Discurso durante a 126ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a agenda internacional do Presidente Lula nos nove meses de Governo. Protecionismo de países estrangeiros que prejudicam a produção do Brasil, especialmente os Estados Unidos da América e a União Européia.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Considerações sobre a agenda internacional do Presidente Lula nos nove meses de Governo. Protecionismo de países estrangeiros que prejudicam a produção do Brasil, especialmente os Estados Unidos da América e a União Européia.
Aparteantes
José Jorge.
Publicação
Publicação no DSF de 23/09/2003 - Página 28546
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, VIAGEM, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXTERIOR.
  • ACUSAÇÃO, UNIÃO EUROPEIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CONCORRENCIA DESLEAL, DUMPING, PROTECIONISMO, CONCESSÃO, SUBSIDIOS, AGRICULTURA, PREJUIZO, EXPORTAÇÃO, BRASIL.
  • APOIO, CONDUTA, GOVERNO BRASILEIRO, POLITICA EXTERNA, COMERCIO EXTERIOR, DEFESA, INTERESSE NACIONAL, ELOGIO, ATUAÇÃO, DIPLOMACIA, REUNIÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, NECESSIDADE, MANUTENÇÃO, POSIÇÃO, BRASIL, NEGOCIAÇÃO, AMBITO INTERNACIONAL.
  • NECESSIDADE, RESPEITO, PAIS, SITUAÇÃO, RIQUEZAS, RELACIONAMENTO, INTERCAMBIO COMERCIAL, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, PAIS SUBDESENVOLVIDO.
  • QUESTIONAMENTO, VIAGEM, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, a agenda internacional do Presidente Lula, nesses nove meses, superou de longe, superou com muita folga a do seu antecessor, o Presidente Fernando Henrique Cardoso. E durante a campanha eleitoral, o Presidente Lula e os petistas de forma geral não pouparam o Presidente Fernando Henrique Cardoso em razão de suas viagens ao exterior.

Lula começou seu périplo em Nova Iorque, passou pelo México e foi até a Ilha de Fidel Castro. Não importa que as críticas contra o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso tenham sido feitas. O périplo do Presidente Lula é tão importante para o País quanto as viagens do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso o foram. Não me espanta que o Presidente Lula viaje para tratar de assuntos do interesse do nosso País; afinal o Brasil não pode viver enclausurado. O que me espanta é o fato de não entenderem que as viagens do ex-Presidente também tinham a mesma importância.

Senadores Mão Santa e Eduardo Siqueira Campos, o nosso País continua sufocado pela política cínica, egoísta, prepotente e arrogante e, sem dúvida, pouco inteligente que é imposta pelas grandes nações, o que compromete extraordinários mercados de consumo, e, estando comprometidos, certamente contrariarão os interesses dos países ricos, especialmente os da União Européia. O Mercado Comum Europeu, nosso principal parceiro, adota uma política de protecionismo, de barreiras alfandegárias e não alfandegárias, de subsídios à agricultura e de dumping, o que nos prejudica de forma contundente.

A voracidade das nações ricas coloca obstáculos ao processo de desenvolvimento econômico de nações subdesenvolvidas como a nossa. É preciso aproveitar o périplo do Presidente Lula, suscitando este debate para recolocar a discussão na ordem do dia.

Há uma concorrência desleal no que diz respeito à comercialização de produtos e um protecionismo para dentro, impedindo o ingresso de produtos de países estrangeiros, o que sacrifica, sobretudo, a produção agrícola do nosso País, principalmente quando se trata do Mercado Comum Europeu - obviamente sem excluir os Estados Unidos da América do Norte. Em relação à grande Nação americana, a siderurgia é o grande entrave para o Brasil. Aliás, é bom dizer que, amparados das melhores teorias econômicas, as grandes nações propalam os princípios do livre comércio, mas, na verdade, não os praticam.

Nos Estados Unidos, por exemplo, as grandes empresas siderúrgicas tomam como verdade o falso conceito de que o Brasil pratica dumping em relação ao aço. Ora, se vendemos o produto por preços inferiores aos praticados por eles, é porque, neste caso, somos melhores do que eles, já que, em matéria de siderurgia, apresentamos competência superior e temos algumas vantagens, como a proximidade entre nossas fábricas e as jazidas e uma matéria-prima de excepcional qualidade. Portanto, não praticamos o dumping, apenas competimos, porque, com competência, produzimos com qualidade, eficiência e podemos oferecer por melhores preços.

