Discurso durante a 131ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Situação da classe médica no Brasil.

Autor
Mão Santa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PI)
Nome completo: Francisco de Assis de Moraes Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EXERCICIO PROFISSIONAL.:
  • Situação da classe médica no Brasil.
Aparteantes
Papaléo Paes.
Publicação
Publicação no DSF de 30/09/2003 - Página 29558
Assunto
Outros > EXERCICIO PROFISSIONAL.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, CLASSE PROFISSIONAL, MEDICO, PAIS, RESULTADO, DESVALORIZAÇÃO, COEFICIENTE, HONORARIOS, INSOLVENCIA, FINANÇAS.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Papaléo Paes, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, brasileiros e brasileiras aqui presentes e que assistem a esta sessão pela televisão e a ouvem pela Rádio Senado, quis Deus estar presidindo esta sessão o Senador do Amapá, médico, Papaléo Paes, que é Presidente da Subcomissão de Saúde, justamente quando eu vou falar de um assunto de importância médica, da saúde, e quero me congratular. Como Shakespeare diz: não há mal nem bem, depende da interpretação.

Começo interpretando algo bom. A medicina, os Senadores médicos se regozijam porque no dia de hoje, Senador Luiz Otávio, foi aprovado com brilhantismo doutor em doenças infecciosas e saúde pública o Líder do PT, médico Tião Viana. É doutor, pois depois do mestrado ele fez agora o doutorado e recebeu todos os reconhecimentos e honrarias. Quero dizer que isso engrandece o Senado, a competência cultural que ele representa e a ciência médica. S. Exª defendeu a tese “Hepatite Delta na Amazônia”. São registrados pela Organização Mundial de Saúde dezoito milhões de casos. Então, o nosso Senador Tião Viana é doutor em hepatite delta pela Universidade de Brasília.

Como Shakespeare diz, e veremos, a saúde tem um lado ruim. Este Senado Federal tem o Senador Papaléo Paes, que é médico. O primeiro Senado da República - está ali o Presidente José Sarney - era composto por 42 brasileiros: 20 magistrados; 1 advogado; 10 militares - do tempo de Floriano Peixoto e de Deodoro da Fonseca -; 7 eclesiásticos - Padre Antônio Feijó -; havia 2 homens ligados às fazendas, aos campos, à zona rural, aos agricultores; e havia 2 médicos. Hoje, nós somos 6 médicos nesta Casa: os Senadores Antonio Carlos Magalhães; Mão Santa; Mozarildo Cavalcanti; o Ilustre Presidente da sessão, Papaléo Paes - cardiologista; Augusto Botelho e o mestre em Saúde Pública, em doença infecto-contagiosa, Tião Viana.

São muitos os sonhos na história da humanidade. E eu entendo que a ciência médica é a mais humana das ciências. Os médicos são grandes benfeitores da humanidade. Mas esse entendimento vem de longe. Ninguém mais chamou a atenção na história do mundo do que o Filho de Deus, quando por aqui passou. E Ele nas suas obras deu de médico, fez nascer o encantamento da medicina. Ao limpar os corpos leprosos, estava sendo o grande dermatologista; ao fazer os cegos recuperarem a visão, estava sendo o excelso oftalmologista; ao fazer o surdo ouvir e o mudo falar, Ele estava sendo um exímio otorrinolaringologista; ao tirar o demônio dos endemoniados, Cristo estava fazendo medicina psicossomática, avançada psiquiatria. Ele dá a mensagem da necessidade dessa profissão divina, tão divina, Senador Luiz Octávio que aí se diz que a medicina é um sacerdócio. Aí é que temos que analisar. Tão divina que depois da História Sagrada quem bem descreveu os evangelhos, com toda a certeza, Senador Pedro Simon, no dia 4 de outubro vai reviver a história, vai ser uma imitação de Cristo e de São Francisco, o Santo que mais se aproximou. Então, Lucas, o médico, estava presente. Isso tudo faz a grandeza da medicina e me atraiu, da maneira como São Francisco, o Santo, andava com uma bandeira de paz e bem. Penso que, na medicina, fazemos o bem e obtemos a paz. Com essa história toda do exemplo de Cristo, de São Lucas, de todos os médicos, trago a esta Casa um trabalho de grande repercussão no nosso País. Os médicos chegaram ao fundo do poço. É a realidade, é a verdade.

