Discurso durante a 129ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de uma política firme do governo para suprir o déficit habitacional no País.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • Necessidade de uma política firme do governo para suprir o déficit habitacional no País.
Publicação
Publicação no DSF de 26/09/2003 - Página 29147
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DIFICULDADE, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, CLASSE MEDIA, AQUISIÇÃO, CASA PROPRIA, INCOMPATIBILIDADE, RENDA, TRABALHADOR, VALOR, JUROS, PREJUIZO, MERCADO IMOBILIARIO.
  • REGISTRO, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, ELABORAÇÃO, PLANO, DESTINAÇÃO, HABITAÇÃO POPULAR, IMPEDIMENTO, CRISE, SOCIEDADE.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil é um país gigante territorialmente e detém uma das maiores populações do mundo. Na mesma proporção, tem seus gravíssimos problemas de infra-estrutura para o atendimento dos que aqui vivem. E um dos mais complexos desses problemas é o déficit habitacional crônico, principalmente para o atendimento das camadas mais carentes da população brasileira.

O Brasil já criou e desmontou diversos programas de construção habitacional sem que sequer tivesse se aproximado de algo parecido com a solução da profunda carência por moradias que temos tido ao longo de nosso processo de organização social. O Sistema Financeiro da Habitação é o exemplo desse impasse que temos vivido e que, ao invés de se encaminhar para solução, tem se perpetuado em condições cada vez mais difíceis de serem resolvidas.

O Brasil do início do século XX era um país essencialmente rural, com população espalhada pelos campos e baixa concentração urbana. Mas já naquela época a questão habitacional se impunha, menos pelo número de moradias a construir, mais pela qualidade a ser-lhes dada.

Com a rápida urbanização que o nosso País sofreu, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, a questão habitacional se tornou crítica para o desenvolvimento social, pois ela se concentrou nas grandes aglomerações urbanas, mesclando problemas puramente habitacionais com problemas socioeconômicos graves de marginalidade social.

Hoje, Sr. Presidente, continuamos a precisar de cerca de seis milhões de moradias, apesar de tudo que se construiu até agora. O mais inacreditável é que esse déficit não é homogêneo nem significa um falta real de edificações habitacionais. Se computarmos as unidades disponíveis, mas não utilizadas em todos os centros urbanos brasileiros, teríamos mais oferta do que demanda. Infelizmente, contudo, essas unidades se concentram nas faixas de poder aquisitivo mais elevado, que têm como solucionar suas demandas com menos dificuldades do que as classes C, D e E, inteiramente dependentes de políticas públicas para o setor de habitação.

Mesmo as classes média, média alta e rica têm encontrado nos elevadíssimos juros praticados pelo sistema financeiro nacional um óbice importante para a aquisição de moradias. Necessitando, freqüentemente, financiar 50 a 70% do valor do imóvel, em prazos superiores a 10 anos, o crescimento da dívida pelos juros praticados faz com que os compradores fujam do sistema, e os bancos não queiram emprestar por causa da inadimplência que se verifica ao longo do tempo.

Srªs e Srs. Senadores, não se pode pensar em solução da questão habitacional brasileira sem uma discussão do que se pretende como projeto de desenvolvimento social, incluindo nele o planejamento urbano. Regiões metropolitanas como as de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, dentre outras, são emblemáticas da complexidade da questão e do esforço de ação integrada que terá que ser feito, entre setor privado e público e entre as esferas de governo municipal, estadual e federal.

Propostas têm sido feitas muitas, Sr. Presidente. Soluções, até agora não surgiu uma que fosse eficaz. Estamos, pois, diante de uma grave questão social, que compromete a cidadania brasileira. Como podemos imaginar um brasileiro ou uma brasileira que seja cidadão ou cidadã e que não possa dar como referência seu próprio endereço por não ter um teto; ou, se o tem, é um barraco perdido numa favela, sem qualquer possibilidade de endereçamento.

Sei que estamos em situação muito menos difícil do que a Índia, onde famílias inteiras, há gerações, não sabem o que é ter um teto para se abrigar. Muitos indianos nascem e morrem na rua sem nunca terem morado numa casa. Parece surreal, mas é fato e acontece neste momento no distante subcontinente indiano.

Srªs e Srs. Senadores, o governo Lula criou o Ministério das Cidades e dentro dele há diversos programas que pretendem direcionar recursos e fomentar programas para a construção, reforma, recuperação e resgate de moradias ou mesmo bairros, como, por exemplo, as incontáveis e gigantescas favelas do Rio, de São Paulo ou mesmo de cidades do Norte ou Nordeste, como Recife ou Manaus.

Tais iniciativas esbarram, como sempre esbarraram, num obstáculo de difícil transposição: a falta de projeto de desenvolvimento e a permanente crise social brasileira, que não permitem o resgate de largas camadas da população dos níveis de pobreza a que historicamente estão confinadas.

Por isso, Sr. Presidente, se é necessário construir moradias em ritmo acelerado e em quantidade expressiva, muito mais importante é dotar o Brasil de um projeto de desenvolvimento socioeconômico que nos tire dessa espécie de limbo em que temos vivido. Não somos mais um país terceiro-mundista na acepção da palavra, mas não conseguimos alcançar índices de desenvolvimento humano compatíveis com um país de Primeiro Mundo. Vivemos um dilema histórico que precisa ser resolvido.

Programas de carta de crédito para a classe média, subsídios para habitações de interesse social ou de arrendamento residencial são propostas que certamente darão seus frutos se o Ministério das Cidades cumprir seus objetivos. De famílias de classe média até as de baixa renda, muitas poderão alcançar o patamar de dignidade dos que têm casa e endereço para fornecer.

Programas conveniados com o BID, como o Habitar Brasil, ou os que utilizam o FGTS e mobilizam estados, municípios e a União, como o Pró-Moradia e o Morar Melhor, são ações meritórias e que poderão provocar alterações significativas na estrutura urbana e rural, principalmente nas regiões mais carentes.

Sr. Presidente, tenho consciência e compreensão de que não sou o primeiro a abordar a questão habitacional desta tribuna e menos ainda na esfera do poder público. Creio, contudo, ser meu dever de parlamentar clamar por um projeto de desenvolvimento que encaminhe solução para esse gravíssimo problema social. Nossa população aumenta continuadamente e o déficit habitacional não tem sido enfrentado como deve ser. Por isso meu pronunciamento.

Não adianta imaginar brilhante futuro para o Brasil se os brasileiros não estiverem lá para realizá-lo. E o primeiro passo é dar ao nosso povo condições de se tornarem cidadãos que possam empreender e não apenas sobreviver. A moradia é, nesse sentido, um pré-requisito para forjar cidadãos.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/09/2003 - Página 29147