Discurso durante a 130ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Importância da visita do presidente Lula a Cuba.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Importância da visita do presidente Lula a Cuba.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 27/09/2003 - Página 29447
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • REGISTRO, DISCURSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ABERTURA, ASSEMBLEIA GERAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), VISITA, PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), MEXICO, CUBA.
  • COMENTARIO, RELEVANCIA, VISITA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, POSSIBILIDADE, FACILITAÇÃO, DIALOGO, AMERICA DO NORTE, FLEXIBILIDADE, EMBARGOS, VIABILIDADE, PROCESSO, DEMOCRACIA, PAIS.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Mão Santa, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em importante e relevante viagem aos Estados Unidos, proferiu o discurso de abertura da Assembléia Geral das Nações Unidas, destacando que para existir paz é necessário transformar a base da justiça social, que deve prevalecer em cada uma das nações. Sua Excelência dialogou com inúmeros Chefes de Estado, dentre os quais o anfitrião, o Presidente George Walker Bush, além, obviamente, do Secretário-Geral da ONU, que promoveu um brinde entre os dois Presidentes.

Ontem, o Presidente Lula esteve no México, em visita ao Presidente Vicente Fox, e chegará logo mais a Cuba, onde certamente estará em condições de levar mensagens muito especiais ao Presidente Fidel Castro, aos cubanos, não apenas aos que, ardorosamente, desde 1959, têm defendido a revolução cubana, mas também aos que têm tido divergências ou têm-se oposto a ela.

Registro a importância e o significado da visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Cuba, acompanhado do Ministro-Chefe da Casa Civil, Sr. José Dirceu de Oliveira e Silva, que tem laços especiais com Cuba, uma vez que, durante a ditadura brasileira, viveu alguns anos de exílio naquele país. Acompanha também o Presidente um dos amigos do Presidente Fidel Castro, que realizou inúmeras missões de aproximação entre a Igreja Católica e o governo de Cuba. Refiro-me a Frei Betto, que ontem fez uma palestra na Universidade de Cuba a respeito do Programa Fome Zero. Como se sabe, Frei Betto, que desde 1980 mantém relações de amizade com o Presidente Fidel Castro, escreveu o livro Fidel e a Religião, onde traça um diálogo de grande significado e procura levar Fidel Castro à reflexão a respeito de sua formação religiosa, depois de sua formação marxista. Certamente esse diálogo fez com que houvesse uma reaproximação entre a Igreja Católica e o regime cubano, tanto que o Papa João Paulo II, quando de sua visita a Cuba, conseguiu passos de grande significado na normalização das relações de Cuba com a Igreja Católica e também no que se refere à liberdade da prática religiosa em Cuba e o respeito do governo cubano para com o catolicismo, uma vez que, em certo estágio da revolução cubana, houve profundos atritos.

O Presidente Lula vai a Cuba talvez como o estadista de maior liderança na América Latina, que vem tendo um extraordinário significado por ser um presidente eleito com maioria absoluta, 53 milhões de votos, aproximadamente 62% no segundo turno, o que lhe dá autoridade moral e legitimidade. Sua Excelência tem demonstrado que é possível, por meios democráticos, chegar ao poder, mesmo com um programa progressista, que nasceu na fundação do Partido dos Trabalhadores, em 1980, quando o nosso Partido dizia que era possível construir o socialismo pela via democrática. O Partido dos Trabalhadores e o Presidente Lula sempre mantiveram relações de amizade e de respeito com Cuba. Mais do que qualquer outro chefe de Estado, o Presidente Lula está sendo visto como alguém que poderá transmitir, com amizade e sinceridade, ao Presidente Fidel Castro Ruiz que o Brasil está solidário com Cuba em sua intenção de participar plenamente do concerto das nações das três Américas, de ter, com elas, uma relação normal, comercial, cultural, sem quaisquer tipos de barreiras. Cogita-se da formação da Área de Livre Comércio das Américas, mas deve haver a participação plena de Cuba.