Foi publicado em vários jornais do Brasil um artigo sobre o aviltamento da profissão médica caracterizado pela desvalorização do coeficiente de honorários em 308% nos últimos nove anos. Em dólar, essa desvalorização foi de 351%, Senador Eduardo Suplicy - que é o mais humanitário de todos nós. O documento, mais que uma reclamação, uma seriíssima denúncia do ponto a que chegaram os médicos, grande parte dos quais á beira da insolvência financeira, leva a assinatura do Dr. Paulo Ezequiel, funcionário da Secretaria Municipal e da Secretaria Estadual do Nordeste, no Rio Grande do Norte, e recebeu solidariedade de todos os médicos do Brasil.

A repercussão foi tão grande que, por conta própria, médicos de todo o Brasil passaram a transmitir a carta para os colegas via e-mail. Chegou a mim, com o pedido de trazer essa carta aqui. Ela é um documento que recebe apoio de todas as sociedades: inclusive, Senador Papaléo Paes, da sociedade a que V. Exª pertence, a Sociedade de Cardiologia. Também estão aqui a Sociedade de Cirurgia, a Sociedade de Pediatria, a Sociedade de Geriatria e outras.

Médicos, companheiros de profissão, como descemos!

Senador Luiz Otávio, quando meu pai se aposentou, há nove anos, disse que estava fazendo aquilo porque a profissão médica havia chegado ao fundo do poço e não agüentava ver a classe descer mais do que aquilo.

Presidente José Sarney, foi Deus que me trouxe. O primeiro Senado tinha 20 Magistrados e, de lá para cá, só leis boas para eles. Aqui estamos diante do fato de que o teto é só dos homens da Justiça: R$18 mil - é bom, é muito bom. Eles merecem. Eles merecem, porque estudaram; e os médicos muito mais, porque cuidam da vida.

Senador José Sarney, o Presidente Lula precisa vir a esta Casa da sabedoria. Sua Excelência errou porque não conhecia o Senado, assim como os Ministros José Dirceu, Ricardo Berzoini e Luiz Gushiken não conhecem. Todos erraram; pensaram que as leis passariam goela abaixo.

Senador João Capiberibe, é bom um magistrado ganhar R$18 mil. Porém, pergunto: o que faremos com aqueles que os educaram, com os professores universitários que lhes ensinaram e lhes deram a luz do saber, o altruísmo, o exemplo e a educação em boas universidades? Fui educado em universidade federal. Vamos tirar deles 11%? Das viuvinhas, 30%? Não! Se o Lula não reconhece o funcionário público é porque não estudou nas grandes universidades para saber da obstinação e da dedicação. Esta Casa não vai aprovar essa Reforma. Esta Casa é o Senado, o Poder moderador. A ignorância é audaciosa.

O Dr. Paulo Ezequiel disse que, há nove anos, seu pai aposentou-se porque presenciou essa situação. Registrou ainda: “Nesses nove anos, os salários e até o CH - coeficiente de honorários - desvalorizou 308,68% se comparado ao salário mínimo -, e pagamos salários baseados no mínimo dos funcionários -; desvalorizou 73,47%, pelo IBGE, que mede o índice de preços ao consumidor (inflação), índice este que sabemos ser maquilado pelo Governo Federal. Se “dolarizarmos” nossas perdas, elas chegam a 351,81%” - e ainda cortam 11% do salário desses obstinados servidores de Cristo e de São Lucas, e 30%, das viuvinhas. Esse absurdo não o faremos!

“Como descemos...

Inicialmente, fizemos cortes no Orçamento; depois, aumentamos a carga de trabalho, passando a dar mais plantões. Cortamos férias e nos tornamos “clientes especiais” dos bancos, inicialmente eventuais, hoje cativos - essa é a classe médica. Não temos tempo sequer para nos organizar. Como descemos!

Não podemos sequer lutar na Justiça, pois o Judiciário jamais votaria a nosso favor, mesmo que estejamos certos. Os juízes já votaram seu próprio aumento, e, se votassem o nosso, poderia não sobrar para eles.

Em 1994 - atentai bem, Presidente José Sarney - um médico recebia R$755,00, e um promotor público, R$1,3 mil. Hoje, o médico recebe os mesmos R$755,00, e o promotor, mais de R$8 mil - que será aumentado para quase R$18 mil, o que é uma vergonha. Que diferença de responsabilidade ou de um curso faz com que ocorra tal disparidade, Senador Eduardo Siqueira Campos? Sem falar de vereadores, auditores fiscais e outros cargos que, devido a seu poder de autogestão dos salários, foram evoluindo, enquanto retrocedemos. Como descemos!