Concedo um aparte, com prazer, ao Senador José Jorge.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Meu caro amigo, Senador Alvaro Dias, eu gostaria de me congratular com V. Exª pelo pronunciamento que faz hoje aqui nesta Casa e também de dizer-lhe que esta é uma luta que o Brasil vem realizando já há algum tempo, no sentido, principalmente, de diminuir os fortes subsídios agrícolas que ainda existem nos países de Primeiro Mundo. Essa luta, Sr. Senador, que V. Exª, natural de um Estado que apresenta uma das melhores agriculturas do Brasil, o Paraná, vem acompanhando e que não começou agora, no Governo Lula. Na verdade, ela vem de algum tempo. Não só o Brasil, mas também outros países em desenvolvimento vêm lutando, na OMC e em todos os fóruns, para fazer com que os subsídios agrícolas possam baixar a níveis razoáveis que permitam que sua agricultura possa concorrer cada vez mais. Hoje temos uma excelente produtividade em muitos segmentos. Darei somente o exemplo do açúcar, para o qual temos um custo de cento e setenta dólares por tonelada, enquanto que a União Européia tem um custo de seiscentos dólares por tonelada, exportando o açúcar por cento e setenta dólares. Portanto, eles subsidiam praticamente o preço do produto. Essa é uma luta que vem ocorrendo nos fóruns internacionais há muitos anos e que tem o Brasil à frente. Às vezes consegue-se uma vitória aqui, tem-se uma derrota ali. Mas não podemos dizer que é a luta de um Governo. Se lermos os jornais, verificaremos que essa luta - parece - começou agora no encontro de Cancun. Não, não é verdade. Essa luta já existe, ela é da diplomacia brasileira, do País, dos agentes econômicos, dos exportadores e de todos aqueles que conseguiram essa melhoria da produtividade da agricultura. Assim, não devemos dar o mérito a esse ou àquele governo, mas, sim, a essas pessoas e ao País como um todo.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Sem dúvida, Senador José Jorge. Com a lucidez de sempre, V. Exª destaca a importância do apoio. Somos oposicionistas, mas neste momento queremos oferecer o apoio da lealdade intransigente ao Presidente na luta em favor dos interesses nacionais. É claro que temos as nossas especialidades. Se os Estados Unidos são especialistas em tecnologia e produção industrial, o Brasil vai se tornando cada vez mais competitivo na produção agrícola. E são, obviamente, os subsídios praticados na Europa e nos Estados Unidos - US$1 bilhão por dia de subsídio à agricultura - que provocam tremendo impacto na economia nacional e impedem que a agricultura brasileira se torne ainda mais próspera, mais rica, mais produtiva e capaz de alimentar um mundo tão carente de alimentos necessários.

Se desejamos estabelecer a paz no mundo, devemos começar pelo pacto de crescimento. O pacto de crescimento é o caminho para a paz. As decisões internacionais devem ser democratizadas em favor dos países em desenvolvimento. É preciso rever a política de financiamento desses países, atualmente incompatível com a realidade dessas nações. É necessário fazer crescer o fluxo de capitais do sistema financeiro internacional para os países em desenvolvimento. Os recursos do sistema financeiro internacional transferidos a esses países já chegaram a 14%. Mas houve uma queda brutal. No ano passado, o percentual estava ao redor de 7%, o que é muito pouco. É preciso redimensionar a fim de recuperar a remessa de recursos para os países em desenvolvimento como forma de alavancar o desenvolvimento de nações cujo mercado interessa, sim, aos países mais ricos. E não há dúvida de que a preocupação do Presidente Lula deve ser, sobretudo, com a agricultura brasileira. Para as nações importantes, a agricultura é questão de segurança nacional, porque tem um peso social imenso. É questão de segurança alimentar, diz respeito a desenvolvimento econômico, tem uma relação estreita com o meio ambiente, com a biodiversidade, com o “efeito estufa”, com a qualidade da água. É a agricultura que fornece matéria-prima para a indústria e alimentos acessíveis à população do mundo. Portanto, são razões para o protecionismo que se pratica em relação à agricultura. Não é sem razão que as nações poderosas praticam esse protecionismo. E é evidente que não podemos condenar as nações ricas porque subsidiam a sua agricultura. Elas têm autonomia e devem fazer o que melhor lhes aprouver. No entanto, devemos defender uma relação comercial de respeito. O tratamento que oferecemos aos produtos que importamos da Europa, dos Estados Unidos, do Japão e da China é o tratamento que queremos que ofereçam aos produtos que exportamos. Se essa regra for estabelecida e for considerada, certamente o nosso País será vitorioso nessas tratativas, que, como diz o Senador José Jorge, não vêm de hoje, não nasceram agora com este Governo, mas que já vêm alimentadas pela diplomacia brasileira, com maior ou menor competência nesse ou naquele Governo, com menor ou maior ousadia. E, aliás, creio que cabe aqui cobrarmos, agora, do Presidente Lula ousadia maior no trato dessa questão com as nações ricas do mundo.

Aproveito, Sr. Presidente, os minutos que me restam para fazer algumas considerações sobre os fatos atuais, pós-Cancun.

