Discurso durante a 130ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da regulamentação da profissões de mestre-de-obras e encarregado.

Autor
Eurípedes Camargo (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Eurípedes Pedro Camargo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EXERCICIO PROFISSIONAL.:
  • Defesa da regulamentação da profissões de mestre-de-obras e encarregado.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 27/09/2003 - Página 29459
Assunto
Outros > EXERCICIO PROFISSIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PESQUISA, DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATISTICA E ESTUDOS SOCIO ECONOMICOS (DIEESE), CONFIRMAÇÃO, SITUAÇÃO, MAIORIA, TRABALHADOR, CONSTRUÇÃO CIVIL, BAIXA RENDA, AUSENCIA, BENEFICIO PREVIDENCIARIO.
  • APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, DEFESA, REGULAMENTAÇÃO, PROFISSÃO, MESTRE, ENCARREGADO, JUSTIFICAÇÃO, GARANTIA, QUALIDADE, SEGURANÇA, CONSTRUÇÃO, IMPEDIMENTO, PRECARIEDADE, RELAÇÃO DE EMPREGO.

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna para, mais uma vez, embasar, a partir da minha vivência, uma proposta que trago para apreciação deste Plenário.

Como já expus, em outros momentos, sou migrante e serralheiro. Faço parte dos que viveram a aventura de forjar um novo modelo de desenvolvimento, a partir da construção de Brasília e da migração para a nova capital. Como na definição do historiador Luiz Sérgio Duarte da Silva, “os aventureiros possuíram uma cidade que, depois da inauguração, lhes foi tomada. Durante a construção, uma outra sociedade lá existia: a sociedade dos que constroem o novo”.

O trabalhador da construção civil que, como muitos outros, vieram construir o sonho de um espírito nacional, juntamente com o ideal de uma vida melhor, para si e para a família, encontrou um grande canteiro de obras que era o Planalto Central, a esperança de uma relação diferente de trabalho e felicidade.

Ainda segundo o historiador: “a aventura da construção, exatamente pelo seu caráter extraordinário, pode ser entendida como exemplo da experiência autêntica. Por um pequeno espaço de tempo, em um lugar específico, alguns homens acreditaram estar em construção uma cidade de um novo tipo, onde uma vida diferente se construiria”.

O que se verificaria com o passar do tempo é que também nessa nova cidade os trabalhadores teriam lugar de lutar contra os problemas comuns aos trabalhadores de baixa renda, a falta de moradia, escola, saúde e emprego.

Os trabalhadores da construção civil permaneceram na cidade, muitos passaram a exercer outros ofícios e a grande maioria permaneceu nessa atividade profissional, boa parte deles na informalidade.

Assim, é como membro dessa categoria, como migrante que viveu o sonho de uma nova cidade e de uma nova vida, que proponho que o Congresso resgate uma dívida social com esses trabalhadores, regulamentando as profissões de mestre de obras e encarregado.

Para fornecer aos Srs. elementos para um melhor entendimento da questão, vou citar alguns dados, fornecidos pelo DIEESE sobre o setor da construção civil, que tem sido um dos mais importantes da economia nacional.

A construção civil ocupou, em 2001, mais de 4,7 milhões pessoas. Destas, entretanto, somente 954 mil são empregadas com carteira profissional assinada. Os demais ocupados na construção civil são empregados sem carteira assinada, trabalhadores por conta própria, trabalhadores ocupados na construção de suas próprias casas ou trabalhadores sem remuneração.

Cerca de setenta e dois por cento do total dos trabalhadores ocupados na construção civil não contribui para a Previdência Social.

A construção civil também se caracteriza pela alta rotatividade, sendo que, em São Paulo, por exemplo, mais de cinqüenta e dois Poe cento dos empregados na construção civil não completam um ano na mesma empresa.

Ainda segundo o DIEESE, esses dados vêm reforçar a tese de que os trabalhadores da construção civil compõem a base da pirâmide social urbana e que, dentre os diversos ramos da atividade econômica, o setor aloca um grande contingente de trabalhadores mais pobres.

A reestruturação produtiva, que vem modificando as relações de trabalho com a introdução de novas tecnologias e novas formas de gestão da mão-de-obra, tem chegado aos canteiros de obras por meio da utilização de novos materiais e da precarização das relações de trabalho por intermédio da subcontratação da terceirização, gerando perda de renda e dificuldade de fiscalização.