E a culpa, de quem é? De nós mesmos! Nós, que deixamos a coisa correr sem reagir. Talvez devido à célebre frase: “Medicina é sacerdócio!”. Mas até os padres, hoje, em sua maioria, vivem bem, comem bem, têm carro, vestem-se bem, viajam. A culpa é nossa por termos aceitado dar plantões em condições mínimas. Sem água? Compramos água. Comida ruim? Compramos a comida. Não há material? Improvisamos. Tudo em prol da continuidade do serviço e do paciente. A culpa é nossa, por termos criado uma cooperativa médica que protege a todos, menos ao médico. Vejam uma diária hospitalar hoje e há oito anos. Quem protege quem? Os planos de saúde aprenderam que não temos tempo para reclamar, e pagam o que querem, quando querem e se quiserem.

Chegamos no nosso carrinho, cara de cansados, exaustos, na verdade, maltrapilhos, e somos atendidos pelo gerente do plano: bem-dormido, gravata, perfumado e de carrão zero a nossas custas. Burros de cangalha é o que somos. O Governo também aprendeu que não temos força para cobrar o que é de direito. Retira gratificações, suspende pagamentos, é como se fôssemos isentos de obrigações financeiras. Coitados de nós! Como descemos, Senador Papaléo!!! E não tivemos um líder como o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva que nos ensinasse a fazer greve. Nós, pelo amor ao próximo, trabalhamos. Nunca fazemos greve.

Temos medo de pedir um orçamento a um pintor ou pedreiro. Estamos apertados para pagar o colégio dos nossos filhos. Achamos que, se continuarmos assim, vamos acabar pagando para trabalhar. Estamos enganados! Já estamos pagando, pois as noites em claro nos renderam doenças e problemas de saúde que nossa aposentadoria do Estado, de R$400,00, somada ao INSS, de R$800,00, mais talvez uma previdência privada, não conseguem cobrir. Pagamos, porque a nossa ausência em casa na busca de manter um “padrão de vida” não tem preço. Nossos filhos estão à mercê de drogas e maus exemplos, devido ao abandono.

E como dizer aos nossos filhos para estudarem, pois vale a pena? Eles vêem o exemplo do pai que estudou tanto, fez tantos cursos, passou em concursos e tem uma qualidade de vida tão ruim. E aí vem o Big Brother, e outros exemplos de pessoas que vivem muito melhor, até de forma ilícita. É difícil fazê-los compreender que o que nos mantém na nossa profissão, o que alimenta a nossa alma e o nosso espírito, são duas coisas: o amor pela prática médica e a incapacidade que temos de reverter todo investimento que fizemos à mesma.

Se o medo é de pagarmos para trabalhar, podem ficar cientes de que já estamos fazendo isso.

Penso que deveríamos ser mais radicais e não aceitarmos imposições, pois sabemos que estamos totalmente certos. Temos que ganhar melhor, para atender melhor os nossos pacientes. Temos que dormir bem, para atender melhor os nossos pacientes. Temos que estudar e nos atualizar, para atender melhor a nossos pacientes.

Queira ou não, tudo isso depende de remuneração.

É por isso que não devemos nos espantar quando nos depararmos com colegas “mais antigos” freqüentando os plantões noturnos de sábado à noite. Ou com os consultórios fechados. Ou com antigos professores trabalhando em PSFs.

Os embalos de sábado à noite, para os médicos, só ocorrem em novelas da Rede Globo. São mostradas as exceções.

Que Hipócrates nos ouça!

E é ainda mais lamentável, Senador Papaléo Paes, vermos na manchete do jornal O Globo: “Hospitais universitários cancelam cirurgias”. E, resumindo, duas páginas: “Médicos alertam para prejuízo do ensino” e “Diretores de hospitais vão a congresso debater crise atual”.

No Estado do Rio, só no Rio de Janeiro, há dezesseis hospitais de ensino, sendo dez federais, um estadual e cinco filantrópicos; no País são 148. Ao todo, eles acumulam uma dívida de cerca de R$130 milhões.

Senador Pedro Simon, onde houver dúvida, que eu leve a fé! Onde houver erro, que eu leve a verdade! Não entendo como essa equipe que está no Planalto vai a Cuba e dá meio bilhão; vai ao Chaves doido e dá um bilhão; vai lá não sei onde e dá um bilhão; vai não sei mais aonde e dá mais um bilhão! Com R$130 milhões eles resolveriam o problema de 148 hospitais públicos universitários e filantrópicos, como as santas casas.

Onde houver erro que eu leve a verdade! Esta é a verdade: é uma vergonha, como diz o Boris Casoy. Estou aqui e quero dizer que, nesta luta, uma heroína lá do Piauí, Deputada do PT, está nos céus, traumatizada, porque, comigo, foi mitigar R$30 mil do Ministério da Educação, R$30 mil do Ministério da Saúde, para fazer funcionar um hospital que o Presidente José Sarney iniciou em 1986, um hospital universitário, e não conseguimos.

