Discurso durante a 129ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento a favor de uma militância intransigente contra a exploração sexual de crianças e adolescentes. Apresentação de projeto de lei que propõe comunicação obrigatória de casos de maus-tratos contra crianças e adolescentes ao conselho tutelar da localidade onde se praticarem tais violações.

Autor
Lúcia Vânia (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/GO)
Nome completo: Lúcia Vânia Abrão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Posicionamento a favor de uma militância intransigente contra a exploração sexual de crianças e adolescentes. Apresentação de projeto de lei que propõe comunicação obrigatória de casos de maus-tratos contra crianças e adolescentes ao conselho tutelar da localidade onde se praticarem tais violações.
Publicação
Publicação no DSF de 26/09/2003 - Página 29178
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EXPLORAÇÃO SEXUAL, COMPROVAÇÃO, AUMENTO, NUMERO, MULHER, CRIANÇA, VITIMA, PROSTITUIÇÃO, ABUSO, MAUS-TRATOS.
  • APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, FIXAÇÃO, OBRIGATORIEDADE, DENUNCIA, CONSELHO TUTELAR, REGIÃO, SITUAÇÃO, MAUS-TRATOS, EXPLORAÇÃO SEXUAL, CRIANÇA, ADOLESCENTE.
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, OCORRENCIA, EXPLORAÇÃO SEXUAL, ESTUPRO, MUNICIPIO, GOIANIA (GO), ESTADO DE GOIAS (GO), SOLICITAÇÃO, SENADO, APOIO, PROJETO DE LEI, COMBATE, CRIME HEDIONDO, PROTEÇÃO, DIREITOS, GARANTIA, CUMPRIMENTO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto que me traz a esta tribuna se reveste da mais extrema importância para o Brasil. Longe de forçar um exagero retórico, considero a prostituição infanto-juvenil e os maus-tratos contra crianças e adolescentes questões das mais sérias na conjuntura social em que nos encontramos. Não por acaso, minha trajetória política tem acompanhado minuciosamente todos os passos e processos relacionados à superação de um estado tão calamitoso de condição humana. Pelo resgate do respeito à juventude brasileira, tenho-me posicionado politicamente em favor de uma militância intransigente contra a violência de que são vítimas adolescentes e crianças. 

Desse modo, além de ser integrante da Comissão Parlamentar de Inquérito que cuida da questão da exploração sexual, apresentei Projeto de Lei que propõe comunicação obrigatória de casos de maus-tratos contra crianças e adolescentes ao conselho tutelar da localidade onde se praticarem tais violações. Sobre tais questões, pretendo, agora, tecer algumas breves considerações, ressaltando com mais precisão o problema de Goiás.

Sr. Presidente, origem e destino de rotas sexuais de diversas partes do País e da Europa, o Estado de Goiás registrou, até agosto último, 25 investigações e onze processos de crimes de exploração sexual. Na verdade, ao todo, são 45 inquéritos e processos sobre crimes de exploração sexual de mulheres e crianças a tramitar na Justiça goiana. Segundo estudos realizados por diversas ONGs e apoiado pelo Ministério da Justiça, as rotas do tráfico nacional e internacional se intensificaram, no Centro-Oeste, nos últimos anos, por conta da ausência gritante de fiscalização policial nos aeroportos e rodovias da região.

Não foi à toa, portanto, que a Delegacia de Defesa da Mulher de Goiânia logrou fechar, no mês de agosto último, nada menos que quatro casas de prostituição na capital. Em ambiente de repugnante exploração, moças oriundas em geral do Nordeste são submetidas a um regime extorsivo e desumano de trabalho, em troca do qual recebem uma renda miserável, além de hematomas e muita humilhação. O perfil de tais prostitutas segue o tradicional modelo: mães solteiras em busca de sustento mínimo para a família. Moram no próprio prostíbulo, dentro de cujo espaço são mais bem vigiadas pelos cafetões, a quem devem obediência, dinheiro e liberdade. Cumprem uma jornada superior as oito horas diárias e fazem sexo quantas vezes lhes forem exigidas pelos aliciadores.

