direito à renda mínima se torne uma realidade em nosso país.

Sua tese revelou sua imensa sensibilidade e capacidade de compreensão dos problemas relacionados ao PGRM. Na primeira parte, Ana Fonseca trata do debate sobre a família brasileira desde Nina Rodrigues, em 1894, passando por Sílvio Romero, em 1902, até Oliveira Vianna, Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda e outros, nos anos 1930. A preocupação com os valores, os costumes, a língua, a família, a identidade e a Nação, os movimentos migratórios, a possibilidade de os casamentos se darem entre pessoas das mais diversas origens, constituiu base importante para que os legisladores viessem a pensar em como providenciar o apoio necessário ao desenvolvimento dos seres humanos e da Nação. Diversos projetos foram apresentados no Congresso Nacional nos anos 1920, 30 e 40, visando conceder complementação de renda aos casais com filhos, abono familiar e formas de apoio à maternidade, à infância e à adolescência. Assim, por exemplo, o Decreto-Lei 3.200, de 1941, constituiu uma forma de abono familiar que guarda semelhança com o que veio a ser nos anos 1990 o PGRM.

Ana Fonseca trata desde a legislação - muito incompleta - ao desenvolvimento da idéia na literatura internacional, com reflexos no Brasil nos trabalhos de Antonio Maria da Silveira, Roberto Mangabeira Unger, Edmar Lisboa Bacha, José Márcio de Camargo, Cristovam Buarque e José Roberto Magalhães Teixeira dentre outros. Ao ler o livro de Ana Fonseca o leitor poderá conhecer como evoluiu a concepção de se garantir uma renda às famílias carentes para que suas crianças pudessem freqüentar a escola. Assim, se poderia evitar o trabalho infantil e contribuir para a quebra de um dos principais elos do círculo vicioso da pobreza.

Exatamente porque acompanhou de perto a implementação do PGRM em Campinas, conversando em profundidade com as pessoas beneficiárias, Ana Fonseca pôde nos dar uma análise rica de depoimentos de grande valor para os que estão pensando em como aprimorar os mecanismos e garantir cidadania, de fato, aos brasileiros. Por vezes temos visto entre os governantes, economistas e cientistas sociais o debate sobre qual a melhor maneira de proceder, se através de cestas básicas, cupons de alimentação ou uma renda na forma monetária. Se concedendo o direito à família ou à pessoa.

O episódio da senhora que, em Campinas, resolveu gastar os recursos que havia recebido do Programa de Garantia de Renda Mínima para adquirir uma dentadura provocou grande polêmica entre os responsáveis pelo programa. Quando ouviram, entretanto, que ela queria “ter a coragem de sorrir de novo” sem precisar tapar a boca, sem sentir vergonha, não tiveram mais dúvidas de que foi importante ela ter a liberdade de escolher no que iria gastar a sua renda. Afinal, com os dentes, também ela estava em melhor condição para conseguir um emprego, se alimentar melhor e ser amada.

Também relevante foi a preocupação de uma beneficiária do PGRM que, no salão vermelho da prefeitura de Campinas, ao receber o primeiro cheque, temeu ser vista pela televisão, pois seu ex-marido poderia ter alguma reação com respeito ao que deveria ser um direito incontestável. Ao detectar que muitas pessoas que deveriam também ter o direito à renda mínima estão ainda excluídas pelas restrições contidas nos diversos tipos de programas, Ana Fonseca torna clara a sua opção pelo PGRM pago à pessoa em vez de à família, como formulado no projeto de lei de minha autoria, aprovado pelo Senado em 16 de dezembro de 1991, mas até hoje aguardando sua votação pela Câmara dos Deputados.

Nos depoimentos colhidos por Ana Fonseca temos também elementos para a reflexão que está por ser feita com os beneficiários. Cada pessoa deve se sentir sem qualquer sentimento de vergonha e não sofrer qualquer estigma pelo fato de receber uma renda que deve ser universalizada. Como foi tão bem fundamentada por Thomas Paine em seu Justiça Agrária, apresentado ao Diretório e à Assembléia Nacional da França em 1975: toda a pessoa tem o direito de receber uma renda como uma compensação pela perda de sua herança natural decorrente da instituição da propriedade privada no país, na em que, originalmente, a propriedade da terra era comum a todos.

