Discurso durante a 126ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Participação em debate sobre a reforma tributária em Santa Catarina, no último final de semana, com a presença do Deputado Virgílio Guimarães. Justificativas para apresentação de projeto de lei que amplia o direito de voto dos brasileiros no exterior.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA. POLITICA EXTERNA.:
  • Participação em debate sobre a reforma tributária em Santa Catarina, no último final de semana, com a presença do Deputado Virgílio Guimarães. Justificativas para apresentação de projeto de lei que amplia o direito de voto dos brasileiros no exterior.
Aparteantes
Valdir Raupp.
Publicação
Publicação no DSF de 23/09/2003 - Página 28559
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, VIRGILIO GUIMARÃES, DEPUTADO FEDERAL, COMUNIDADE, EMPRESARIO, DEBATE, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), REFORMA TRIBUTARIA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, AMPLIAÇÃO, DIREITOS, VOTO, BRASILEIROS, SITUAÇÃO, EMIGRAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.
  • LEITURA, TRECHO, ESTUDO, AUTORIA, PROFESSOR, UNIVERSIDADE FEDERAL, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), COMPROVAÇÃO, EMIGRANTE, NACIONALIDADE BRASILEIRA, RESIDENCIA, EXTERIOR, INVESTIMENTO, RECURSOS FINANCEIROS, BRASIL, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO, PAIS.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), SUPERIORIDADE, REMESSA, DOLAR, BRASIL, EMIGRANTE, NACIONALIDADE BRASILEIRA, EXTERIOR, COMPARAÇÃO, INFERIORIDADE, VOLUME, MOEDA ESTRANGEIRA, OBTENÇÃO, EXPORTAÇÃO, PRODUTO NACIONAL.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Senadores que estão nesta segunda-feira acompanhando a sessão do Senado, nesse final de semana tive a oportunidade de conviver durante um bom período com o Deputado Virgílio Guimarães, que, muito gentilmente, nos brindou com um dia de visita em Santa Catarina, onde realizamos várias atividades perante setores empresariais e comunitários de diversas cidades e também fizemos contatos com a imprensa.

Pudemos nesse convívio ter uma noção mais clara, mais detalhada do que consta da reforma tributária aprovada em segundo turno na Câmara. Com certeza, como tenho tido a oportunidade de registrar aqui da tribuna, ela irá tomar conta dos corações e das mentes das Senadoras e Senadores porque, indiscutivelmente, o debate sobre a reforma tributária é apaixonante, já que inclui inúmeros interesses contraditórios por si mesmos e divergências a respeito da concepção de cada Senador, cada Senadora sobre o sistema tributário brasileiro e o que precisa ser aperfeiçoado.

Queria deixar de público o nosso agradecimento ao Deputado Virgílio Guimarães, uma das pessoas que teve nesse último período uma das tarefas mais difíceis, qual seja a de relatar a reforma tributária na Câmara. Ele ainda nos brindou com uma boa parte do seu tempo nesse final de semana, promovendo esse debate em nosso Estado.

Venho à tribuna hoje para registrar a entrada na Casa amanhã de um projeto de lei razoavelmente simples, singelo até, mas que, para aqueles cujos familiares vivem fora do Brasil, tem importância significativa.

Há no Estado de Santa Catarina um município onde existe um percentual elevadíssimo de famílias que têm parentes vivendo fora do Brasil. E essa não é uma situação exclusiva de Santa Catarina, pois ocorre também no Paraná, em Minas Gerais, ou seja, é crescente o número de brasileiros que nas últimas três décadas saíram do Brasil para tentar a sorte fora do nosso País, para trabalhar, para estudar, para encontrar uma alternativa. Esse fluxo crescente começou na década de oitenta, teve seu pico na metade da década passada e ainda é extraordinário, significativo.

O projeto que apresentaremos tem o objetivo de ampliar a cidadania desses brasileiros que vivem no exterior. Eu queria aqui argumentar a necessidade de tal ampliação da cidadania com um material que me foi preparado pela professora Gláucia de Oliveira Assis, professora do Centro de Ciências da Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina, que em sua tese de doutorado tratou exatamente da situação dos brasileiros que vivem fora do Brasil.

Lerei os principais trechos do texto que S S.ª preparou, que é bastante elucidativo.

