Discurso durante a 129ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre as conclusões da reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio.

Autor
José Maranhão (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: José Targino Maranhão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA AGRICOLA.:
  • Considerações sobre as conclusões da reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 26/09/2003 - Página 29102
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • COMENTARIO, REUNIÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, REGISTRO, AUSENCIA, ENTENDIMENTO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, PAIS INDUSTRIALIZADO, PROBLEMA, SUBSIDIOS, AGRICULTURA.
  • COMENTARIO, INCOERENCIA, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), IDEOLOGIA, LIVRE CONCORRENCIA, PROVOCAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, SUICIDIO, AGRICULTOR, PAIS ESTRANGEIRO, COREIA DO SUL, FORMA, PROTESTO, SUBSIDIOS, AGRICULTURA.
  • REGISTRO, AUSENCIA, INTERESSE, PAIS INDUSTRIALIZADO, EXTINÇÃO, SUBSIDIOS, AGRICULTURA, COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, AGRICULTOR, BRASIL.
  • SUGESTÃO, GOVERNO FEDERAL, AGILIZAÇÃO, ELABORAÇÃO, POLITICA AGRICOLA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, MELHORIA, INFRAESTRUTURA, PRODUÇÃO AGRICOLA, TRANSPORTE, ESTOCAGEM, AUSENCIA, EXPECTATIVA, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), SOLUÇÃO, PROBLEMA, SUBSIDIOS, AGRICULTURA.

O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a conclusão da reunião ministerial da Organização Mundial de Comércio, realizada no Balneário de Cancun, no México, há poucos dias, apenas confirmou o que era de se prever e o que as reuniões preparatórias já indicavam: pouco ou nada se avançou no atendimento aos desideratos dos países do G-22, grupo liderado pelo Brasil.

Na verdade, o resultado foi mediano em termos dos interesses brasileiros, com a liberação de textos vagos e imprecisos sobre as medidas concretas que serão tomadas para harmonizar o comércio internacional.

Paralelamente, para além de qualquer previsão razoável, fortes e violentas manifestações ocorreram, o que parece estar se tornando uma rotina nas reuniões importantes da OMC, diante das quais não devemos nos deixar enganar. Algum significado tal sucessão de protestos tem e, por isso mesmo, merece a reflexão dos líderes dos países-membros da organização. Protestos e movimentos de rua não surgem do nada. Eles refletem sempre alguma divergência entre grupos e, sendo assim, devem ser objeto de análise em busca de conciliação possível, aquela que evite o confronto destrutivo.

A mais impactante das manifestações de protesto contra a OMC foi o suicídio do camponês coreano logo no início da reunião. Toda vez em que uma vida humana é ceifada, mesmo que seja por suicídio, devemos refletir, para além da insanidade do ato em si, sobre o significado dessa morte. Algo de muito grave está ocorrendo, para que pessoas sejam levadas a morrer por questões que parecem ser meramente comerciais.

Lembremo-nos de que, apesar de estarmos vivendo o inevitável ciclo da globalização, os povos ainda preservam e desejam viver no mundo das nações soberanas, senhoras de seus próprios destinos e autônomas nas escolhas de seus projetos e objetivos de desenvolvimento.

A globalização, tal como está colocada, principalmente no setor de comércio, é uma via estreita, na qual cabem apenas uns poucos, exatamente os mais fortes. Facilmente se percebe a tentação colonialista dos ricos sobre os pobres, não mais pela força militar, mas pelo poder econômico. O discurso da livre iniciativa e da liberdade comercial conflita com o alto protecionismo das economias desenvolvidas contra os produtos e serviços das economias mais pobres.

Nesse sentido, Sr. Presidente, o pronunciamento do Presidente Lula na abertura da Assembléia Geral da ONU reflete bem o sentimento de discriminação e injustiça percebido pelos povos emergentes e pobres em relação às posturas dos Estados Unidos, da União Européia, do Japão e dos demais países desenvolvidos. Tentam eles manter-nos à margem do progresso e de seus benefícios. O resultado é o aumento da fome e da miséria em escala planetária, nunca vista em épocas anteriores. Contudo, é necessário reconhecer que essa posição está na lógica da chamada globalização, a nova e mais perversa forma de colonialismo econômico.

Srªs e Srs. Senadores, temos visto, em todos os veículos de comunicação no Brasil, sobretudo depois que tivemos a disputa comercial com o Canadá a respeito das encomendas de aviões envolvendo a Embraer e a Bombardier, um volumoso noticiário sobre as questões de comércio exterior brasileiro e, em especial, sobre nossas exportações agrícolas.