Ana Fonseca nos fala também de como os programas implantados no Distrito Federal, depois em Ribeirão Preto e demais cidades acabaram se espalhando pelo Brasil, repercutindo no Congresso Nacional e no Poder Executivo. De como têm evoluído o debate e as experiências no exterior a respeito, sobretudo, da proposição de uma renda básica incondicional, na medida do possível suficiente para as necessidades vitais, e crescente com o progresso do país, como um direito de todas as pessoas, não importando a sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou sócio-econômica. Trata-se de uma meta perfeitamente alcançável mas que, todavia, requer que venhamos a dar previamente os passos aqui analisados por quem, de fato, como Ana Fonseca, acredita em poder transformar ainda a triste realidade que caracteriza a vida de parcela tão significativa da população brasileira.

Acrescento, Sr. Presidente, que, por volta de outubro ou novembro de 2002, o então coordenador do Programa de Transição do Governo Lula, que assumiria no dia 1º de janeiro, certo dia telefonou-me, dizendo que a Prefeita Marta estava recomendando uma pessoa para ajudar no governo de transição, mas que o nome só poderia ser apreciado e aprovado se contasse com a minha aprovação. Perguntei quem era essa pessoa e ele me disse que era Ana Fonseca. Respondi: “Dez, com louvor, porque essa pessoa é extremamente qualificada”. Foi ela, então, quem ajudou o hoje Ministro da Fazenda, Antônio Palocci, desde dezembro a recomendar o que agora está-se realizando: a unificação desses diversos programas de transferência de renda.

Faço, também, uma sugestão da maneira mais construtiva, razão pela qual tenho procurado dialogar. Ontem, ainda, insisti com o Ministro José Dirceu, que é quem bate o martelo junto ao Presidente, na hora de definir os programas, o formato deles e as leis novas. É que precisamos estar pensando, Senador Jonas Pinheiro - V. Exª, que esteve na recente reunião da OMC -, que, quando o Brasil se preocupa que nos países desenvolvidos os governos provêem enorme subsídio aos agricultores daqueles países, é preciso que venhamos a entender que, nos Estados Unidos, no Reino Unido, nos países europeus, hoje, também, há programas de transferência de renda de enorme importância, que são feitos aos trabalhadores, às pessoas daqueles países. Isso significa que a comunidade, a sociedade desses países resolvem transferir renda para que os trabalhadores, além de seu trabalho, recebam um complemento de renda. Isso torna as suas economias relativamente mais competitivas em relação à nossa.

É importante que o Sr. Duda Mendonça, que está a definir junto com o Presidente Lula o formato e o nome do programa, leve em consideração que, no Congresso Nacional, já há uma reflexão acumulada, projetos de lei em andamento, inclusive projetos de emenda à Constituição, como a própria reforma tributária, que explicita que, a partir de agora, no Brasil, será instituído um programa de renda mínima para as pessoas e famílias carentes, prioritariamente iniciando-se pelas mais necessitadas, de maneira a garantir o seu direito à sobrevivência.

A comunidade norte-americana, Senador Jonas Pinheiro, transferiu no ano de 2002, em termos do crédito fiscal por remuneração recebida, nada menos do que R$32 bilhões para mais de vinte milhões de famílias. Todas aquelas famílias em que há pessoas que recebem uma remuneração que não atinge um determinado montante de renda anual passam a ter o direito de receber um complemento de renda como um direito à cidadania.

Isso é algo que deveria ser também objeto de análise por parte do Congresso Nacional, do Poder Executivo, na hora de definir qual o melhor desenho do novo programa de transferência de renda.

Creio que essa decisão de adiar a apresentação do programa é positiva e é a oportunidade, inclusive, para um novo exame do desenho e do nome do programa.

Muito obrigado, Sr. Presidente, e agradeço ao Senador Jonas Pinheiro pela atenção.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/2003 - Página 28424