Discurso durante a 130ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise política, econômica e social do governo Lula.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Análise política, econômica e social do governo Lula.
Aparteantes
Arthur Virgílio, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 27/09/2003 - Página 29475
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, AUSENCIA, DEFINIÇÃO, PLANO DE GOVERNO, DEMORA, EFETIVAÇÃO, PROMESSA, CAMPANHA ELEITORAL, INCOERENCIA, PROPOSTA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, IDEOLOGIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), AUMENTO, OCORRENCIA, CONFLITO, SOCIEDADE, CRESCIMENTO, TAXAS, DESEMPREGO, VIOLENCIA, FALTA, PARTICIPAÇÃO, GOVERNO, SECRETARIA ESPECIAL, PESCA.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cenários são desenhos do futuro baseados em combinações consistentes de hipóteses plausíveis. Entretanto, os cenários não pretendem prever futuros mas apenas delimitar os espaços e possibilidades de evolução dos acontecimentos.

Em outras palavras, cenários não são predições “do que vai acontecer”, mas apenas descrições “do que poderá ocorrer” num horizonte temporal, com base em algumas premissas selecionadas.

Pois bem, Srs. Senadores, neste momento do Governo Lula, algumas premissas estão postas e delineadas pelo gestão do Partido dos Trabalhadores no poder. Nesse contexto de governabilidade e governança, podemos traçar alguns cenários da administração Lula.

O momento recessivo, traduzido na redução do consumo, nas taxas recordes de desemprego e ainda no crescimento das tensões sociais, tanto no campo como nas cidades, permite-nos esboçar um cenário sombrio para o País.

Senador Mão Santa, o Presidente Lula, recentemente, no exterior, afirmou: “O ano de 2003 vai ficar na história como o ano em que mudamos o País”. Fiquei espantado com essa afirmação do Presidente Lula. Mas, que mudança está havendo neste País, para o Presidente da República, no exterior, proclamá-la com tanta ênfase, entusiasmo e cerimônia?

Na verdade, o que estamos verificando neste ano é o agravamento dramático da crise social brasileira. Neste ano, o Governo Lula já conquistou um título que o deprecia: campeão do desemprego. Os índices são alarmantes. A Fundação Seade revela que o desemprego atingiu 20%, e o IBGE aponta 13%. Com 13% ou 20% de desemprego, é dramática a situação brasileira; 13% ou 20% é uma taxa recorde.

Esse é um título que deprecia o Governo, o de campeão do desemprego, já que a promessa de geração de dez milhões de empregos no País, no Governo Lula, calou fundo na alma dos trabalhadores brasileiros.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos insistido na adoção de medidas imediatas de estímulo à atividade econômica, clamando pela retomada do crescimento sustentado. Os estrategistas do Governo não precisariam de grande esforço para auscultar as aspirações mais recorrentes da sociedade civil brasileira. O Governo que aí está foi eleito num estuário de promessas e pactos introjetados no inconsciente coletivo da população. E o povo assiste perplexo agora à aprovação de uma reforma previdenciária que atenta contra todos os postulados defendidos pelo PT, em décadas de luta e pregação oposicionista.

Até entendi a irritação dos líderes petistas, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, quando fomos buscar pronunciamentos não tão distantes no tempo, até recentes, a respeito do que se pretendia como reforma da previdência no País. A contradição é gritante; a incoerência, brutal. O que era inconstitucional, ontem, repentinamente, num toque de mágica, numa fantástica mudança, numa fenomenal transformação, tornou-se constitucional; o que era injusto, o que era agressão aos direitos humanos tornou-se, pela repentina insensibilidade humana, algo confortável para os trabalhadores do País.

Que reforma é essa, Senador Mão Santa, meu Líder Arthur Virgílio, que vitima aposentados, que agride direitos e, sobretudo, compromete o futuro da universidade pública em nosso País?