Enquanto isso, levas de goianas partem para a Europa, iludidas pelo dinheiro fácil e pela vã promessa do casamento milionário, quando, na realidade, se deparam lá com as precárias condições de vida de uma escrava sexual. Privadas de movimentação livre e segura, são encapsuladas em cárceres europeus, sujeitas a toda forma de brutalidade e maus-tratos, enfim, tratadas como mercadorias exóticas em troca de valor usurpador de uso. Como é sabido, a maioria das vítimas da “prostituição via exportação” está na faixa dos 15 aos 25 anos de idade, com renda e escolaridade baixas.

Por isso mesmo, a CPI da prostituição, presidida pela Senadora Patrícia Gomes e da qual faço parte, se propõe a investigar os meandros por meio dos quais o comércio de mulheres ganha força no submundo da economia nacional. A realidade goiana não é exclusiva, nem destoa do resto do País. O quadro nacional se afigura tão ou mais grave que o caso goiano. Os trabalhos na CPI visam, portanto, a localizar e identificar os aliciadores de mulheres, para imediatamente aplicar-lhes a pena devida. Para tanto, contamos com o apoio do Ministério Público e das polícias Federal e Civil.

Embora os trabalhos da CPI ainda estejam em fase inicial, Senadores de todas as regiões do País estão sendo convocados a traçar estratégias locais, com o objetivo de cobrar providências dos órgãos competentes dos respectivos Estados. Para melhor desenhar tais estratégias, a ONG brasiliense Estudos e Ações Sobre Crianças e Adolescentes (Cecria) presta-nos uma enorme assistência, divulgando pesquisa que aponta, entre outras coisas, Goiânia como o destino preferencial das prostitutas de Alagoas, Maranhão, Pará e Piauí.

Outra fonte valiosa para obtenção de dados de crucial relevância é o Projeto Meninas de Luz, em Goiânia, responsável pelo trabalho de acolhimento de meninas menores grávidas e de baixa renda. Trata-se de um programa que objetiva prestar atendimento psicossocial e de saúde à adolescente grávida. Segundo seus registros de 2002, receberam abrigo da entidade quase seiscentas adolescentes, das quais menos de duzentas concluíram o ensino fundamental. Mais que isso, é na faixa de 15 e 16 anos que se inscreve a maior incidência de moças no estado de gravidez indesejada, confirmando uma tendência de redução da idade média para a prática sexual. Fruto de violência sexual domiciliar, a maioria dos casos encerra uma história familiar de trágica repercussão pessoal.

Nas dependências do Projeto Meninas de Luz, prevalece a tese de que o trabalho da equipe deve ser orientado para a educação sexual, priorizando a conscientização sobre o controle da natalidade por meio de recursos anticonceptivos. Isso se justifica na medida em que as jovens, quando ingressam na entidade, apresentam um quadro muito deteriorado de saúde, seja por portarem indícios de doenças sexualmente transmissíveis, seja por ostentarem marcas inquestionáveis de espancamento e de profunda instabilidade emocional. De todo modo, uma orientação bem instruída também é dirigida às jovens mães, na direção de uma aceitação mais afetiva do filho, de um necessário exame pré-natal, e de um processo mais ajustado de reinserção nos estudos, no trabalho e na família.

Integralmente comprometida com este tema, não poderia furtar-me a prestar-lhe uma assistência legislativa à altura. Nessa linha, inspirada no artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente, apresentei, nesta Casa, Projeto de Lei que dispõe sobre a comunicação obrigatória de casos de maus-tratos contra adolescentes e crianças ao conselho tutelar da localidade. Consiste, resumidamente, em pressionar professores, trabalhadores de saúde, autoridades policiais e pessoas direta ou indiretamente ocupadas com jovens a denunciar casos suspeitos ou confirmados de maus-tratos. Para efeito da Lei, na condição de maus-tratos, enquadram-se as sevícias físicas, a crueldade mental, a negligência e a privação de alimentos.

Na verdade, cumpre registrar que a urgência da redação deste Projeto se deveu a fatores de ordem estatística com que muito me assustei. Em primeiro lugar, os números da violência contra os adolescentes e as crianças não nos deixam mentir: no Brasil, estima-se que ocorram cerca de 500 mil agressões por ano, ou seja, uma agressão por minuto. No caso de violência sexual, o Ministério da Justiça tem registrado mais de 50 mil ocorrências, o que, para os especialistas, corresponderia a um número irreal, pois não representaria sequer 10% do total de incidências. Mais grave que isso, é saber que a maioria acontece dentro dos domicílios familiares, o que, por si só, já demonstra ser algo suficientemente válido para que nossa sociedade reveja seu conceito de família.

