Discurso durante a 130ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem póstuma a Dona Risoleta Guimarães Tolentino Neves.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem póstuma a Dona Risoleta Guimarães Tolentino Neves.
Aparteantes
Edison Lobão, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 27/09/2003 - Página 29462
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, RISOLETA NEVES, VIUVA, TANCREDO NEVES, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • COMENTARIO, EPOCA, MORTE, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aqui estou para falar de uma mulher excepcional, uma verdadeira heroína brasileira, D. Risoleta Guimarães Tolentino Neves.

Juntamente com o Presidente José Sarney e outros Senadores, assinei o voto de pesar pelo seu falecimento, mas me senti na obrigação de vir dizer algumas palavras, eu que acompanhei fatos tão importantes na vida deste País que contaram com a presença de D. Risoleta.

D. Risoleta foi a companheira de toda a vida de um dos nossos mais destacados homens públicos, o grande Tancredo Neves, que teve uma das mais férteis e movimentadas trajetórias políticas, mas que morreu pouco antes de assumir o mais alto cargo que o povo brasileiro lhe concedeu nas urnas: a Presidência da República. Tancredo faleceu justamente na véspera de assumir a Presidência para liderar o primeiro Governo democrático em mais de duas décadas.

A notícia da morte de D. Risoleta chocou-me ainda mais quando eu soube que ela veio a falecer pelo mesmo problema de saúde que atacou seu marido, a diverticulite, que não é um mal comum, é muito raro, diga-se de passagem. Quando noticiada a doença do Dr. Tancredo, a imprensa toda publicava fotos e explicava em que consistia a tal da diverticulite, que muitos não entendiam.

Existe aí, creio eu, bem mais do que uma simples coincidência. Eu diria que é um fato estranho, bastante perturbador, que nos mostra que a união entre certas pessoas vai muito além do que podemos imaginar.

Visitei D. Risoleta, por duas vez, no hospital do Rio de Janeiro. Falei com os enfermeiros e com seu médico, que me diziam que o mal praticamente não tinha chance de recuperação, e comparei seu caso com o do marido, porque a notícia foi de que ele morreu por erro decorrente de sua cirurgia.

O Dr. Tancredo, patrioticamente, diga-se de passagem, não aceitou ser operado antes de assumir a Presidência da República. Seu médico, de Minas Gerais, e as poucas pessoas que tinham conhecimento do seu mal insistiam, dramaticamente, em que ele fizesse a cirurgia. E ele respondeu que não, pois tinha um recado direto do Presidente Figueiredo de que só passaria a ele a Presidência da República, de que não a passaria ao Dr. José Sarney.

Isso o angustiou de tal forma que, por mais que os médicos insistissem, Tancredo não aceitou fazer a cirurgia. Só o fez quando a dor o derrubou.

Ali, começou uma verdadeira tragédia grega: no momento em que o Brasil, com dezenas de delegações, com Chefes de Estado, festejava, em todos os recantos, embaixadas e clubes, a posse do Presidente, ele estava sendo operado.

Começo este breve pronunciamento reproduzindo as palavras que D. Risoleta dirigiu à multidão - estimada em cerca de um milhão de pessoas - que tomou conta da Praça da Liberdade e das ruas próximas, em Belo Horizonte, para prestar a última homenagem a Tancredo Neves, já falecido, pouco antes de seu sepultamento.

Aliás, é interessante que não me lembro, na vida brasileira, de um caso que tenha comovido tanto a Nação quanto a doença do Dr. Tancredo, porque foram longos dias, longos dias de sofrimentos. Foram sete cirurgias, feitas uma após outra. Era impressionante ver na grande imprensa, principalmente nas emissoras de televisão, ao vivo, um grande jornalista, que foi, inclusive, nosso Governador no Rio Grande do Sul e que tinha sido já convidado por Tancredo para ser o Chefe da Imprensa do seu Governo, Antonio Britto, noticiar, dar os boletins e o Brasil parar para assisti-los. Em mais de uma oportunidade, D. Risoleta falou à Nação recomendando oração e fé; falou à Nação dizendo que, em meio à doença e à angústia, seu marido se dirigia ao povo pedindo confiança sempre, que o Brasil tinha vencido e haveria de vencer.