Cabe-me aqui fazer uma observação sobre a estupidez e a truculência da lógica capitalista dos países mais ricos do mundo nesse incidente entre Brasil e Canadá. Mesmo quando há um interesse colateral, mesmo assim, o respeito aos interesses dos países subdesenvolvidos ou em fase de desenvolvimento é sempre condicionado ao interesse dos países mais ricos. A indústria brasileira Embraer realmente tem tido grande êxito, mas é preciso lembrar que a empresa é apenas uma montadora de aviões. A rigor, a Embraer não faz nada senão montar os kits que recebe dos países desenvolvidos, inclusive do Canadá. Turbinas que são fabricadas no Canadá, chapas de duro alumínio que são fabricadas nos Estados Unidos, todos os componentes, todos os insumos na produção dos aviões da Embraer são, de resto, produzidos nos países do Primeiro Mundo, mas, mesmo assim, eles não toleram a convivência e o sucesso dos países do mundo em desenvolvimento. Aí é que está o absurdo, a lei que impera hoje no mercado internacional da globalização.

Todos os últimos governos brasileiros, independentemente da coloração política, têm, desde o início da década de 90, repetido à exaustão que precisamos aumentar nossas exportações para equilibrar as contas e que o nosso carro-chefe é a pauta de produtos agroindustriais, especialmente os agrícolas, altamente competitivos que podemos oferecer desde grãos, como soja, a produtos manufaturados, como suco de laranja.

O que fica claro em toda a nossa luta por melhores e maiores mercados é que o agronegócio ainda é um elemento central no intercâmbio entre as nações. O mundo ainda é fortemente dependente do que acontece no universo da produção, comercialização e consumo de produtos agrícolas, seja nos mercados internos, seja no comércio internacional.

            Na verdade, Sr. Presidente, com o desmantelamento dos feudos e baronatos agrícolas, passamos do mundo essencialmente agrícola dominante até o Século XVIII, para o mundo moderno da industrialização e da relativa democratização da terra, com o avanço da agricultura familiar de pequenos e médios proprietários. Isso, todavia, não resolveu nem o problema da distribuição das terras na maioria dos países, nem o terror da fome nos países pobres. Ademais, fica patente que a agricultura é, além de uma questão econômica, uma questão social importante e central, mesmo nas economias desenvolvidas do mundo. Paralelamente, a industrialização não substitui a agricultura, quanto mais não seja, porque a população mundial, cada vez mais numerosa, demanda sempre mais alimentos e seus congêneres.

De fato, Sr. Presidente, a população diretamente dependente da agroindústria é grande, o que torna a questão não apenas econômica, no sentido estrito do termo, mas social, com as enormes repercussões que terá, se houver uma crise no setor. Países como a França ou os Estados Unidos sabem perfeitamente bem o que significará em termos internos se seus respectivos setores agrícolas entrarem em crise. As repercussões de ordem social serão catastróficas para eles e para seus parceiros comerciais.

E nós brasileiros, Srªs e Srs. Senadores, sabemos mais do que ninguém o significado de uma crise no campo. O Brasil da primeira metade do Século XX, no qual mais de 50% da população era campesina, transformou-se, hoje, em um Brasil urbano, no qual 80% da população moram nas regiões citadinas.

Só este dado estatístico revela todo o esforço a ser feito para revertermos o fluxo migratório em direção ao campo, aliviando a pressão sobre as cidades e revalorizando o produtor rural mais do que a produção rural, como hoje tem sido a prática.

            Cumpre observar que o Brasil, no presente momento, está celebrando uma safra de grãos sem precedentes, que gerou o superávit comercial de US$147 bilhões. Mas a grande questão é que essa produção de grãos, sobretudo de soja, pela própria natureza da atividade, não é uma grande geradora de emprego para o homem do campo. Por isso, aqui falamos na revitalização para o produtor rural e não apenas para a economia brasileira. Há uma diferença muito grande em produzir para o social e produzir para a economia.

Batemos sucessivos recordes na safra de grãos, cujo fito é a exportação, mas continuamos com problemas de renda para o agricultor, e com problemas de acesso à comida para boa parte da população. Num país que se orgulha de ser uma grande potência agrícola, o Presidente da República teve que criar um programa, o Fome Zero, para subsidiar a produção das grandes massas populares, entre elas o próprio trabalhador rural. Tal fato, por si só, revela não apenas a deficiência, mas até a ausência total de uma política consistente para o setor primário. Na verdade, esse problema é crônico e se arrasta por meio da gestão de muitos governantes. Não é um problema novo no Governo Lula. É natural que, pela sua luta política como líder de trabalhadores, como líder de camponeses, a Nação brasileira esteja a cobrar que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva faça o que os antecessores não fizeram: uma política agrária abrangente.