É inegável que a postura adotada pelo Brasil, na última reunião da Organização Mundial do Comércio, realizada em Cancun, arregimentando dezenas de países em desenvolvimento contra o protecionismo, exige redobrada persistência e habilidade de nossa diplomacia, porque, obviamente, ela encontra resistência por parte dos países poderosos. As repercussões desse encontro são visíveis. O Brasil conseguiu irritar diversos países ricos, cujos representantes não têm poupado em atribuir ao Brasil a responsabilidade pelo fracasso da reunião. Atribuem ao Brasil esse fracasso da reunião, e é bom fazer justiça, porque o nosso País teve a ousadia de fazer valer as suas reivindicações mais caras, como conseqüência das suas aspirações maiores de se estabelecer um relacionamento de respeito entre os países em desenvolvimento e os países desenvolvidos.

Uma estratégia de atuação diplomática, consubstanciada numa ofensiva para impedir o impasse em torno das propostas sobre redução de tarifas e subsídios agrícolas, um dos pontos controversos e inconclusos das negociações travadas no México, deveria mobilizar o Itamaraty. Em círculos diplomáticos empresariais norte-americanos, a postura brasileira em Cancún tem sido avaliada como uma espécie de “retorno aos anos 70”, quando o mundo era regido por ideário “terceiro-mundista”. Querem nos imputar novamente o rótulo de “terceiro-mundistas”, uma forma de fugir à responsabilidade de discutir um assunto dessa importância com altivez e respeito.

Precisamos empreender esforço conjunto no sentido de pautar a nossa política externa pela maturidade e inteligência, sem permitir o reavivamento de mitos ideológicos anacrônicos. O mundo de hoje possui contornos bem diferentes daqueles de 30 anos atrás, e nós sabemos disso. A luta para fazer prevalecer nos fóruns multilaterais teses mais favoráveis aos países exportadores agrícolas é legítima! Contudo, deve ser conduzida sem arroubos retóricos, sem mostras de pragmatismo excessivo e, o que é importante destacar, com a verdade. Do atual Governo, estamos aprendendo o que não se deve fazer em matéria de falta de sinceridade: o que diz o Governo não é o que faz o Governo.

Esperamos que nesse assunto de transcendental importância para a economia brasileira, o Governo do Presidente Lula assuma uma postura de sinceridade, fazendo realmente aquilo que diz, porque a Nação vai se cansando de ouvir, e a conseqüência é a frustração. O que se diz não se sustenta, o que se diz não é o que se faz. O que se diz, com orientação talvez do marketing político, é com o objetivo de sustentar a popularidade do Presidente da República. Diz-se o que muitas vezes não corresponde à verdade, na esperança de que a popularidade do Presidente da República, ainda alta, sustente-se. Certamente, como castelos construídos na areia, a popularidade do Presidente será devastada pelos vendavais da intolerância popular se não souber o Governo conduzir-se com retidão, correção e competência, porque gerou enorme expectativa neste País.

Merece registro, sim, o esforço diplomático brasileiro da gestão anterior, quando conquistamos, por exemplo, o reconhecimento internacional de que é legítimo quebrar patentes de medicamentos em caso de emergências sanitárias, como a epidemia da Aids. E nesse ponto o Ministro José Serra teve papel relevante para que o Brasil pudesse estabelecer parâmetros em relação a um assunto de tanta importância e que diz respeito à saúde do povo brasileiro.

É uma incógnita o que norteará a presença do Presidente Lula em Cuba. Aliás, surpreende-nos ter o Presidente Lula agendado uma visita a Cuba exatamente no momento em que o Presidente Fidel Castro atua fortemente contra os direitos humanos.

O Presidente Lula, como líder nacional de um país como o nosso, tem enorme responsabilidade nesse contexto. A defesa dos direitos humanos é preliminar básica para a conquista da credibilidade internacional para qualquer líder de qualquer nação do mundo. Obviamente o Presidente Lula chegará a Cuba e será questionado pela imprensa internacional. A solidariedade de Sua Excelência é dirigida ao presos políticos ou ao mandante das prisões? Eis a questão que certamente deve preocupar o Presidente Lula nesse seu périplo pelo exterior.

Temos consciência de que o Brasil procurou evitar uma condenação pura e simples do regime de Fidel Castro e posicionou-se de forma equilibrada no jogo geopolítico da região. Mas obviamente o fato de adotar o Brasil uma postura equilibrada não o exime da responsabilidade de condenar agressões aos direitos humanos como as praticadas pelo Governo cubano.

Como alerta o cientista político Fernando Luiz Abrucio: “o pragmatismo dos meios não pode ignorar o idealismo dos fins”. É incontornável, Lula não poderá evitar o tema dos presos políticos cubanos. Um país que busca conquistar uma cadeira no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas deverá balizar sua atuação diplomática com muito equilíbrio. Repito: a defesa dos direitos humanos no cenário internacional é condicionante do prestigio que pode ou não adquirir um governante.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/09/2003 - Página 28546