E aprendi, como minha santa mãe, terceira franciscana, como Pedro Simon, que a caridade começa em casa. Como é que este Governo não acorda do seu sono e vê!? Está aqui. Estão todos no negativo, sem crédito para remédio, com salários atrasados etc.

Com a palavra o Senador médico Papaléo Paes.

O Sr. Papaléo Paes (PMDB - AP) - Senador Mão Santa, quero parabenizá-lo pelo seu pronunciamento, neste momento, preocupado com a questão da saúde em nosso País, centralizando suas palavras na decadência salarial que o médico vem sofrendo no Brasil, há algumas décadas, principalmente na última, mas lembrando também que essa decadência salarial faz com que a qualidade, principalmente do serviço público, venha caindo cada vez mais. Sabemos que precisamos, como V. Exª disse, de reciclagens, de permanecermos sempre atualizados com a ciência, de manter boa qualidade no atendimento ao paciente, de ter um estado psicológico adequado para atender o nosso paciente. E vemos hoje, nos passos que estão sendo seguidos, principalmente no serviço público - falo de maneira generalizada, em nível municipal, estadual e federal -, que precisamos alertar nosso Governo para um posicionamento bem concreto no sentido de que precisamos ter esses profissionais dedicados ao serviço público. Quanto menos dedicação tivermos no serviço público, mais o pobre sofrerá. Temos que ter uma assistência farmacêutica eficiente no serviço público. Vemos hoje, se compararmos com vinte anos atrás, uma decadência preocupante no atendimento ao pobre, ao carente. Hoje sabemos que, se a pessoa tem condições de pagar um plano de saúde, paga e safa-se desse problema, mas se não tem, cai no serviço público e é lá que vamos ver a decadência a cada dia que passa. Chamo a atenção para a necessidade de o Governo Federal e, principalmente, os Governadores de Estado e os Prefeitos, apesar das suas grandes dificuldades, olharem com mais carinho não somente para o médico, mas também para o enfermeiro, para o auxiliar de enfermagem, para o bioquímico, para o farmacêutico, para todos aqueles que compõem o grande grupo na área da saúde, fundamentais à nossa sociedade. Parabenizo V. Exª. Realmente me sinto extremamente recompensado por estar ouvindo o seu discurso, que fala a favor da saúde pública brasileira. Muito obrigado.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Agradeço e incorporo o seu aparte ao meu discurso. V. Exª simboliza o que há de melhor na classe médica e no funcionalismo público, inspirado em Cristo, que disse: “Não vim para ser servido e sim para servir”. Quis Deus que estivesse na Presidência o Senador José Sarney, do Maranhão de grandes homens, como Gonçalves Dias: “Não chores, meu filho; não chores, que a vida é luta renhida: viver é lutar. A vida é um combate, que os fracos abate, que os fortes, os bravos só pode exaltar”. Presidente Sarney, V. Exª tem sido um forte, um bravo, como João Lisboa e João Mohana.

No entanto, quero trazer à lembrança, para finalizar o meu pronunciamento, o nome de um maranhense, anônimo para alguns, mas comparável aos grandes: o do médico cirurgião Cândido Almeida Athaíde.

Nascido em Tutóia, fez medicina em Parnaíba. Foi político, Prefeito, um homem de uma atividade cultural extraordinária. Foi fundador do maior clube de lá e dono de uma cultura imensa.

Sr. Presidente José Sarney, Deus me deu o privilégio de colocar no peito do Dr. Cândido, que estava com 94 anos, no dia do Piauí, a maior comenda, a Grã-Cruz Renascença, e ele agradeceu.

Mas quero lhe dizer, Senador Pedro Simon, que o retrato do médico é o Senador Papaléo Paes aqui, conosco, e Cândido no céu.

Senador José Sarney, Cândido Almeida morreu com 95 anos. Na véspera, ele operou na Santa Casa. Isso traduz o esforço do médico, por honestidade. É uma benção de Deus levar a profissão até a velhice. Não digo que seja o caso de V. Exª, que está muito novo, está igual àquele artista de cinema, o Erroll Flynn.

Então, quero encerrar com esta meditação: jamais poderemos cortar 11% desses heróis, como Cristo, como São Lucas.

Eram as palavras que eu queria dizer e termino com Gonçalves Dias: “A vida é um combate, que os fracos abate, que os fortes, os bravos só pode exaltar”. Este Senado é forte e bravo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/09/2003 - Página 29558