Por outro lado, o Relatório Anual da Anistia Internacional não nos poupa sequer uma vírgula de espanto e vergonha. De acordo com os dados divulgados, versão 2000, ainda persistem, no Brasil, práticas deploráveis de tortura e execução de crianças por parte das polícias e dos ditos esquadrões da morte. Pior que isso, denuncia práticas de espancamento e tortura em instituições encarregadas justamente de proteger a vida de menores infratores. Para completar tão doloroso quadro, ao contrário do que habitualmente se pensa, a violência infligida aos adolescentes e às crianças abrange todas as classes sociais brasileiras.

Na realidade, desde 1990, com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, a sociedade brasileira já contava com um dispositivo que previa a implementação da conduta da comunicação dos casos de maus-tratos aos conselhos tutelares locais. Acontece que, treze anos transcorridos, apenas quatro cidades brasileiras cumpriram, concreta e institucionalmente, tal dispositivo. São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro e Niterói constituem o grupo exclusivo de cidades nas quais o Poder Público local tomou as necessárias providências para a operacionalização do dispositivo.

Com o devido funcionamento do sistema de informação, o Poder Público se revestirá de um conhecimento inédito sobre a gravidade do problema dos maus-tratos, podendo daí extrair políticas mais eficazes de prevenção e controle da violência contra tal faixa de jovens brasileiros. As incidências são muitas, e as causas parecem acompanhar a mesma diversidade, desde a identificação da negligência dos pais, até as formas mais brutais de espancamento e abuso sexual. Em todo caso, de posse dos números e das causas, permitir-se-á melhor preparo do Estado no serviço de proteção à criança e ao adolescente.

Para fins de esclarecimento, convém explicitar que a tipificação do que se convencionou definir por maus-tratos baseia-se na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Trata-se de um documento expedido e recomendado pela Organização Mundial da Saúde, do qual o Brasil se tornou oficialmente signatário já há algum tempo.

Diante do exposto, dedico preocupação especial ao caso de Goiás, com o qual tenho mais intimidade informativa, bem como melhor visibilidade. Segundo as conclusões da Comissão Especial de Inquérito sobre a Prostituição Infanto-Juvenil, da Câmara Municipal de Goiânia, vigora um esquema muito bem orquestrado de prostituição, articulado por uma rede profissional de marginais, que se vale de casas de massagem, residências particulares, hotéis, motéis, bares e prostíbulos, para executar seus planos de prostituição infanto-juvenil. A partir dos dez anos de idade, meninos e meninas da periferia goiana abandonam seus lares e, imediatamente, passam a conviver com prostitutas e travestis nos centros da capital. Lá, trafegando noturnamente em bares e casas suspeitas, submetem-se aos mais covardes atentados de abuso sexual.

Ao final do mencionado relatório, Goiânia é representada como uma das capitais com maior número de denúncias de estupro ou tentativa, também em se tratando de estupro incestuoso. Tal grau de admissibilidade do problema pelo Legislativo goianiense merece, em vez da crítica fácil à suposta desconsideração ao forte bairrismo local, sinceros elogios pela coragem, pela seriedade e pela transparência. Nessa ordem, o trabalho fecundo dos vereadores vai, certamente, contribuir para a sensibilização das autoridades e da sociedade em relação à urgente promoção de medidas de combate contra crimes tão hediondos.

Diante disso, não me resta outra posição a ocupar senão aquela que fortalece o instrumento legal como guardião dos direitos aos mais desprotegidos. O Estatuto da Criança e do Adolescente corre sério risco de “esvaziamento”, caso perdurem determinadas indiferenças à real implementação de suas diretrizes. Por isso, de maneira incondicional, faço da causa à criança e ao adolescente minha intransigente bandeira contra os maus-tratos e a violência sexual.

Para concluir, expresso publicamente minha sincera convicção de que o Projeto de Lei em pauta, cuja tramitação esperamos se dê em prazo acelerado nesta Casa, dispõe das qualidades suficientes e necessárias para a implementação do núcleo propositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente. Igualmente, os trabalhos da CPI em curso devem levar o Senado Federal a empenhar-se na luta contra a desigualdade, contra a discriminação, contra a violência, enfim, contra a covardia desumana que se abate sobre nossa juventude.

Muito obrigada. 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/09/2003 - Página 29178