Discurso durante a 125ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Aumento do desemprego no País. Análise da reforma tributária proposta pelo governo Lula.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Aumento do desemprego no País. Análise da reforma tributária proposta pelo governo Lula.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/2003 - Página 28451
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, PREFERENCIA, REMESSA, VERBA, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, AUSENCIA, PAGAMENTO, BENEFICIARIO, ANISTIA, MILITAR, SOLUÇÃO, PROBLEMA, DESEMPREGO, BRASIL.
  • COMENTARIO, PROPOSTA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, REFORMA TRIBUTARIA, FRUSTRAÇÃO, ELEITOR, INCOERENCIA, IDEOLOGIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), PREJUIZO, TRABALHADOR, PRIORIDADE, ATENDIMENTO, INTERESSE, GOVERNO, AUMENTO, CARGA, TRIBUTOS, DIFICULDADE, CRESCIMENTO ECONOMICO.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente, uma cobrança: os anistiados políticos do Brasil, principalmente os militares, estão reclamando o seu pagamento. Fazem um apelo ao Senado Federal para que cobre do Governo o pagamento atrasado e alegam que se o Governo tem dinheiro para emprestar para a Argentina, a Bolívia e o Paraguai, deve tê-lo também para pagar os miseráveis anistiados. E mais: ontem, o Governo brasileiro anunciou a remessa de R$400 milhões ao governo cubano. É evidente que isso provoca na população carente do Brasil, no mínimo, um enorme espanto.

O Governo de Lula, que prometeu gerar dez milhões de empregos no País, ao término deste ano, estará gerando um milhão de desempregos. O Governo de Lula, a manter-se o crescimento econômico previsto, no seu primeiro ano aumentará em um milhão o número de desempregados no País. É por isso que, há poucos dias, na cidade de Londrina, no Paraná, dezessete mil desempregados enfileiraram-se para disputar três vagas de coveiro no cemitério municipal, com salários de R$300,00.

Essa é a dramática situação brasileira e o nosso Governo se julga no direito de remeter R$400 milhões ao governo cubano, com o pretexto de retirar Cuba do isolamento imposto pelo governo norte-americano. Nada contra essa caridade, mas, evidentemente, faz-se caridade quando se tem condições. Oferecer recursos a um país estrangeiro, seja ele qual for, e deixar milhões de brasileiros à míngua, milhões de brasileiros desempregados, não me parece ser uma política de correção governamental. Aliás, Sr. Presidente e Srªs e Srs. Senadores, correção não me parece ser o forte do atual Governo.

As duas reformas propostas frustram, decepcionam e até revoltam. Eu diria que as duas, somadas, não fazem uma reforma, porque o País não se torna melhor com nenhuma delas. A meu ver, a reforma da Previdência contraria os interesses legítimos dos trabalhadores, inclusive com a violência a direitos adquiridos, que deveriam ser intocáveis, e esse sempre foi o discurso de Lula e de seu Partido.

A reforma da Previdência é devastadora para milhões de brasileiros aposentados, o que lamentamos profundamente. Dogmas fundamentais que sustentaram a bandeira petista ao longo do tempo são sepultados, implacavelmente, em apenas oito meses de Governo.

A reforma tributária é uma brincadeira com o sistema tributário, como diz Maílson da Nóbrega. Não é um oposicionista quem o afirma. Ao contrário, Maílson da Nóbrega tem sido muito condescendente com o Governo de Lula e tem tido uma enorme boa vontade com as ações governamentais.

Ele, que foi Ministro da Fazenda e, a meu ver, excepcional no que diz respeito à contenção do déficit público, coloca alguns pontos fundamentais que destróem as afirmativas governamentais de que essa reforma vem para promover a justiça fiscal e o desenvolvimento do País. Ao contrário, essa é uma reforma inibidora do crescimento econômico.

Maílson da Nóbrega cita alguns pontos que quero registrar:

- as alíquotas interestaduais, hoje de 7 ou 12%, serão gradativamente reduzidas a apenas uma de 4%;

- o Estado de origem arrecadará esses 4%, ficando o Estado de destino com 14% ou mais;

- nas vendas interestaduais, não será compensado o valor pago nas operações anteriores; e

- o livro do ICMS registrará créditos de 7, 12, 18% ou mais, e débito de apenas 4%. Além disso, a cobrança poderá ser feita no Estado de origem, o que agravará a situação dos exportadores que acumulam crédito de ICMS nas compras de matérias primas, partes e componentes, pois os fornecedores de outros Estados passarão a recolher 18% ou mais em lugar dos atuais 7 ou 12%.