Muitas foram as vezes em que, com lágrimas nos olhos, D. Risoleta falou à Nação. E não foi uma senhora que, de repente, colocada no clímax da visão nacional, tivesse alguma vaidade, alguma ambição, alguma pretensão, algo natural à pessoa humana quando um fato novo o tira do dia-a-dia e o coloca no pedestal de uma sociedade. Ela, não, era com simplicidade, com singeleza, com humildade que, a cada momento, se dirigia à Nação. Esteve ela presente ao lado do marido desde que ele foi recolhido ao hospital, naquela noite, por volta de 21 horas, quando, em todas as embaixadas, estavam acontecendo festas, e nós, os homens da Nova República, éramos distribuídos para que cada um pudesse atender às embaixadas - eu fiquei com as Embaixadas da Argentina e do Uruguai. Eu estava na Embaixada do Uruguai quando recebi um telefonema dizendo que o Presidente estava hospitalizado.

Que impressionante! Que quadro! Eu não me lembro de ter vivido instantes tão cruéis. Afinal, nós estávamos ali, vínhamos de vinte e tantos anos de luta. Havia gente que achava que haveríamos de conseguir a democracia na paz, na justiça, na liberdade, sem radicalizações, sem guerra civil, sem lutas. E haveríamos de consegui-la mediante um entendimento que fizesse o Brasil retornar ao eixo da normalidade democrática. E tínhamos conseguido, pois o ambiente era de paz, não havia a figura dos derrotados. Fizemos isso com tal competência, a Lei da Anistia foi feita com tal categoria que as coisas foram... É verdade que no Brasil não tivemos os horrores que falam que ocorreram na Argentina e no Chile. Tivemos os nossos problemas, mas soubemos suportá-los.

Estávamos no auge dessa situação, talvez no momento mais épico. Eu não posso me recordar de um momento mais épico, em que o Brasil todo estava vibrando, dançando, cantando pelas ruas e por todos os lugares. Havia chegado o momento da paz, o momento da liberdade, o momento de um homem como o Dr. Tancredo, que tinha dado demonstrações, desde que escolhido candidato, desde que eleito candidato, de grande competência. Sinceramente, confesso que, lá no plenário da Câmara dos Deputados, quando ele deu uma entrevista coletiva à imprensa internacional, eu, que convivi com Tancredo a vida inteira, não imaginava que ele tivesse tanta capacidade e conhecimento das questões mundiais como ele demonstrou, tanto que foi aplaudido de pé pela imprensa internacional.

Estávamos vivendo aquele momento, e, de repente a notícia: “O homem está no hospital!”

Chegamos ao hospital, ao lado dele estava D. Risoleta, só D. Risoleta. Entrava e saía o Ministro Dornelles, sobrinho, e os médicos; do lado de cá, no quarto ao lado, Sarney, Marco Maciel, Leônidas Pires Gonçalves, Aureliano Chaves, Pedro Simon, Ulysses Guimarães, as lideranças que teriam que tomar as decisões trágicas sobre o que fazer, uma vez que, no outro dia, às 9 horas, seria a posse. O que fazer? E Tancredo, rezando, pedia pelo amor de Deus que não fosse operado. Ele dizia: “A partir de amanhã à tarde, depois de minha posse, façam de mim o que quiserem. Me cortem e recortem como quiserem. Mas eu tenho que tomar posse”. Queria ele que lhe dessem uma enxurrada de comprimidos que lhe permitissem ter condições de vir ao Congresso Nacional jurar, tomar posse e voltar para o hospital.

Não houve jeito.

E dava para ver o olhar de D. Risoleta, a imagem de D. Risoleta. Ela estava ali. O neto, secretário particular do Dr. Tancredo e já o acompanhava - o pai do Dr. Aécio era genro e grande amigo de Tancredo -, e Aécio era uma espécie de filho mais moço dele.

Tomada a decisão trágica, dramática, assistimos nós, no quarto, à passagem da maca, levando o Dr. Tancredo, vinda do quarto do lado. À sua cabeceira, D. Risoleta. E já ali nos impressionava o mar de gente. Dizem que, na cirurgia do Dr. Tancredo, havia mais de 35 pessoas.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Permite-me V. Exª uma ligeira interrupção?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Pessoas, médicos inclusive, como o Dr. Antonio Carlos Magalhães - que não posso dizer que foi um médico brilhante, embora deva dizer que é um político brilhante, lá estava. Um outro Senador, também médico, do PMDB do Acre, brilhante, de grande atuação, mas que, ao que eu sabia, há muito tempo não clinicava, lá estava.