Convivemos, de modo cada vez mais difícil, com cidades hiperpopulosas, cheias de marginalidade e com crescente população periférica carente, para as quais sempre sobra o epíteto de desqualificada e, portanto, de difícil colocação no mercado de trabalho, sem que se façam programas de readaptação custosos. Ora, Sr. Presidente, tais pessoas vêm de famílias e grupos que, freqüentemente, há gerações, acumulam qualificação e conhecimento para a atividade rural nas terras brasileiras, muitas vezes as mais difíceis de lidar, como as do Nordeste. É um erro, um equívoco o que os meios de comunicação dizem a respeito dos trabalhadores rurais que migraram para os grandes centros industriais. Dizem que são trabalhadores desqualificados, sem profissão. Não é verdade. De fato, são trabalhadores qualificados, têm uma profissão definida. Aprenderam a lidar com a terra, com o campo, são profissionais competentes para a atividade agrícola. Estão sofrendo, deslocados de seus centros de trabalho, por falta de estímulo, de atenção, por falta de uma política rural consistente capaz de tornar estimulante a atividade daqueles que vivem do trabalho no campo. E todos, quase que sem exceção, abandonaram seu quinhão de terra não porque quiseram, mas porque não tiveram apoio e incentivo da sociedade e dos governos para continuar produzindo. Tornaram-se marginais urbanos, pesando sobre a sociedade, porque esta mesma voltou-lhes as costas enquanto ainda podiam e desejavam ser produtivos.

Ora, Sr. Presidente, o Brasil não pode ficar à mercê da expectativa de um acordo comercial multilateral para resolver seus entraves internos de desenvolvimento. O povo do Nordeste já sofre de miséria suficiente, para ter que ficar esperando por um prato de comida que deverá vir do hemisfério norte. Deus sabe quando. O Brasil não pode esperar que concessões externas possam resolver nossos problemas internos. Temos que adotar agressiva política agrícola e agrária neste País. Só assim teremos voz e poder para discutir acordo na OMC.

Aguardar a generosidade dos países desenvolvidos do mundo, esperando que eles deixem de manter os subsídios que garantem a permanência de seus trabalhadores no campo é uma utopia, para não dizer uma ingenuidade, daqueles que organizaram esse encontro da 5ª Convenção da Organização Mundial do Comércio.

O Brasil vive, desde todo o sempre, a falta de um projeto de desenvolvimento articulado e que tenha continuidade e consistência no tempo. E o setor rural é um dos que mais sofrem com isso. Se tanto se fala que é graças à agricultura que nossas exportações não estão no vermelho, é hora de olhar para as pessoas que produzem e dar-lhes apoio. E isso se faz, Sr. Presidente, com políticas para o campo que ataquem simultaneamente todas a frentes, valorizando sobretudo o emprego, fixando efetivamente o homem ao seu próprio habitat, distribuição justa de terras, mediante reforma agrária pacífica e destituída de colorações político-partidárias; oferta de crédito a juros suportáveis pela atividade de maior risco que existe na face da terra, a agricultura, que está sujeita às inclemência do tempo; manutenção de seguro agrícola que garanta que os produtores não ficarão na miséria se houver quebra de safra motivada por adversidades climáticas; garantia de preços mínimos que dêem certeza de que os produtores não serão destruídos por uma queda de preços súbita; oferta de suporte tecnológico e técnico que aumente a produtividade e qualidade, principalmente dos pequenos e médios produtores, que são os que têm as maiores dificuldades de acesso a esse suporte indispensável; oferta de um sistema de infra-estrutura de apoio à estocagem; distribuição, transporte e comercialização da produção, o que implica também um sistema intermodal de transporte eficiente e em boas condições de operação e não as estradas precaríssimas que temos.

Dirão, possivelmente, os que me ouvem, que estou propondo uma revisão completa da política brasileira para o setor agrícola. Concordo que sim, estou propondo esta revisão que há muito se faz necessária. Isso para atender às recomendações do FMI. A política agrícola e a política econômica em geral do País é a mesmíssima praticada no governo anterior: sacrifica as atividades econômicas do País, tira do Estado sua capacidade de investir na produção, na infra-estrutura, para que o Brasil tenha mais saldos e mais superávit para garantir o pagamento de juros, já que do principal não se paga nada e cada vez mais se acumula, ano a ano.