É preciso também - e o Presidente Lula terá todo o respaldo dos Partidos neste Congresso - dizer aos Estados Unidos que é hora de acabar com o embargo a Cuba. Não há razão, Sr. Presidente Mão Santa, de o governo norte-americano - tanto o de George Bush quanto o de seus antecessores - insistir em que o embargo serve para fazer com que Cuba abra suas instituições e caminhe na direção da democratização. Ora, essa não é a melhor forma de estimular Cuba a caminhar mais rapidamente para o aperfeiçoamento de suas instituições, para a democratização, para a liberdade de imprensa e para a organização dos partidos políticos, conforme no Brasil. Obviamente, para essa finalidade, o fim do embargo estimularia mais do que prejudicaria.

Em 1980, quando o Presidente Lula, então Presidente do Partido dos Trabalhadores, no seu primeiro ano de fundação, esteve na Nicarágua no primeiro aniversário da revolução sandinista, dialogou, em Manágua, com o Presidente Fidel Castro, e desde então muitas foram as ocasiões em que ambos conversaram. Quando o Presidente Fidel Castro veio assistir à primeira posse do Presidente Fernando Henrique Cardoso, fez questão de fazer uma visita pessoal à residência de Lula, em São Bernardo do Campo. Foram inúmeros os encontros que ambos realizaram: praticamente, em todas as visitas de Fidel Castro ao Brasil - que foram várias -, especialmente em ocasiões de posse de nossos presidentes, inclusive a segunda posse do Presidente Fernando Henrique Cardoso e também a de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1º de janeiro passado.

No plenário do Senado, discutimos bastante quando da condenação de três dissidentes que haviam seqüestrado um barco, ameaçado a vida de pessoas e que acabaram sendo capturados pela polícia costeira que patrulha a região caribenha em torno de Cuba, vindo a ser condenados à morte. Além disso, na mesma ocasião, há poucos meses, um número muito grande de dissidentes recebeu penas severas, de longos anos em cadeia, por estar realizando ações, segundo o governo cubano, de conspiração.

Obviamente, avaliamos como muito importante a oportunidade que tem o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva de transmitir a preocupação, com amizade, dos Senadores que aqui protestaram contra aquelas condenações. Porque, Senador Mão Santa, solidários ao povo cubano, ao governo cubano, queremos transmitir, com sinceridade, que muito maior apoio e compreensão terá o Presidente Fidel Castro se caminhar na direção de efetiva democratização de suas instituições e de respeito aos direitos daqueles que têm opiniões divergentes sobre a forma de organização da sociedade cubana, para que possam essas pessoas ter maior acesso à possibilidade de expressar os seus sentimentos, de divulgar os seus sentimentos.

É claro que muitas foram as ocasiões em que - e isso é conhecido - a própria CIA, desde o Governo do Presidente John Kennedy, realizou ações para dar cabo inclusive do Presidente Fidel Castro. Sabe-se que houve, ao longo das últimas décadas, cerca de 30 tentativas de assassinar o Presidente Fidel Castro. E da mesma maneira que o Secretário de Estado norte-americano, Colin Powel, recentemente condenou qualquer ação para se matar, aniquilar ou mesmo expulsar o Presidente Yasser Arafat de Ramala, na Palestina, jamais deveriam os Estados Unidos pensar que promover o assassinato do Presidente Fidel Castro seria uma ação condizente com a ação civilizatória que eles querem promover no mundo.

Aqui falo, Sr. Presidente Mão Santa, com a convicção de que o Presidente Lula poderá ter um diálogo como em nenhuma outra ocasião teve com o Presidente Fidel Castro. Sua Excelência estará acompanhado de dois amigos de Cuba, o Ministro José Dirceu e o Frei Betto, assim como do Embaixador Tilden Santiago, que também viveu anos de exílio naquele país e que, por sua amizade com Cuba, foi designado Embaixador do Brasil naquele país. São circunstâncias muito especiais. Há inclusive apelos de grupos dissidentes ao Presidente Lula, que eles consideram que tem condição especial de diálogo com o Presidente de Cuba. É hora de todos os dirigentes de países que têm tido diálogo fraterno com Cuba, como o Presidente Hugo Chávez, como o Presidente Alejandro Toledo, como o Presidente Néstor Kirchner, como o Presidente Vicente Fox, dizerem aos Estados Unidos: “Chega de quaisquer tipos de ameaças e de embargos ao governo de Cuba!”

