Discurso durante a 131ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Falta de sintonia e coerência no Governo Luiz Inácio Lula da Silva por ocasião da edição de medida provisória a respeito dos alimentos transgênicos. (como Líder)

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Falta de sintonia e coerência no Governo Luiz Inácio Lula da Silva por ocasião da edição de medida provisória a respeito dos alimentos transgênicos. (como Líder)
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 30/09/2003 - Página 29545
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, INCOERENCIA, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ASSINATURA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), AUTORIZAÇÃO, PLANTIO, SOJA, PRODUTO TRANSGENICO, TENTATIVA, IMPUTAÇÃO, RESPONSABILIDADE, JOSE ALENCAR, VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • SOLICITAÇÃO, PUBLICAÇÃO, DISCURSO, AUTORIA, JOSE GENOINO, GESTÃO, DEPUTADO FEDERAL, LIDER, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), CAMARA DOS DEPUTADOS, OPOSIÇÃO, AUTORIZAÇÃO, PLANTIO, PRODUTO TRANSGENICO, RISCOS, MEIO AMBIENTE, SAUDE, POPULAÇÃO.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srs. Senadores, volto à tribuna a pedido da Liderança do meu Partido, em substituição à Senadora Lúcia Vânia, que aqui não pôde comparecer, para fazer novos comentários sobre um tema que tem sido usualmente debatido aqui nos últimos dias.

A coerência não é realmente a marca do Governo Lula. A seqüência de erros observada na assinatura da medida provisória que autorizou o plantio da soja transgênica é mais uma prova da ausência de sintonia e coerência entre os Ministros e gestores do atual Governo.

Em 1999, a Direção do PT alardeava aos quatro ventos o seu repúdio à intenção do Presidente Fernando Henrique Cardoso de liberar o cultivo e a comercialização de alimentos geneticamente modificados. À época tal intenção era classificada de suspeita e irresponsável, verdadeiro desafio à inteligência nacional.

Sou compelido, Srª Presidente, a cotejar o texto da Medida Provisória assinada pelo Presidente interino, ratificada em edição extra do Diário Oficial da União, com o teor do texto lido pelo Deputado José Genoíno no plenário da Câmara, em 1999. O texto alertava: “Proliferam em todo mundo reações contrárias da comunidade científica aos transgênicos”. Citava uma manifestação da Associação Médica Britânica exigindo a interrupção do plantio de alimentos geneticamente modificados em toda a Grã-bretanha até que novas pesquisas atestem que esses novos produtos não prejudicam a saúde humana e o meio ambiente.

Sem dúvida, se o Vice-Presidente da República, no exercício da Presidência, tivesse lido as declarações do Deputado José Genoíno, teria evitado esse desgaste. Aliás, é bom fazer justiça, aqui, ao nosso ex-Colega, ex-Senador e atual Vice-Presidente da República, José Alencar. Tentaram responsabilizá-lo pelos equívocos cometidos na tramitação dessa medida provisória. E sabemos que o Vice-Presidente não teve responsabilidade alguma em relação aos equívocos praticados, ele apenas assinou a medida provisória; como se diz popularmente, recebeu o prato feito.

Aliás, não gostamos de ser irresponsáveis, mas por que se esperou o momento da ausência do Presidente Lula para submeter ao Vice-Presidente da República a assinatura de uma medida provisória complexa e polêmica como essa? Portanto, da nossa parte queremos isentá-lo de responsabilidade. É assim que pensamos a respeito dessa questão: de forma nenhuma podemos imputar responsabilidade pelos equívocos ao Vice-Presidente da República José Alencar. O Governo que assuma a responsabilidade pelos equívocos.

O Partido dos Trabalhadores, em nota de 1999, dizia o seguinte: “As dimensões éticas que envolvem os produtores transgênicos e a importância da matéria para o delineamento do futuro do País recomendam a posição de absoluto desacordo e confronto da Bancada Petista para com a condução suspeita e irresponsável do Governo relativa à deliberação desses produtos no Brasil, “a toque de caixa” e sem conhecimento científico dos riscos impostos à população e ao meio ambiente”. E ia além o aguerrido PT, em 1999: “Mantida a liberação dos transgênicos, cuidaremos para que o tempo não conspire contra a responsabilização criminal dos autores desse grave delito”, a começar pela figura do Sr. Fernando Henrique Cardoso. E agora, José? José Genoíno. O PT vai responsabilizar criminalmente os responsáveis por essa medida provisória? O tempo conspirará ou não contra essa responsabilização? Como bem caracterizou o Diretor da Sucursal de Brasília do Jornal Folha de S.Paulo, jornalista Josias de Souza, “a coerência do Partido dos Trabalhadores é geneticamente modificada”. Em todos os assuntos, da matéria mais complexa à menos polêmica, os posicionamentos do PT pós-eleições presidenciais são diametralmente o oposto.