Sr. Presidente, tive a honra de participar da delegação brasileira que compareceu à reunião de Cancun e pude ver a dificuldade que há para harmonizar os interesses dos diferentes países e grupos de nações. É difícil imaginar que a Europa ou os Estados Unidos renunciem aos seus programas internos de subsídio aos produtores rurais, sob o risco de gerarem uma crise econômica e social dentro dos seus próprios territórios.

O SR. PRESIDENTE (Augusto Botelho. Fazendo soar a campainha.) - Sr. Senador, já passamos uma hora e seis minutos do horário. Peço que V. Exª acelere.

O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB) - Dentro desse tempo quilométrico, quanto usei efetivamente?

O SR. PRESIDENTE (Augusto Botelho) - Vinte minutos e dezenove segundos.

O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB) - Peço tolerância a V. Exª, porque já estou próximo da conclusão do meu discurso.

Não renunciam porque esses programas internos de subsídios são sociais e, sem esses subsídios, dificilmente aqueles países podem garantir o emprego no campo, até porque, em condições naturais de produção, evidentemente os climas tropicais têm vantagens competitivas muito maiores do que os climas temperados, que têm uma pequena estação produtiva - quatro meses no ano -, enquanto os climas tropicais têm um período de fertilidade agrícola muito maior.

É certo que o Brasil, com toda a legitimidade, deseja colocar os seus produtos no mercado externo e, particularmente, nos mercados de maior poder aquisitivo. Mas são justamente esses, os países ricos, os que mais protegem os seus produtores. Há uma incompatibilidade entre os interesses do Brasil, em matéria de produção agrícola, e os interesses dos países ricos do mundo.

Temos aí um impasse de difícil solução, já que Estados Unidos e Europa dificilmente concordarão em reduzir os seus subsídios, menos ainda eliminá-los, como desejam Brasil, Índia e os demais membros do G-22. Frente a isso, clamam os países pobres que é preciso haver maior abertura dos mercados para que tenham chance de crescer e resolver os seus problemas internos de pobreza extrema.

Sr. Presidente, a OMC talvez seja o fórum mais complexo e delicado que hoje as nações enfrentam para tentar harmonizar os seus interesses. Comparável a esse, talvez, só o fórum da ONU e de seu Conselho de Segurança, com as questões do terrorismo, das ações armadas de países como Estados Unidos e Inglaterra e a instabilidade do Oriente Médio. E devemos ter a consciência de que será um longo caminho, até que se chegue a um denominador comum, no qual os que cedem não se sintam perdedores, e os que ganham não estejam aproveitando-se da fraqueza dos demais.

Muito se tem escrito e dito a respeito do que deve ou pode ser feito no comércio mundial, para se promover alguma justiça nas trocas entre as nações: Desde raciocínios maniqueístas sobre as causas das distorções, como o de que uma vaca no hemisfério Norte recebe mais subsídios do que uma criança no hemisfério Sul - e é verdade -, até propostas de doação, pura e simples, de alimentos dos países com excedentes para os que têm carência de produção.

Não podemos negar a boa intenção dos que assim argumentam. Contudo, tais argumentos carecem de base realista, pois não é possível fazer com que um país rico deixe de alimentar suas vacas, que, no final, garantem a renda de seu povo, para doar dinheiro vivo para alimentar outros povos. Nada seria resolvido, e criar-se-iam novos problemas, como: quem arcaria com os custos de estocagem, transporte e distribuição dos alimentos doados?

O que fica patente, Sr. Presidente, é que o Brasil, assim como a Índia, a China, a Argentina, o México e os demais membros do Grupo dos 22 terão que lutar por encontrar caminhos que fortifiquem suas economias a partir de soluções, primeiramente, internas e, secundariamente, externas, convencendo os mercados mais pujantes a desejarem nossos produtos, obrigando, assim, que suas economias se reciclem em função dessa nova ocorrência. Ou seja, o velhíssimo sistema de pressões e de contrapressões ainda é o mais eficaz para provocar acordos aceitáveis para as partes contendoras.

É certo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que não se pode legitimar políticas de comércio exterior que conduzam ao dumping e ao abuso da lei do mais forte. Nesses termos, nunca haverá justiça entre as nações, e aos pobres será destinada à certeza da pobreza perene, o que não podemos aceitar de modo algum.

O Brasil é, hoje, um dos principais países exportadores de grãos, como a soja e o café. Nosso aço compete no mercado norte-americano com vantagem - daí, as barreiras que lhe são interpostas. Nosso suco de laranja é importado por quase todo o mundo.