Ainda ontem, desta tribuna, li um artigo sobre o clamor dos professores da Unicamp, alertando o Governo brasileiro para o fim da universidade pública e gratuita no nosso País. Essa reforma da previdência é o primeiro passo para que se determine o fim da universidade pública e gratuita no País, começando por aposentadorias em massa dos mestres brasileiros, pela fuga do que há de mais talentoso na nossa universidade. Não haverá reposição dos quadros mais credenciados e conceituados da cultura brasileira, haverá um empobrecimento intelectual, comprometendo o futuro, comprometendo as aspirações de modernização da sociedade brasileira. Vamos atingir, com essa reforma, a alma da universidade pública do nosso País.

Temos insistido, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em medidas que possam corresponder aos compromissos assumidos pelo Partido dos Trabalhadores na campanha.

As medidas adotadas pelo atual Governo para reverter o cenário de estagnação econômica e de ruptura do equilíbrio social são pífias e pouco sinceras. Vejamos: as três últimas reduções da taxa básica de juros não refletem o que o Governo propala em termos de retomada do crescimento econômico. Os juros continuam muito elevados. Continuamos campeões mundiais, com as mais elevadas taxas de juros do mundo. As taxas de juros anuais, efetivamente observadas, são 68% (capital de giro), 72% (desconto de duplicada), 102% (crédito pessoal), 196% (cheque especial), 231% (cartão de crédito) - quando sacamos da carteira o nosso cartão de crédito, imaginando que estamos fazendo um bom negócio, acabamos realizando um péssimo negócio, porque somos obrigados a pagar juros de 231% -- e 317% (empréstimos em financeiras). Em qualquer diagnóstico, essas taxas emperram, na prática, a produção e o consumo.

Que cenário podemos antever para o País? O que foi concebido, por exemplo, para se garantir que todos os brasileiros pudessem realizar três refeições por dia - Fome Zero -, até o momento, patina na inépcia dos órgãos encarregados de operacionalizá-los.

E o Presidente da República, surpreendentemente, demonstrando uma arrogância até então desconhecida, afirma: “Nós vamos ensinar este País a atingir a maturidade”. Mas que professor é esse que pode ensinar uma Nação com tanta história?

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Ainda há pouco, ouvimos daquela tribuna o Senador Pedro Simon, num brilhante discurso, fazer ecoar neste plenário a história de Tancredo Neves. Este, sim, é lição de vida, é lição de dignidade. Mas um Presidente recentemente eleito e que ainda não conseguiu dizer à Nação a que veio afirma que vai ensinar ao Brasil?

Senador Arthur Virgílio, não posso, de forma alguma, deixar de extravasar aqui o meu inconformismo em relação a essa postura arrogante.

Concedo, com satisfação, um aparte a V. Exª.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Alvaro Dias, serei bastante breve. Registro, primeiramente, que V. Exª tem sido um dos mais bravos líderes oposicionistas da Casa. Este é um fato, e a Casa o reconhece sobejamente. Em segundo lugar, V. Exª traz à baila o caráter autoritário do Governo. O Presidente Lula, até quando fala em diálogo, em democracia, revela um certo ranço autoritário. E vimos a forma de diálogo que se propõe à Casa, aquele comportamento ignóbil de tentar impedir a voz da Oposição na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que discutia a reforma da previdência. Aliás, dou até um aviso aos líderes governistas: preparem-se para serem mais ignóbeis ainda, porque vamos recrudescer na nossa resistência a qualquer tentativa de nos calar, na Comissão ou em qualquer lugar. Não estamos aqui para sermos silenciados por quem quer que seja. Esse é um fato. Senador Alvaro Dias, também quero reportar-me a uma piada que meu pai me contava quando eu era criança: a do Miguel. Não sei se o Sr. Presidente e o Senador Mão Santa têm conhecimento dessa piada. Miguel era uma figura que se dizia muito importante e que, certo dia, foi a Roma. Ele voltou de lá contando a história de um grupo de húngaros e russos que estava em Roma para assistir ao evento em que o Papa abre a janela para ver o povo. Quando voltou ao Brasil, o Miguel contou para os seus amigos, na roda do bar, que todas as pessoas diziam: “Quem é? Não está dando para enxergar ali. Quem é aquele pessoal ali?”. Diziam: “O da direita é o Miguel; o outro não sabemos quem é”. O Presidente Lula estava com complexo de Miguel, imaginando ter um peso internacional que não tem e, na verdade, procurando vender aqui dentro a importância de fatos que não são registrados. Hoje, pesquisei os jornais dos Estados Unidos, e não saiu uma linha em nenhum jornal. É coisa de Odorico. É preciso ter cuidado com isso, porque o Brasil não é um País bananeiro, é uma República de sólida conformação republicana e, portanto, tem que ser governado com toda essa perspectiva da seriedade, até formal, por parte do seu Presidente. Parabéns a V. Exª! Ouço o seu discurso com o respeito de sempre.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Obrigado, Senador Arthur Virgílio. Certamente, haverá, sim, ainda muitas madrugadas nesta Casa, no enfrentamento que é do nosso dever, especialmente na conclusão dos trabalhos para a aprovação da reforma da previdência e no início dos trabalhos e do debate que travaremos sobre a reforma tributária.