Assim, temos, a partir daí, dois grandes desafios, que são a necessidade de se ter uma mão-de-obra cada vez mais qualificada para lidar com novos materiais e novas tecnologias e a necessidade de impor limites ao processo de precarização e informalidade nas relações de trabalho.

Quero, aqui, defender a regulamentação das profissões de mestre-de-obras e encarregado como uma medida que tem impacto positivo nos desafios elencados.

Cada vez mais, com o desenvolvimento de novas tecnologias, são necessários profissionais mais qualificados, como forma inclusive de garantir padrões adequados de produtividade. São necessários profissionais especializados que sejam responsáveis por pequenos segmentos do serviço.

Organizar uma obra, hoje, é tarefa complexa. São diversos funcionários, várias tarefas e prazos rigorosos a serem cumpridos, exigindo do mestre-de-obra ou encarregado, responsáveis pela fiscalização e supervisão da obra, habilitações específicas.

Entendemos também que existem diversos graus de competência a serem atendidos, em um processo de construção. Por isso, faço questão de elencar o campo de realizações das profissões de mestre-de-obras e encarregados:

I - locar e executar obras da construção civil;

II - colaborar no planejamento e estudo da obra;

III - acompanhar os reparos de manutenção de equipamentos e ambientes físicos relativos à execução dos projetos das edificações técnicas;

IV - orientar-se por plantas, esquemas e especificações; e

V - realizar estudos, supervisão, cálculos de estimativas de quantidades e custos, aplicando seus conhecimentos na identificação e solução de problemas técnicos, assegurando o aperfeiçoamento e desenvolvimento da obra.

Propomos, a partir dessas atribuições, que o exercício dessas profissões seja específico dos seguintes trabalhadores:

I - dos portadores de comprovante de habilitação em cursos oficiais, ministrados por instituições públicas ou privadas;

II - dos portadores de comprovante de habilitação devidamente revalidados no Brasil, em cursos regulares, ministrados por escola estrangeira; e

III - daqueles que comprovem estar exercendo efetivamente a profissão, à data da publicação desta lei, há pelo menos três anos - isso, levando-se em consideração que, nesta profissão, é importante que se tenha também experiência prática, porque só teoricamente não se consegue exercer a profissão, dar conta das suas tarefas, porque ela não é só técnica.

Delimitada a área de atuação profissional e estabelecidos os parâmetros da formação desse profissional, temos ainda que nos deter brevemente a um aspecto relevante da formação desse profissional, que se caracteriza muito mais pela apropriação de habilidades e competências práticas, devendo o currículo dos cursos de formação profissional abrangerem, nesse caso, aulas práticas e estágios.

Seria ainda muito importante que os recursos disponíveis para a qualificação profissional dos trabalhadores no Ministério do Trabalho e Emprego pudessem impulsionar essa qualificação profissional por meio de projetos que levem em conta o aprendizado prático desses profissionais, como metodologia adequada à sua realidade.

Para nós, torna-se claro que, atendidos esses requisitos, teremos trabalhadores melhor capacitados para lidar com as atuais exigências desse ramo tão importante em nossa economia, favorecendo à sociedade como um todo: os empresários, que poderão contratar mestres-de-obras e encarregados com formação adequada, garantindo índices de produtividade melhores aos trabalhadores, que terão a sua atividade profissional valorizada, e à sociedade, que terá padrões de segurança nas construções.

Quanto ao nosso segundo desafio, que é o combate à precarização das relações de trabalho, propomos em nosso projeto que o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, Confea, seja o órgão superior de fiscalização profissional e que o registro profissional deverá ser requerido, preenchidas as exigências já elencadas, aos Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Estabelecidas essas medidas, temos a certeza de que a sociedade teria melhores e mais eficazes instrumentos de fiscalização e controle das condições em que são desenvolvidas as construções, que se destinam, em sua maioria, a abrigar nossa população, seja na forma de moradias, hospitais ou escolas.

Eu gostaria de finalizar, Sr. Presidente, conclamando as senhoras e os senhores a apoiar essa iniciativa, que não atende a um interesse meramente corporativo, mas se propõe, como já foi dito, a resgatar uma dívida social com os trabalhadores da construção civil, garantir melhores condições de segurança para nossas edificações e melhorar os índices de produtividade de nossas construções.