Mas vamos também assinalar na direção da democratização das instituições cubanas. O Presidente Lula foi eleito diretamente e é uma prova real de que é possível um presidente progressista chegar ao poder por meios democráticos, de que é possível não ser ameaçado de ser derrubado do poder, como, por exemplo, aconteceu, em certas situações, com o Presidente Hugo Chávez na Venezuela; como aconteceu, infelizmente, com o Presidente Salvador Allende, há 30 anos, quando, ao tentar construir democraticamente o socialismo, acabou sendo derrubado.

O Presidente Lula está realizando ações de construção daquilo que considera de maior justiça para o País; está colocando em prática o Programa Fome Zero, programas de transferência de renda, que, agora unificados, terão o objetivo de, efetivamente, contribuir para atingir o objetivo do Presidente de fazer que, durante o seu Governo, nenhum brasileiro passe fome e todos tenham a possibilidade de ter, pelo menos, três refeições ao dia. O Governo brasileiro está ainda em fase de dificuldades, pois se conseguiu o Presidente Lula estancar o processo inflacionário que estava sendo retomado, ainda não conseguiu fazer com que a economia cresça com o vigor necessário, diminuindo as taxas de desemprego. Mas as condições estão dadas para que isso venha a ocorrer.

E o Presidente Lula, ainda em Nova Iorque, ontem, expressou aos empresários que não há por que o risco Brasil estar em 650, que ele deveria estar se aproximando do nível zero. Disse ainda que aqueles que estiverem apostando contra o Brasil acabarão perdendo.

Nessas circunstâncias e por toda a sua história, um trabalhador que, num partido progressista, chega ao poder, está na condição excepcional de dizer: “Presidente Fidel Castro, povo cubano, vamos nos aproximar, vamos mostrar as conquistas da Revolução Cubana, de erradicação do analfabetismo, de promoção da educação pública, como vocês conseguiram aqui em Cuba, do progresso na área da saúde, que tem transmitido lições a todos nós, brasileiros.” No Estado do Piauí, muitas vezes, há a presença dos médicos de família; em diversos Estados do Nordeste e do Norte, muitos foram os governos que deram as boas-vindas a médicos cubanos que vieram mostrar a experiência do sistema do médico de família; portanto, há, em tantas áreas, também o que aprendemos com Cuba. Há a importância de realizar um incremento das relações comerciais.

Estão ali empresários acompanhando o Presidente, pois irão realizar entendimentos sobre o que fazer nas diversas áreas da tecnologia, sobretudo, nas áreas de usinas de álcool e de açúcar, nas áreas da saúde, e em tantas outras. Então, certamente, haverá o incremento das relações culturais entre nossos países.

Enfim, temos condições excepcionais - o Governo brasileiro, o povo brasileiro, representado pelo nosso Presidente Lula - para dizer quão solidários somos e o quanto também será significativo se o governo cubano puder dar alguns sinais.

A Agência Brasil informou ontem que o Governo cubano poderá anunciar, durante a presença do Presidente Lula, o fim do paredão. Será que isso significará também uma nova atitude com respeito, por exemplo, aos 26 jornalistas independentes que estão presos, como pede o grupo Repórteres sem Fronteira, assinalado hoje no artigo de Clóvis Rossi? Poderá o Presidente Lula interferir para que haja uma nova atitude com respeito aos dissidentes?