Aproveito a oportunidade para ler uma frase do jornalista Clóvis Rossi, no jornal Folha de S.Paulo: “O PT não está governando para aqueles que o elegeram, mas para desmentir aqueles que nele não acreditaram”.

E o Senador Jefferson Péres disse: “O PT tinha programa para chegar ao poder fazendo oposição ao Brasil, como bem disse o Deputado João Paulo, mas não tem plano de Governo”.

O cotidiano evidencia que não há planejamento estratégico, e o que caracteriza as ações de Governo, até o momento, é uma flagrante ineficiência. Seria o caso de os formuladores e responsáveis em manejar as ferramentas de gestão e planejamento convocarem o Dr. Eliezer Batista para uma conversa. O Dr. Eliezer, como sabemos, é o pai do primeiro projeto de desenvolvimento auto-sustentado do mundo - o Carajás. A propósito, o Dr. Eliezer Batista sugere a criação de um Ministério do Desenvolvimento Sustentado, que tenha debaixo de si não apenas os temas de desenvolvimento, mas também os ambientais.

Quem sabe, Senador Arthur Virgílio, esse Ministério poderia substituir o Ministério da Pesca, porque não sei o que pescou, até hoje, o seu titular. Aliás, confesso que o Ministro da Pesca deve ter pescado tanto, que sequer me lembro do seu nome.

É chegada a hora de romper com o imobilismo e resgatar a esperança de um novo Brasil, esperança que foi disseminada no salvacionismo dos discursos inflamados da campanha.

Senador Mão Santa, que tem a sensibilidade do interior pobre do Piauí, o cenário no qual as famílias cortam gastos com alimentos - arroz, açúcar, óleo, macarrão - precisa ser revertido o quanto antes, com medidas concretas. Os supermercados anunciam que houve uma queda de 7,9% na venda de produtos da cesta básica. O Governo que prometeu três refeições por dia ao povo pobre do País é aquele que está determinando a redução do consumo da alimentação básica para a sobrevivência humana.