Eu poderia ler - mas não o farei - todo o pronunciamento do Deputado José Genoíno, como Líder do PT na Câmara dos Deputados, no dia 21 de maio de 1999. Mas peço à Srª Presidente que autorize a publicação, na íntegra, deste pronunciamento, que inclui inclusive a nota oficial do Partido dos Trabalhadores sobre os transgênicos, contrastando radicalmente com a atual Medida Provisória apresentada pelo Governo do PT.

Prossigo, Sr. Presidente, com a análise que fazia relativamente à incoerência do PT. É como se estivessem a dizer: esqueçam o que li, o que defendi, o que assinei, o que jurei defender. Seja na questão dos transgênicos, seja na Reforma da Previdência Social ou na condução da Reforma Tributária, essa nova e irreconhecível postura do combativo Partido dos Trabalhadores evidencia-se de forma flagrante e incontestável.

Mesmo entre os fiéis e crendenciados aliados do PT o desencanto é visível. Cito como exemplo o ex-Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o Médico e Farmacólogo Sérgio Ferreira, um dos primeiros cientistas a formalizar apoio à candidatura do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que critica de forma ostensiva a falta de transparência em setores estratégicos do Governo e qualifica o plano de alfabetização do Governo Federal de “marketing vagabundo”. Repito a expressão do Dr. Sérgio Ferreira, um dos primeiros cientistas a formalizar apoio à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva: “O plano de alfabetização do Governo Federal é um marketing vagabundo”. Segundo o Dr. Sérgio Ferreira, uma das maiores autoridades da farmacologia mundial, o Programa Brasil Alfabetizado, lançado pelo Governo Federal neste mês, não estimula a curiosidade e é um retrocesso. Nas palavras do ex-Presidente da SBPC, “esse projeto ensina a ler e pronto. Saber ler é saber interpretar”.

Depoimentos como esse são amplificados no dia-a-dia de ações e articulações de um Governo que se dissociou por completo de suas teses históricas. Encontrar um liame entre a prática de hoje no poder e a teoria petista de ontem é tarefa de Arqueologia.

E perguntamos: até onde irá o Governo?

Cedo um aparte, com prazer, ao Senador Mão Santa, do Piauí.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Alvaro Dias, quisera eu ter participado do pronunciamento de V. Exª anteriormente, mas não o fiz em respeito ao Regimento Interno e à nossa bela Srª Presidente. Entretanto, Deus escreve certo por linhas tortas e Ele quis que fosse agora. Primeiro, congratulo V. Exª por ter abordado o assunto do esporte. Suas preocupações são enormes e ninguém tão bem dissertou sobre o assunto. Porém, eu queria lembrar do outro lado: o esporte é sagrado. Então, ele merece as preocupações de V. Exª, que são de todos nós. Num plenário como este, Cícero já dizia mens sana in corpore sano. Penso que o esporte tem de ser visto como uma grande escola que contribui para aprimorar a maior riqueza que temos: o corpo que Deus nos deu. O esporte, a meu ver, educa mais que uma sala formal com a professora, porque ali se ganha e se perde, como na vida. É um combate. Sai-se para novas conquistas, busca-se o entrosamento da equipe, pois “a união faz a força”. A obstinação, o treino, o preparo, o aperfeiçoamento, as regras, a lei, o juiz, todos esses aspectos promovem o lado educativo. V. Exª justifica as preocupações. O outro assunto não é do Cícero: é de hoje, de amanhã, do futuro, do nascer, como diz Ortega y Gasset. O futuro é que é capitão, é quem comanda. Quanto aos transgênicos, lembro-me de meu professor de cirurgia, que dizia que “a ignorância é audaciosa”. Vejo tanta gente do PT que não sabe de nada falar em transgênicos. Sou professor de biologia, de fisiologia, médico-cirurgião e digo que se trata de um assunto contra o qual não se pode ir. A insulina usada hoje tem um princípio ativo de transgenia. A biologia médica, ao tratar do maior avanço da humanidade - a cirurgia de transplante -, está pesquisando o transplante de órgãos em outros animais, tais como macacos e porcos, porque se sabe a técnica, mas não há o instrumento. Na agricultura, foi produzido o algodão colorido, e houve melhoria de vários produtos. O negócio é tão importante e tão complexo que, recentemente, no aniversário de 60 anos do Hospital do Câncer São Marcos, no Piauí - o Piauí é muito avançado -, o diretor do Hospital do Câncer A. C. Camargo, de São Paulo, que lá esteve presente, disse que hoje a pesquisa é tão avançada que quem ganha mais dinheiro são os laboratórios de pesquisa, pois quem planta laranja vai a eles investigar para produzir uma laranja melhor; quem semeia uva quer uma uva qualificada, sem semente; quem cultiva algodão deseja um algodão resistente. “A ignorância é audaciosa”. Muita gente do PT precisa freqüentar os bancos da Ciência para se curvar ao saber.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Mão Santa, pelo seu aparte.