Tenho a convicção, Senador Mão Santa, de que as condições estão estabelecidas para que Lula possa dar um passo de grande significado na direção da aproximação de Cuba de todas as nações das Américas. Nós, que conseguimos chegar ao poder por meios democráticos, queremos dizer, com muita amizade, ao Presidente Fidel Castro, que chegou ao poder derrubando uma ditadura odienta, a de Fulgencio Batista, que seria muito importante que ele pudesse agora caminhar na direção da democratização das instituições de Cuba, fazendo tudo aquilo que seja condizente com o verdadeiro sentido do socialismo. O socialismo combina com liberdade e com democracia.

Senador Ramez Tebet, concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª há de permitir que eu entre, embora sem a sua competência, no seu pronunciamento. V. Exª preside a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, é um Parlamentar de vasta experiência, de muita dedicação, homem que admiro profundamente. V. Exª aborda tanto assuntos internacionais como assuntos de interesse do nosso País. Gostei da conclusão do seu pronunciamento, porque me parece que V. Exª conclama o Presidente Fidel Castro à retomada daquilo que o mundo inteiro busca hoje: o caminho da democracia. Está demorando demais. Fidel Castro assumiu o poder, como V. Exª acaba de afirmar, derrubando uma ditadura que massacrou o povo cubano durante anos e anos. No entanto, está na hora agora, chegou o momento - Fidel Castro há tantos anos está lá e não está em nome de uma democracia, se V. Exª me permite, uma vez que lá não existe ainda democracia - em que ele deve permitir a democratização das instituições cubanas, como V. Exª bem afirma. Seu pronunciamento demonstra como é a vida. Fidel Castro assumiu em nome da democracia, mas, por contingências, talvez, o fato é que Cuba precisa, como V. Exª está afirmando, vir a ser um país verdadeiramente democrático, com suas instituições absolutamente livres. A parte final, principalmente, do pronunciamento de V. Exª é o desejo de todos nós e integra o seu perfil como Senador, homem de espírito verdadeiramente público e democrático. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço muito, e me honra o aparte de V. Exª, Senador Ramez Tebet. Na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, que hoje tenho a honra de presidir, tem sido possível captar esse sentimento assinalado por V. Exª: praticamente todos os Senadores, dos mais diversos partidos, têm expressado ao mesmo tempo o sentimento de solidariedade ao povo cubano e o desejo de que o Presidente Fidel Castro procure modificar ações como aquelas que levaram à pena de morte três dissidentes. Eles cometeram uma ação obviamente ilegal, mas é chegado o momento de o próprio Governo de Fidel Castro ouvir os apelos e o bom senso, por exemplo, da Anistia Internacional, que tem assinalado que a pena de morte não constitui mecanismo adequado para diminuir a criminalidade violenta em qualquer país. Não é um instrumento dissuasório suficiente.

Isso já foi mostrado, desde 1516, por Thomas More, na Utopia, que observou, a respeito da pena de morte, ser ineficaz infligir esse castigo horrível a quem não tem outra alternativa senão a de, primeiro, tornar-se um ladrão para, depois, ser transformado em cadáver. Desde aquela época, procura-se mostrar que a pena de morte não é um instrumento dissuasório. E, felizmente, desde 1988, a Constituição brasileira colocou como cláusula pétrea que nunca teremos a pena de morte.

Ontem, na Nigéria, um tribunal acabou absolvendo a Srª Amina Lawal, que estava condenada à pena de morte também por um motivo totalmente inadequado.

A União Européia não tem pena de morte, mas, infelizmente, em Cuba, assim como nos Estados Unidos, na República Popular da China e em outros países, ela ainda existe. E é chegado o momento de acabar.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa) - Senador Eduardo Suplicy, a Presidência lamenta suspender o seu pronunciamento, mas V. Exª está ultrapassando o seu tempo. Nessa viagem em que acompanha a viagem do nosso Presidente Lula, V. Exª ultrapassou em mais de 50% o tempo regimental.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Graças à generosidade de V. Exª.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/09/2003 - Página 29447