Concedo o aparte ao Senador Mão Santa, que, melhor do que ninguém, pode testemunhar a pobreza dramática que existe no interior de um Estado do Nordeste brasileiro.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Alvaro Dias, “Deus escreve certo por linhas tortas”. V. Exª tinha que estar nessa tribuna. Faz-me relembrar Afonso Arinos, que dizia, diante do atentado ao Major Vaz: “É mentira o órfão? É mentira a viúva?”. Quanto à viagem, eu fazia uma reflexão dos meus conhecimentos históricos. Senador Arthur Virgílio, D. Pedro I viajou e foi ser D. Pedro IV para defender a sua tradição de poder em Portugal. D. Pedro II só fez uma viagem à Europa e escreveu para sua filha: “Isabel, lembre-se que o melhor presente que você pode dar ao seu povo é uma estrada”. E como estão péssimas as estradas brasileiras! Quanto a Getúlio Vargas, os Presidentes vinham ouvi-lo, como fez Franklin Delano Roosevelt. Juscelino Kubitschek viajou muito, mas para Brasília, para enfrentar o planalto e sonhar esta grandeza. Então, essa última viagem a Cuba não teve sentido. Conheço Cuba, Senador Arthur Virgílio, e estive no seu Parlamento. Será que é aquilo que querem fazer aqui? Lá, Senador Alvaro Dias, há eleições, mas não há Partido. O médico fica no seu hospital e, de dois em dois meses, é chamado. Vi a Ata da última eleição: trezentos Deputados, trezentos votos para Fidel Castro e trezentos para o seu irmão e vice poderoso, o Raul. Então, querem “cubanizar” o nosso Parlamento, para que haja somente um lado? Não, o Senado tem história. Rui Barbosa fez uma advertência quanto à mentira: “A mentira é um passo da infidelidade”. O que estão fazendo à nossa democracia, a esse poder de se fazer a lei? Se não for para se fazerem as leis aqui, se elas devem vir do Palácio, então vamos fechar esta Casa e economizar. Esse é o sentido de Montesquieu, ou seja, que aqui nasçam as leis boas e justas. Repito que Rui Barbosa deixou o alerta quanto à mentira, a mesma da teoria de Goebbels, que já conhecemos e estudamos. O País, hoje, é civilizado - está aqui o Arthur Virgílio, embaixador do Itamarati -, e esta Casa representa essa sabedoria que temos. Rui Barbosa disse: “Buscai a verdade. A mentira é um passo da infidelidade e abre o caminho para a traição”. Por isso, estamos aqui, nesta sexta-feira, mostrando ao País que lutamos para manter a valorização do Poder que deve criar leis boas e justas, como a lei de Deus, para que sejam eternas e não apressadas. Não se mede o nascer de uma lei com a interpretação da música de Juca Chaves, reproduzida pelo Presidente, de que “quem come apressado come cru”. Vou trazer a música do Juca Chaves, para não oferecermos leis indevidas ao povo brasileiro.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - O Senador Mão Santa é médico, e essa é a razão, inclusive, do seu nome, incorporado oficialmente, mas nesta Casa está se revelando um verdadeiro professor de História. Com a sua memória fantástica, a cada aparte, a cada pronunciamento, lembra-se de enunciados de figuras notáveis da História universal e enriquece, portanto, o discurso de todos nós no Parlamento brasileiro.

O crédito anunciado de R$200 milhões para financiar compras de eletrodoméstico reflete uma medida para socorrer a indústria de eletrodomésticos, cujas máquinas estão paradas 50% do tempo previsto para produção. Contudo, medidas emergenciais como essa não são capazes de romper com a dinâmica perversa presente, qual seja: a política econômica sufoca a produção industrial e o consumo e depois aplica dinheiro em financiar um pouco de consumo para oxigenar, também um pouco, o setor industrial posto em coma induzido pela política econômica do Governo de Lula. O único setor que funciona de forma articulada é o da Comunicação do Governo, que, aliás, já possui um “Ministro da Propaganda” nomeado, o publicitário Duda Mendonça.

Sobre essa questão não vou falar. Sobre essa questão tem know how o Senador Arthur Virgílio, que tem se batido contra essa relação promíscua existente entre o marketing do PT, o marketing do Governo entre o dinheiro do PT, o dinheiro do Governo, o dinheiro do Duda Mendonça, o dinheiro do PT e do Governo. Há, realmente, uma relação promíscua que precisa ser investigada. E o Senador Arthur Virgílio tem sido um atento observador desses fatos aqui no Senado Federal.

O que se pergunta: qual é a política industrial, quais são as políticas públicas do Governo? O atual cenário não podemos aceitar.

Vejo, Sr. Presidente, que o meu tempo se esgotou. Agradeço a V. Exª pela compreensão em me permitir inclusive superá-lo em cerca de três minutos. Portanto, não posso roubar, aqui, a oportunidade que teremos, mais uma vez, de ouvir o Senador Arthur Virgílio Neto.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/09/2003 - Página 29475