Pois não, Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador Pedro Simon, V. Exª tem o propósito, nesta tribuna, de fazer uma homenagem a uma das mais extraordinárias mulheres que, de um modo ou de outro, estiveram na política do nosso País. Mas, com esse propósito, V. Exª vai além e faz a história política recente do Brasil. Os fatos aqui relatados fazem com que nós todos, neste Plenário, e, seguramente, aqueles que estão nos assistindo pela TV Senado, voltemos ao passado para assistir o drama do grande estadista Tancredo Neves. A fidelidade do relato de V. Exª chega a ser penetrante nas consciências políticas deste País. O Brasil é um País que pode se orgulhar dos grandes líderes que teve no passado distante e no passado recente, e Tancredo Neves pode ser mencionado entre aqueles que sempre se colocaram no ápice dessa pirâmide. Tivemos muitos homens dessa têmpera, desse jaez: Tancredo, Ulysses, Pedro Simon, sim, Sarney, Krieger - que também foi do seu Estado -, Passarinho, Petrônio Portella, Pedro Aleixo...Estes homens dignificaram a vida pública, e os que já se foram deixaram atrás de si o exemplo para que possamos seguir na segurança de que estaremos no caminho certo. Tancredo veio para restaurar, restabelecer, reedificar essa construção democrática, dentro da qual gostam de viver os brasileiros. V. Exª, também, ao longo da história do Brasil, tem sido uma dessas sentinelas. Essa tarefa não foi fácil; foi penosa, mas cumprida por homens que não queriam a revolução armada, nem o sangue derramado dos brasileiros - como V. Exª acaba de mencionar. Desejavam, isto sim, o retorno ao leito, ao álveo democrático, que foi conseguido graças ao talento, à obstinação e à competência desses homens mencionados, entre os quais, V. Exª. Cumprimento-o, portanto, pelo relato que aqui faz em benefício da história.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Muito obrigado a V. Exª, sinceramente, muito obrigado.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Ouço o aparte de V. Exª.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Nobre Senador Pedro Simon, é imensurável o bem do pronunciamento de V. Exª. Em sua bondade, V. Exª quis homenagear uma excelsa mulher brasileira, mas dá o exemplo do valor da mulher e da família na paz. E só políticos da estatura de V. Exª reconhecem isso. Vou citar um dos homens da estatura de V. Exª: Winston Churchill. No mundo, os totalitaristas Stalin, Hitler, Mussolini e Japão, tomando conta do mundo, e eis que ele surge dizendo ao seu povo: tenho a lhes oferecer sangue, suor e lágrimas. Eis que se unem Estados Unidos e Rússia, Franklin Delano Roosevelt e Stalin. O nosso Getúlio estava simpático à Itália, como Perón e outros. E Churchill uniu povos, decidiu uma guerra, e hoje usufruímos a democracia. Nasci na guerra, mas, hoje, usufruo a paz da democracia. Entrevistado, Winston Churchill disse a seguinte frase, Senador Edison Lobão: “Casei-me, e tudo foi fácil” - o valor da mulher, quando ele teve de tomar aquelas decisões. Isso se repetiu com Tancredo Neves. Quero citar outro homem de muita cultura, que foi Senador - há até um familiar seu no Senado Federal, o Senador Luiz Otávio - e enviuvou: Jarbas Passarinho. Ele diz, em seu livro Um Híbrido Fértil, que a sua esposa só lhe deu infelicidade um dia: quando morreu. Talvez esse tenha sido o grande prêmio do santo brasileiro, Tancredo Neves, religioso como V. Exª, cristão, o de ter ido antes do seu grande amor. Mas não foi em vão: ficou em nós esse exemplo de amor, para construirmos. E ninguém poderia definir melhor do que a santa Risoleta Neves, que disse: “Tancredo se imolou pelo Brasil”.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Muito obrigado, Senador Mão Santa.