A emigração de brasileiros para o exterior é um fenômeno que, desde meados da década de 80, no final do século XX, inseriu o Brasil nos novos fluxos internacionais de mão-de-obra. Esse novo movimento da população brasileira, que se iniciou com um movimento esporádico nos anos 70, foi-se constituindo num fluxo demograficamente significativo. Segundo levantamento realizado pelo Ministério das Relações Exteriores junto aos órgãos consulares, a estimativa é de 1,5 milhão de brasileiros que vivem no exterior, que se dirigem para três países em sua maioria: 598.526 nos Estados Unidos, portanto, 38,36%; 460.846 no Paraguai, 29,54%; e 201.139 (12,89%) para o Japão.

Ao longo desses anos, os brasileiros residentes no exterior foram construindo múltiplas relações econômicas, culturais e familiares, que sugerem que esses migrantes, mesmo ausentes no exterior, continuam em contato com suas cidades de origem. Esse contato se traduz em investimentos nas cidades de origem que movimentam o comércio local, notadamente a construção civil, e também fazem surgir microempresas movimentadas pelos dólares que os familiares recebem. Tais investimentos têm movimentado a vida de cidades que se tornaram ponto de partida de emigração, como Governador Valadares, em Minas Gerais, Criciúma, em Santa Catarina ou Maringá, no Paraná, cidades que, ao longo das últimas décadas, construíram múltiplas relações entre a sua cidade de origem e a de destino. Esses investimentos demonstram que os migrantes têm projeto de retornar ao País e que se mantêm em contato com ele. Somadas as remessas enviadas para manter os familiares que permaneceram no País, os investimentos representaram, em 2002, a entrada de US$2.6 bilhões no País.

Aliás, a Folha de S.Paulo, no dia 18 de agosto, trouxe exatamente uma reportagem falando dessa remessa de dólares de brasileiros que vivem no exterior para o Brasil. Só para dar a dimensão, só dois produtos brasileiros de exportação superam a entrada de dólares dos remetidos pelos brasileiros vivendo no exterior. Apenas as exportações de minério de ferro, da ordem de US$3,049 bilhões, e de soja, da ordem de US$3,031 bilhões, superaram o valor das remessas de dólares das pessoas que vivem fora do Brasil. Portanto, as vendas de aviões da Embraer, por exemplo, tão propaladas, já resultam em remessas de dólares inferiores à dos brasileiros que vivem no exterior, que foram da ordem de US$2,335 bilhões no ano passado. Portanto, menor do que os US$2,6 bilhões que os brasileiros vivendo no exterior mandaram para o Brasil.

A importância das remessas e os laços que os migrantes mantêm com o Brasil apontam para a necessidade de que se reconheçam esses migrantes não como migrantes temporários ou permanentes, mas como transmigrantes. Os emigrantes passam a ser chamados de transmigrantes, quando desenvolvem e mantém múltiplas relações - familiares, econômicas, sociais, organizacionais, religiosas e políticas - que ampliam as fronteiras, colocando em inter-relação o global e o local.

O enfoque transnacional enfatiza a emergência de um processo social que cruza fronteiras geográficas, culturais e políticas.

Com relação a isso, cabe destacar que países como Portugal e Itália, interessados em ampliar a cidadania para além dos limites de seus territórios, pois têm longa tradição de emigração, concederam direitos políticos a seus cidadãos residentes no exterior, bem como aos seus descendentes. Dessa forma, não apenas os migrantes são considerados transmigrantes, mas os Estados ampliam as suas fronteiras políticas.

No caso do Brasil, à medida que o fluxo de brasileiros para o exterior se consolida e os contatos com o Brasil criam esse campo de relações transnacionais, coloca-se a questão de ampliar a participação política dos emigrantes, pois o caráter transnacional da migração passa pelo campo político. Nesse sentido, embora o movimento migratório seja demograficamente significativo e tenha um impacto econômico e social nas cidades de origem dos fluxos, os brasileiros residentes no exterior foram, até meados da década de 90, invisíveis para o Parlamento. Há poucas políticas públicas voltadas para atender a essa população. Mesmo nas cidades citadas até recentemente não havia, por parte do Poder Público, ações voltadas para atender a esses emigrantes.

A visibilidade da emigração se deu a partir das denúncias de discriminação veiculadas pela mídia: dentistas impedidos de exercer sua profissão em Portugal; dekasseguis explorados no Japão; a juventude de Governador Valadares, de Minas Gerais, arriscando-se a cruzar a fronteira com os Estados Unidos.