O que o ex-Ministro Maílson da Nóbrega diz é que essa reforma tributária não organiza o sistema; ao contrário, desorganiza-o e provoca um enorme desequilíbrio. Segundo ele, a reforma piorará o sistema tributário e introduzirá perversos efeitos microeconômicos que diminuirão o potencial de crescimento do País e de geração de bem-estar. As empresas tenderão a guiar-se mais pelo planejamento tributário do que por fatores vocacionais, o que inibirá a geração de ganhos de produtividade.

Esses e outros efeitos negativos são claros nessa proposta do Governo. Aliás, se os riscos forem percebidos, o Senado deve acolher basicamente a prorrogação da CPMF e da DRU, e, claro, maiores transferências para Estados e Municípios,o que aumentará a rigidez orçamentária. Aliás, o que deseja o Governo é realmente a definição da CPMF como um imposto definitivo e permanente, e evidentemente ele está muito preocupado em estabelecer a DRU como também definitiva.

O Senado não deve aceitar transformar a reforma tributária numa ação de interesse do Governo apenas em relação a esses dois tópicos.

Já que o Governo não aceita a inteligente proposta apresentada pelo PSDB na Câmara dos Deputados, por intermédio do Deputado Luiz Carlos Hauly, creio que seria mais prudente se encerrasse essa discussão, sepultasse esse projeto e retomasse a discussão em outros termos, porque é evidente que assim que essa reforma for promulgada, imediatamente a Nação perceberá que ela foi um engodo, que não alcançou as expectativas maiores da sociedade e o apelo estará presente, outra vez, por reforma tributária.

Não há dúvida de que o modelo tributário tem que ser um instrumento capaz de distribuir renda, gerar empregos e promover desenvolvimento com justiça social. Para isso, a proposta do Governo deveria levar em conta a imprescindível necessidade de se desonerar a produção, mas ela não o faz, embora o discurso do Governo seja esse. O que espanta mais é o cinismo governamental de repetir as teorias de sempre, mas que se chocam frontalmente com a prática, com os resultados que advirão dessa proposta de reforma tributária.

O Presidente da República diz que seria uma insanidade aumentar a carga tributária, mas a proposta aumenta a carga tributária e ninguém do Governo, até hoje, conseguiu convencer quem quer que seja que essa proposta não aumenta a carga tributária. Os números estão estampados em todas as declarações dos especialistas: há um aumento de carga tributária de 36 para 40% do PIB. Isso será inegável e irreversível se essa reforma se concluir dessa forma.

Mas não ficamos nisso. Há, ainda, a hipótese de um aumento da carga tributária superior, em função das válvulas que se colocam à disposição de Municípios e Estados, que poderão reajustar alíquotas na cobrança de determinados tributos.

Portanto, Sr. Presidente, essa reforma tributária é, no mínimo, mais que isso, é quase um embuste que se tenta empurrar à opinião pública brasileira.

O País viu o Presidente Lula vangloriar-se de aprovar em pouco tempo duas reformas importantes. Mas de que vale a pressa se as reformas não reformam, se as reformas não melhoram o País, se elas não solucionam o drama nacional do subdesenvolvimento?

É inegável que estamos vivendo um momento recessivo no Brasil.

A reforma da previdência deveria ser um instrumento que permitisse ao Governo promover distribuição de renda, como prometeu durante 23 anos. A reforma tributária deveria restabelecer o equilíbrio fiscal, promover a justiça fiscal, permitir uma distribuição eqüitativa dos recursos entre os entes federativos, desonerar a produção para possibilitar crescimento com geração de emprego e justiça social. Mas nada disso o Governo alcança.