Quero dizer que a Federação dos Trabalhadores da Construção Civil de Belo Horizonte realizará um congresso para tratar também deste tema. Tenho recebido, por parte de vários setores, posicionamentos contrários e favoráveis. Talvez a maioria não entenda a complexidade da questão.

O projeto está tramitando. O Senador Reginaldo Duarte é o Relator da matéria na Comissão de Assuntos Sociais. A matéria está submetida à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde espero que haja o desdobramento da discussão, que é pertinente ao Senado, pois não se trata de uma questão localizada ou corporativa. É algo que traz benefícios sociais, na medida em que o País cresce tecnologicamente, qualifica os seus profissionais e alavanca para sairmos desse processo e gerarmos um número substancial de trabalhadores no Brasil e no mundo inteiro; são profissionais que têm a sua contribuição a dar - e tem dado - para o crescimento das nossas riquezas.

Portanto, o nosso projeto tem o sentido de fazer justiça e elevar a auto-estima dos trabalhadores. Como se trata de um estrato social que não tem uma organização com poderes de enfrentar essa discussão, precisamos estar atentos para isso.

Concedo um aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Grande Senador Eurípedes Camargo, eu gostaria de externar os nossos cumprimentos, porque V. Exª alerta para aquilo que é mais importante: o caminho, o trabalho, a profissão; o que dá dignidade, casa, comida, família e felicidade. V. Exª reconhece o que é mais nobre: a profissão. Para quem tem uma profissão, tudo é mais fácil. O próprio Sheakspeare disse que o futuro do mundo é aquele que sabe mais, mais; de menos, menos. Ou seja, tem vez o profissional, o especialista e não mais aquele homem dos sete instrumentos. Quis Deus estar na Presidência um grande jurista, logo abaixo de Rui Barbosa, mas deveria estar no mesmo patamar, pelo saber jurídico: o ex-Presidente Ramez Tebet. Portanto, a meu ver, esse tema é muito importante, porque cria postos de trabalho; a construção civil é quem emprega. Na História da Civilização, as pirâmides foram feitas porque os governantes buscavam trabalho. A meu ver, cada um leva a sua profissão para onde for e o mestre de obras é para o engenheiro o que o enfermeiro é para o médico. Então, é um profissional extraordinário e útil, principalmente num País como o nosso, onde não temos um grande número de pessoas formadas em engenharia. Muitas vezes ele, como o enfermeiro no exercício da sua profissão, preenche as necessidades. Na Medicina, vemos quantos benefícios trazem as enfermeiras e as parteiras, assim como esses profissionais, os mestres de obras, para a construção daquelas casas de quem não tem grande capacidade financeira para contratar uma firma com engenheiro. Então, são louváveis o seu pronunciamento e o seu trabalho. Nossos parabéns.

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF) - Senador Mão Santa, eu tinha certeza de que V. Exª estaria colocando a sua sensibilidade social nesse pronunciamento, que quero incorporar a este discurso porque ajuda na discussão do tema. É importante que o Senado Federal dê a sua contribuição, porque trata-se de uma questão nacional, já que as construções acontecem de Norte a Sul do País.

Esse profissional, com certeza, percebendo que está sendo reconhecida a sua profissão, eleva a sua auto-estima e a sua confiança, bem como sua preparação. Ele se sente motivado para se capacitar, cada vez mais, sabendo que terá reconhecimento.

Portanto, V. Exª coloca muito bem a responsabilidade social da questão. Quero agradecer as palavras de V. Exª e incorporá-las ao meu discurso.

Eram essas as ponderações que eu queria tecer sobre o assunto, que deverei abordar em outros momentos, no sentido de esclarecer essa questão para todos nós. Espero entrar com um requerimento para que possamos fazer uma audiência pública, a fim de que esse assunto tenha eco na sociedade como um todo.

Tenho a intenção de propor uma lei que tenha a eficácia que requer o assunto e cuja regulamentação também seja possível. Todas as dúvidas serão dirimidas nessa discussão, nessas audiências públicas, e o projeto está em tramitação.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/09/2003 - Página 29459