Uma evidência da pouca representatividade dessa questão foi demonstrada por Sprandel, em 2001, ao apresentar a listagem dos projetos que tramitavam no Congresso Nacional em 2000 sobre brasileiros no exterior. Segundo Sprandel, a escassez e pouca abrangência dos mesmos demonstram que o acesso de diversos segmentos de brasileiros no exterior ao campo político ainda é incipiente. Sprandel destacou, ainda, que a ampliação do direito ao voto poderia aumentar o poder político dos imigrantes legais, como é o caso dos dekasseguis. No entanto, gostaria de destacar que os imigrantes que residem no exterior, uma vez que se cadastrem nos consulados, votam independente do status migratório. Assim, sendo grande parte dos emigrantes brasileiros indocumentados, ou seja, que não têm documento, que não estão legalizados no País, terão a ampliação do direito ao voto. Essa seria uma maneira de aumentar o poder político desses imigrantes que teriam, por meio do voto, uma forma de pressão para a defesa dos direitos dos brasileiros residentes no exterior. Portanto, a ampliação do direito ao voto dos imigrantes brasileiros, para o Governo e o Senado, pode contribuir para que se mantenham laços mais efetivos com o Brasil, uma vez que os imigrantes brasileiros poderão participar das decisões e se organizar para ampliar a sua representatividade no campo político brasileiro.

Aliás, este assunto - brasileiros que vivem no exterior - foi tão relevante que, nesta última campanha presidencial, a coordenação de campanha do Lula teve o cuidado de encaminhar uma carta aos brasileiros que vivem longe de casa, apresentando os compromissos de campanha para com eles. De Santa Catarina, o nosso Prefeito de Criciúma, Décio Góes, foi a Boston, onde se concentra a maior parte dos brasileiros de Criciúma. Décio Góes, que é do Partido dos Trabalhadores, teve a sensibilidade política e a delicadeza de, antes da eleição, ir a Boston para debater com os brasileiros, de forma muito especial com os que são de origem da cidade de Criciúma - eles são um número significativo - a questão política fundamental, que foi a eleição para Presidente da República do ano passado.

Desde 1965, de acordo com o art. 225 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, os brasileiros residentes no exterior podem votar para Presidente e Vice-Presidente da República. O que se pretende com o presente projeto de lei é ampliar o direito do voto do cidadão residente no exterior para as eleições de Governador e Senador. Ou seja, para a decisão de quem irá governar o Estado de onde ele é originário, de onde ele nasceu, reside ou tem os seus familiares para os quais ele contribui de forma tão significativa. Os dados indicam que esse é o terceiro fator de remessa de dólares para o nosso País, ganhando de muitos produtos de exportação.

Pretendemos ampliar esse direito de voto para possibilitar maior participação política desses cidadãos que residem no exterior, mas permanecem conectados com o Brasil, com os seus investimentos, sua visitas constantes e, pelo voto, com a sua participação política, exercer a sua cidadania de maneira mais efetiva.

Estaremos amanhã apresentando esse projeto que, como eu disse, é singelo, mas é um projeto que tende a atender 1,5 milhão de brasileiros que residem no exterior. Pelo simples fato de eles terem essa ampliação do direito com o seu registro no Consulado, na Embaixada, sendo localizados e vinculados às instituições brasileiras no exterior, poderão também, dessa forma, ter atendimento e a verificação das suas condições de vida e trabalho nesses países.

Ouço, com muito prazer, o aparte do Senador Valdir Raupp, que é catarinense. Aliás, nenhum dos três que representam o Estado de Santa Catarina é catarinense - sou paulistana, o Senador Leonel Pavan é gaúcho e o Senador Jorge Bornhausen, carioca -, mas temos vários Senadores catarinenses, como é o caso de V. Exª, Senador Valdir Raupp, que é nascido em Santa Catarina.