Convém salientar que D. Risoleta acompanhou o marido na granja do Riacho Fundo, quando Tancredo montou seu governo. Várias vezes, tive oportunidade de participar de reunião fechada, em que estavam o Dr. Tancredo, D. Risoleta, o neto e mais algum familiar. O impressionante é que D. Risoleta fazia questão absoluta de não intervir nas decisões do marido. Ouvi uma e outra frase que me marcaram; uma delas, quando Dr. Ulysses foi conversar com Tancredo sobre os cargos a serem preenchidos, e se abraçaram. D. Risoleta disse depois: “Que bom, Tancredo, que vocês sejam tão amigos e continuem amigos! Tinha uma preocupação muito grande de que o Dr. Ulysses, magoado, não o acompanhasse nessa caminhada”. Lembro-me, também, do que disse Dr. Tancredo, que já tinha praticamente preenchido o seu Ministério, ao receber do Ceará uma imposição: “Mas o Ministério já está todo fechado, não tenho mais como preencher ou substituir!” Não me recordo do nome, mas alguém disse: Tancredo, há muito tempo se fala que o Brasil tem que racionalizar, parar com essa anarquia, essa burocracia enorme; por que você não cria o Ministério da Desburocratização? Assim o fez e entregou-o a um cearense.

D. Risoleta não saiu um só dia do hospital e a todos atendia. Com o passar do tempo, as permissões de visita ficaram mais raras, e ela tinha de recepcionar embaixadores e uma infinidade de amigos que lá estavam para abraçar Tancredo. Lembro-me da tragédia da ida para São Paulo, do tumulto enorme que Antônio Britto, ex-Governador do Rio Grande do Sul, relata em seu livro - que vale a pena ser lido -, do que foram aqueles dias e da atuação de D. Risoleta.

Tancredo Neves morreu, e o Brasil não valoriza os grande fatos. O nome que tem persistido mais tempo nas manchetes é o de Pelé, que já não joga mais bola, mas ainda é vedete. Quando vou a Washington e vejo delegações de estudantes de 10, 12 e 15 anos, dos mais de 40 estados - faz parte do currículo das escolas, da formação de um jovem no primário, a visita aos monumentos a Abraham Lincoln, George Washington e Thomas Jefferson - fico emocionado. Os americanos valorizam a sua gente.

Morreu Tancredo, e foi uma comoção enorme. Na saída do hospital, em direção ao aeroporto foi um mar de gente; na chegada a Brasília, havia tanta gente quanto na morte de Juscelino. Lembro-me de que foi o único ritual a que assisti inteiro. Estava impresso o ritual; os cadetes conduziam o corpo, a família e D. Risoleta de um lado, e José Sarney e D. Marly de outro, e a família de Tancredo Neves. Em seguida, vinha o Ministério de Tancredo - lá estava eu; depois os Governadores e as delegações estrangeiras. Tudo organizado na Esplanada dos Ministérios. Nunca me esqueço, guardarei isso para o resto da vida: o caixão do Dr. Tancredo, D. Risoleta e o Presidente Sarney e nós; antes de nós, porém, estavam os nomes do Dr. Roberto Marinho e de sua esposa, impressos, oficialmente, no convite do enterro Comentei que achava certo porque ele era uma figura muito representativa do país, só não sei se certo estava oficializar como oficializaram.

D. Risoleta voltou à sua simplicidade, voltou à sua humildade; não aceitava dar entrevista, não aceitava falar. Recolheu-se à sua fazenda na cidade de São João Del Rei e levou a sua vida. No governo Sarney, várias vezes, foi convidada para receber homenagens, mas não aceitava, nem aqui em Brasília, nem lá em Belo Horizonte. Ela recolheu-se à sua humildade.

Lembro-me das palavras de D. Risoleta dirigidas à multidão, na Praça da Liberdade, pouco antes do sepultamento de Tancredo. Naquela ocasião, disse D. Risoleta: “Meus irmãos, meus queridos mineiros, vocês tiveram o amor inteiro por ele e espero que continuem devotando esse mesmo amor a todas as suas idéias, a todo o seu trabalho, para que possamos ter em breve um Brasil melhor.”

Vejam a profundidade dessas palavras. Vejam o conteúdo das palavras de uma mulher que está sepultando o seu marido, uma mulher que era a primeira dama na expectativa de um futuro de brilho e que estava se recolhendo praticamente ao anonimato.

Recordo ainda, claramente, a força que emanava daquela mulher pequena, franzina e frágil quando ela se dirigia à multidão, embora sua voz falhasse em certos momentos. Ali estava - pensei eu - uma mulher à altura de seu marido Tancredo Neves, que, por uma dessas estranhas coincidências, veio a falecer no dia 21 de abril de 1985, uma data simbólica, uma data forte, uma das datas magnas da nossa cidadania.

Não é fantástico? Onde nasceu Tiradentes? Em São João Del Rei. Onde nasceu Tancredo? Em São João Del Rei. Como morreu Tiradentes? Esquartejado. Como morreu Tancredo? Esquartejado por dentro: foram sete cirurgias. Eles morreram no mesmo dia, no mesmo dia 21 de abril; na mesma cidade, São João Del Rei, nasceram os dois.