E, ao lado disso, sepulta um outro dogma do PT, que combateu duramente a política do Fundo Monetário Internacional. O PT combateu implacavelmente todas as políticas impostas pelo Fundo Monetário Internacional. Chegava mesmo a radicalizar, pregando o calote na dívida externa do País. Mas, no Governo, o PT é diferente: abraça-se ao FMI, acocora-se diante das imposições do Fundo Monetário Internacional, aceita, comportadamente, todas as imposições do Fundo Monetário Internacional e inibe o crescimento econômico do nosso País.

Não há exemplo, na história do mundo, de país que tenha alcançado crescimento econômico, compatível com a sua necessidade, atrelado às políticas impostas pelo Fundo Monetário Internacional. É evidente que o País dependeria do Fundo em determinado momento. Inevitável seria atrelar-se às regras do Fundo Monetário Internacional em fase difícil da economia do País. Mas, obviamente, não se admite que esse atrelamento seja definitivo. Não há nenhuma hipótese - repito - de crescimento econômico, geração de emprego, distribuição de renda e justiça social aceitando-se as imposições do Fundo Monetário Internacional.

É por isso que fica a impressão - se nos lembrarmos do discurso de Lula e do PT - de que o PT se elegeu na Argentina e não no Brasil. Na Argentina, sim, o Governo reagiu, resistiu, enfrentou, pagou para ver e ganhou. Impôs a sua alternativa e não aceitou a alternativa imposta pelo Fundo Monetário Internacional. Assim deveria agir o Governo brasileiro.

Não basta o discurso. O que nos está assustando e, sobretudo, decepcionando é o cinismo da manutenção do discurso de ontem, mas sem o cuidado de estabelecer o paralelo necessário na prática que se adota na execução das políticas governamentais no Brasil. Teremos ainda muito tempo para discutir a reforma tributária e um pouco mais de tempo para discutir a reforma da previdência. Mas, certamente, elas passarão para a história como os instrumentos que determinaram o sepultamento de alguns dogmas fundamentais que sustentaram o prestígio do PT durante muitos anos neste País.

O PT não é mais o mesmo Partido, está desfigurado. O PT, no Governo, não é sequer o arremedo do PT na Oposição. Perdeu brilho, perdeu a sua irreverência, perdeu determinação, autenticidade. Não é mais sincero, escamoteia a verdade, adota a mesma prática política que sempre condenou: a da politicagem na nomeação dos integrantes de cargo público. Engordou a máquina burocrática de forma fantástica, criando Ministérios e cargos de confiança para atender derrotados vitoriosos do seu Partido nas eleições nacionais e estaduais. Portanto, esse não é o Partido da esperança.

É preciso dizer ao Brasil: não há como ignorar que esse descrédito generalizado que campeia no País em relação às instituições públicas, partidos políticos e políticos de forma geral é um descrédito crescente exatamente porque os exemplos atuais também decepcionam e frustram.

Não sei como o povo brasileiro poderá, nas próximas eleições, acreditar em quem quer que seja. A palavra fácil da campanha eleitoral é prontamente esquecida quando o eleito assume o poder. Os compromissos assumidos são, de forma radical, esquecidos.

Ainda ontem, desta tribuna, apresentei algumas afirmativas petistas de ontem, estabelecendo paralelo com a prática petista de hoje. É uma frustração.

É preciso que a população brasileira, durante a campanha eleitoral, reflita muito mais sobre o que aquele que postula o voto fez no exercício do mandato que exerceu do que em relação àquilo que ele promete para o futuro, porque o que se tem visto é, lamentavelmente, o cinismo de quem governa de costas voltadas para os compromissos assumidos e para a população que o elegeu.

Os sonhos acalentados durante muitos anos pelos brasileiros, que apostavam num Governo reformador, transformista, são sonhos, hoje, sepultados em muito pouco tempo. O Governo não muda. O Governo atual não reforma, não transforma; lamentavelmente, mantém práticas esclerosadas, superadas, sustentando a mesma política que promove a descrença na população brasileira.

Esperamos, Sr. Presidente, já que ainda há tempo, que o Governo corrija os seus rumos. Esperamos que o Presidente Lula, que tem uma história fantástica de persistência, de determinação, de sofrimento, de humilhação até, como excluído que foi, para se tornar Presidente da República, esperamos que Sua Excelência, em nome dessa magnífica história, possa determinar a mudança de rumo, enquanto é tempo, em favor do nosso País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/2003 - Página 28451