O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - Isto é o Brasil, Senadora Ideli Salvatti, de dimensões continentais, em que há uma migração muito forte. Há 28 anos, estou em Rondônia, que me adotou como filho. Amo muito minha terra, Rondônia, mas também amo Santa Catarina, que é minha terra natal. Ouvi atentamente seu pronunciamento e parabenizo V. Exª pelo brilhante discurso sobre esse tema, que é latente e muito atual e que está sendo discutido em todo o País. Mesmo em Rondônia, um Estado jovem e com apenas um milhão e meio de habitantes, existe o problema da emigração de rondonienses, principalmente para os Estados Unidos e o Japão. Recentemente, fiz um pronunciamento nesta Casa, sugerindo ao Presidente Lula que tratasse com prioridade esse tema, que já fez parte da campanha eleitoral do Presidente Lula. V. Exª agora me dá uma boa notícia, ao dizer que apresentou um projeto de lei sobre a matéria. Tenho absoluta certeza de que esse projeto vai ser acolhido por todos os Senadores desta Casa como um tema de grande relevância. O Brasil tem sido um país amigo de todos os países. O Brasil não tem inimigos, ao contrário de outros países que têm inimigos espalhados por toda parte. O Brasil sempre acolheu muito bem aos imigrantes de outros países, como os italianos, os alemães, com suas respectivas colônias, assim como os japoneses, judeus, libaneses, americanos. Na depressão americana, em 1929, se não me falha a memória, foi criada a cidade de Americana, no Estado de São Paulo, pela imigração americana. Então, o Brasil sempre acolheu muito bem os imigrantes de todos os países. De forma que merecemos também esse tratamento lá fora. Que os nossos brasileiros possam trabalhar com dignidade tanto nos Estados Unidos quanto no Japão ou em qualquer país para onde forem. Parabéns a V. Exª.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Valdir Raupp.

Além de darmos entrada em um projeto, vamos abrir o debate e trazer o assunto da situação dos brasileiros - um milhão e meio - que vivem no exterior, que têm tanta preocupação e tanta vinculação com o seu país, que acabam sendo o nosso terceiro produto de exportação. Os brasileiros que vivem no exterior têm um peso significativo na nossa balança comercial em função dessa remessa relevante. Na carta que a campanha do Lula encaminhou aos brasileiros que vivem fora de casa, há dois pontos que considero que o Senado da República poderia contribuir de forma significativa, fazendo debate na Comissão de Relações Exteriores e na Comissão de Assuntos Sociais. Esses brasileiros têm muita dificuldade em obter apoio junto as nossas Embaixadas e aos nossos Consulados. Esse foi exatamente um dos primeiros pontos da pauta: a criação de organismos de representação dos emigrantes junto aos Consulados e Embaixadas para definir em conjunto as ações que podem ser implementadas pelo Estado brasileiro com o intuito de assegurar o direito desses brasileiros no exterior.

O segundo ponto pretende criar instrumentos nos Ministérios de Relações Exteriores e da Justiça para coordenar o atendimento e o apoio aos imigrantes; buscar ampliar e garantir a efetivação de acordos bilaterais entre o Brasil e os países de acolhimento, com o objetivo de assegurar o atendimento das necessidades de nossos compatriotas concernentes à Seguridade Social, reconhecimento de títulos ou de equivalência na educação média e superior, atendimento no sistema de saúde etc.

Esses dois pontos estão assinalados na carta que Lula encaminhou aos brasileiros durante a campanha eleitoral. Poderíamos analisá-los na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal, pois são assuntos pertinentes ao debate, já que esta Casa tem a preocupação de fazer a representação e de manter a ligação do Brasil com o exterior. Em seqüência ao projeto, poderíamos apresentar um requerimento para que a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal tratasse principalmente desses dois pontos referentes às condições de vida dos brasileiros que estão no exterior e que contribuem, de forma tão significativa, com o desenvolvimento do nosso País. Eu até diria que essa população que está no exterior, muitas vezes marginalizada, sofrendo perseguição por não ter documentação ou por não estar legalizada nesses países, contribui mais do que muitos segmentos empresariais. Esse é um tema relevante para uma população significativa. Esse é um tema candente que preocupa muitas famílias de cidades que têm um volume maior de emigrantes, como é o caso de Governador Valadares, em Minas Gerais; Maringá, no Paraná; e Criciúma, em Santa Catarina. Quando do atentado ao World Trade Center, houve comoção em Criciúma, porque os familiares desses emigrantes ficaram preocupadíssimos com o fato de poder ter algum parente seu morto naquela tragédia.

De antemão, peço apoio aos colegas Senadores para que possamos aprovar o projeto.

Era o que queria registrar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/09/2003 - Página 28559