Eu me pergunto até hoje onde D. Risoleta Neves arranjou forças naquele dia para fazer aquele pronunciamento, embora dilacerada pela perda do companheiro de toda uma longa vida.

D. Risoleta cultivava uma qualidade que considero das mais essenciais às pessoas públicas: a discrição. É preciso destacar esse fato porque, hoje em dia, vivemos uma época em que as pessoas, em grande número, gostam de falar em público sobre fatos que deveriam ser privados. D. Risoleta Neves foi, também, por essa característica, a companheira perfeita para o igualmente discreto Tancredo Neves.

D. Risoleta Neves estava internada há dois meses no Hospital Copa D’or, em Copacabana, Zona Sul do Rio, quando faleceu às 8h20 de domingo, em conseqüência de falência múltipla dos órgãos.

Já na tarde daquele mesmo dia, seu corpo estava de volta ao Solar dos Neves, em São João Del Rei, onde foi velado. Foi enterrada no cemitério da Igreja São Francisco de Assis, onde também foi sepultado o ex-Presidente Tancredo.

O SR. PRESIDENTE (Eurípedes Camargo) - Senador, V. Exª faz um discurso épico e altamente importante para a Nação. Entretanto, peço a colaboração de V. Exª já que o seu tempo se esgotou e há outros oradores inscritos.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Já encerro, Sr. Presidente, Muito obrigado.

Aécio Neves, seu neto e atual Governador de Minas Gerais, estava na Espanha, mas acabou retornando ao Brasil para assistir à cerimônia.

Nascida na cidade de Cláudio, em Minas Gerais, oriunda de um família que tinha uma propriedade rural, D. Risoleta conheceu Tancredo Neves quando ele era vereador na cidade de São João Del Rei. Tancredo foi seu primeiro e único namorado.

Como era comum naquela época, D. Risoleta foi educada num colégio de freiras. No entanto, desde os primeiros tempos do namoro, começou a colaborar na trajetória política do seu esposo.

Tancredo Neves e Risoleta casaram-se em 1938 e tiveram três filhos. A filha Inês Maria foi casada com Aécio Cunha, eleito Deputado Federal por Minas entre 1963 e 1967. O neto, Aécio Neves, eleito Deputado Federal por Minas desde 1987, é o atual Governador de Minas Gerais. Nesse cargo, Aécio vem dando mostras de grande capacidade administrativa, da mesma forma que, na Presidência da Câmara, já havia provado habilidade política semelhante à de seu avô.

Segundo pessoas que privaram com ela, D. Risoleta foi, ao longo de toda sua vida, uma mulher que sabia dosar muito bem as atividades em casa com as muitas obrigações que lhe foram impostas pelos cargos exercidos pelo seu marido. Pessoalmente, era uma pessoa imbuída da necessidade de, dentro das suas possibilidades, trabalhar pelos mais pobres e pelos mais desvalidos. Fez isso, por exemplo, na época em que Tancredo Neves governou Minas Gerais. Naquela ocasião, assumiu a direção do Servas, instituição oficial que cuidava da assistência social, e imprimiu um grande dinamismo ao trabalho daquela entidade.

Sr. Presidente, vim a esta tribuna para prestar uma singela homenagem a essa grande, fantástica mulher chamada Risoleta Guimarães Tolentino Neves. Pela sua integridade, pela sua generosidade, pelos valores cristãos que defendeu, pela postura sempre discreta e pela solidariedade permanente aos mais humildes e necessitados. Infelizmente, não se costuma, no Brasil, homenagear as esposas dos grandes homens públicos. Aqui estou, nesta tribuna, para preencher esta lacuna.

Dr. Tancredo Neves pertencia à Ordem Terceira de São Francisco e honrava-se disso. E se havia algo a que ele não faltava era à procissão da Ordem Terceira. Lá estava ele em São José do Rio Preto. Naquela época, para a procissão, os franciscanos da Ordem Terceira vestiam-se como um frade capuchinho.

Que Deus receba D. Risoleta, de braços abertos, e que os dois que viveram juntos, que lutaram juntos, que sofreram juntos, que tiveram vitórias juntos e que morreram da mesma doença encontrem em Deus a paz, o amor e a justiça que merecem.

Muito obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/09/2003 - Página 29462