No pronunciamento de hoje, sequer estamos abordando o mérito da medida provisória. Procuramos apenas destacar a forma incoerente de agir do novo Governo. Aliás, pela história do PT, imaginamos até que teria havido uma grande convenção nacional para deliberar sobre a mudança de programa do Partido - o que não ocorreu. Na prática, o que está havendo é uma mudança radical da proposta petista, tão difundida durante 23 anos neste País. É por isso que a frustração campeia no seio do PT, pois muitas Lideranças do Partido não concordam com essa mudança programática radical.

A política econômica anteriormente postulada pelo PT, que ensejaria a retomada do crescimento econômico para a geração de empregos, não é aquela aplicada hoje, que agrava a crise econômica e social do País, com um legado de muitos desempregados a mais em nove meses de mandato. Segundo denuncia o jornalista Elio Gaspari, em extraordinário artigo na Folha de S.Paulo, há pelo menos um milhão de novos desempregados durante esse primeiro ano de gestão.

Srª Presidente, não fazemos a crítica com gosto. O objetivo do PSDB não é se opor ao País. O Partido faz oposição responsável, contrapondo-se aos desmandos e aos equívocos do Governo, à paralisia que tomou conta da estrutura da Administração Pública brasileira, inibindo o processo de crescimento econômico do País, com prejuízos irrecuperáveis no plano social. A isso o PSDB se opõe, mas posiciona-se a favor do Brasil e terá enorme satisfação, desta mesma tribuna em que critica, de aplaudir o PT quando mudar seu rumo e reencontrar os caminhos que buscava antes, do desenvolvimento econômico com justiça social para o nosso País.

E estamos alertando diariamente para os riscos que o País corre, com a asfixia de sua economia, os riscos de uma exacerbação social maior em função da dramaticidade da crise, que se avoluma a cada passo. Os instrumentos para a mudança estão em mãos do Senado Federal agora. A reforma da Previdência Social é um instrumento de mudança que, lamentavelmente, não mudará nada. A reforma não muda, a reforma deforma o modelo de Previdência Social no País. Sei que, pela força da mídia que propala a reforma, muitos brasileiros não compreenderam ainda o que está por vir. Somos indagados: “Por que se colocar contra a reforma da Previdência?” Porque a palavra “reforma”, por si só, galvaniza a simpatia popular, pois todos nós queremos reformar, queremos mudar. Todos somos “mudancistas”. Queremos um Brasil moderno, avançado, desenvolvido e, quando ouvimos a palavra “reforma”, colocamo-nos ao lado dela. É claro que não temos a força da mídia que tem o Presidente Lula, mas essa reforma não é verdadeiramente a reforma segundo a aspiração nacional. Não é, como se disse, “a reforma de todos os brasileiros”. Ao contrário, essa é a reforma do Governo do PT, cujo objetivo é arrecadar mais e gastar menos, melhorando o caixa da Previdência Social. Não é a reforma do cidadão, não é a reforma do aposentado, não é a reforma dos que têm esperança em um futuro melhor. É um arremedo de reforma, que, lamentavelmente, não promoverá a mudança desejada no sistema previdenciário brasileiro.

E a reforma tributária? Essa é ainda mais incompetente, um festival de equívocos. O Governo, na ânsia de vê-la aprovada, cedeu aqui, cedeu ali, cedeu acolá e transformou-a em frangalhos. Transformou o que poderia ser uma reforma capaz de distribuir renda, gerar empregos e promover desenvolvimento econômico, reequilibrando o sistema fiscal e distribuindo, de forma eqüitativa, os tributos entre os entes federativos, em verdadeiro monstrengo, que não honrará o Governo da República e não honrará o Congresso Nacional, se aprovada como está.

Esperamos que não seja aprovada. Esperamos que o Congresso Nacional, em um lampejo de lucidez e perspicácia, faça ecoar aqui as aspirações nacionais e aprove, quem sabe, um substitutivo global a essa proposta que não reforma o modelo tributário brasileiro!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/09/2003 - Página 29545