Enfim, o Brasil tornou-se um interlocutor de peso no comércio exterior, e, por isso, passamos por nossa crise de crescimento, na qual queremos mais espaço, melhores preços e mais garantias de competição igualitária. Essas, contudo, são conquistas a serem duramente alcançadas ao longo dos próximos anos. E nossos concorrentes não estão dispostos a ceder o seu espaço facilmente.

O final da reunião ministerial de Cancun deixou claro que os Estados Unidos e a União Européia não facilitarão a vida do G-22 apenas por razões humanitárias. Terá que haver compensações para que eles cedam nos subsídios. Para isso, teremos que trabalhar duramente, nós todos, para fortalecer o Brasil o suficiente para ter algo a oferecer em troca, que não seja apenas doar uma fatia de nossa própria riqueza.

Se não tivermos muito claro o que queremos de um projeto de desenvolvimento bem articulado, permaneceremos navegando ao sabor dos acontecimentos, sem iniciativas capazes de sanarem, de modo permanente, nossos problemas. Ou tomamos consciência de que devemos trabalhar, aqui e já, para crescer, sem esperar, ou continuaremos a lamentar a falta de cooperação internacional.

Paralelamente, Sr. Presidente, a diplomacia e o empresariado brasileiro estão sendo chamados a tomar consciência do que seja lutar pelo Brasil no exterior. Ou colocamos força e convicção conjunta de Estado e iniciativa privada, como o fazem os Estados Unidos e a União Européia, ou ainda teremos muita decepção pela frente.

Na verdade, esse foi o cenário, o quadro que pude observar, como representante do Senado brasileiro, junto à 5ª Conferência da Organização Mundial de Comércio, em Cancun, no México.

Já ouvi muitas informações, comentários e notícias na imprensa brasileira sobre os êxitos que o Brasil teria tido na reunião de Cancun, mas, na minha modesta avaliação, não foi o que vi. Na verdade, lamento dizer que a reunião foi um fracasso total não somente para o Brasil, mas para todos os países integrantes do chamado G-22.

Concedo um aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador José Maranhão, estamos atentamente ouvindo V. Exª. Somente, agora, em respeito ao grande Secretário-Geral da Mesa, Raimundo Carreiro, que já está exausto, pois passou o dia trabalhando...

O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB) - Eu me penitencio pela demora, em respeito à Mesa e a V. Exªs, que me prestigiaram com sua presença.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - O PMDB do Nordeste reconhece em V. Exª o grande Líder do nosso Partido na região. V. Exª me faz lembrar Cristo, que dizia: “De verdade em verdade, eu vos digo”. Só agora, o País sabe que a reunião foi um fracasso. Tudo isso é a comunicação. Este Governo está se inspirando em Joseph Goebbels, que disse: “repitam uma mentira várias vezes, que ela se torna verdade”. Eu queria só um complemento. V. Exª foi sábio, viu que o potencial é a agricultura e foi, sem dúvida nenhuma, um dos melhores Governadores da história do Nordeste, daí ter chegado a esta Casa com a mais expressiva votação de todos nós, nordestinos. Eu queria complementar com isto: já que a conferência não foi boa em Cancun, devemos seguir o exemplo dos americanos, não o de Bush, mas o de Franklin Delano Roosevelt, que disse: “Atente bem: leve um bico de luz a uma fazenda, e lá haverá uma galinha na panela. E lembre: se as cidades forem destruídas, poderão ressurgir e renascer do campo; mas, se o campo for destruído, não for apoiado, as cidades perecerão de fome”.

O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB) - Obrigado a V. Exª pela contribuição. V. Exª tem inteira razão. Só teremos uma agricultura forte e realmente competitiva, quando os governos se dispuserem a investir no setor. Não é colocar o dinheiro na mão do agricultor, do produtor rural, mas criar a infra-estrutura necessária para que a agricultura possa ser moderna, competitiva. No Brasil, há uma empresa que é realmente exemplar: a Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Mas, não só neste Governo, mas em todos, os recursos têm sido por demais escassos para que a empresa desenvolva as pesquisas, a experimentação, o trabalho científico, que serve de suporte e de apoio à atividade agrícola, que é uma atividade que hoje, para ser competitiva, precisa ter esse grau de desenvolvimento.

Nós, brasileiros, temos o privilégio de ter clima, pluviosidade, luminosidade e solo de boa fertilidade - não diria ótima, mas razoável. É isso que nos dá competitividade na produção de grãos, agora ameaçada pelos subsídios dos países do Primeiro Mundo.

Sr. Presidente, agradeço a V. Exª a tolerância.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/09/2003 - Página 29102