Discurso durante a 131ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Realização de seminário internacional na Câmara dos Deputados sobre direito e acesso à informação pública. Necessidade de transparência na arrecadação de impostos. Analisa emendas a serem apresentadas à Reforma da Previdência.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Realização de seminário internacional na Câmara dos Deputados sobre direito e acesso à informação pública. Necessidade de transparência na arrecadação de impostos. Analisa emendas a serem apresentadas à Reforma da Previdência.
Publicação
Publicação no DSF de 30/09/2003 - Página 29565
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • ANUNCIO, REALIZAÇÃO, SEMINARIO, DISTRITO FEDERAL (DF), AMBITO INTERNACIONAL, DIREITOS, ACESSO, CIDADÃO, INFORMAÇÕES, SETOR PUBLICO, INICIATIVA, ASSOCIAÇÃO NACIONAL, JORNALISTA, PARTICIPAÇÃO, AUTORIDADE, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), MEXICO.
  • ANALISE, DIFICULDADE, CIDADÃO, ACESSO, ENTENDIMENTO, INFORMAÇÕES, ARRECADAÇÃO, IMPOSTOS, GASTOS PUBLICOS, CONTRADIÇÃO, VOLUME, CARGA, TRIBUTOS, BRASIL, PRECARIEDADE, SERVIÇO PUBLICO, OFERECIMENTO, POPULAÇÃO, MOTIVO, AUSENCIA, FISCALIZAÇÃO, CONTRIBUINTE, GESTÃO, FUNDOS PUBLICOS.
  • JUSTIFICAÇÃO, EMENDA, AUTORIA, ORADOR, PROJETO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, OBJETIVO, CONTROLE, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, FISCALIZAÇÃO, GESTÃO, FUNDO DE PREVIDENCIA, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, SERVIDOR, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a insistir sobre um tema que me parece fundamental para o resgate da República, uma vez que ao longo desses anos temos conquistado direitos democráticos e liberdades individuais. É importante resgatar alguns princípios republicanos, entre eles o do controle do Estado pela sociedade.

Nesse aspecto, anuncio um seminário internacional sobre direito de acesso à informações públicas, que será aberto hoje no Espaço Cultural da Câmara dos Deputados, com a presença do Presidente da Câmara Federal, Deputado João Paulo Cunha, do Ministro Marco Aurélio de Mello, do STF, do Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, e do Ministro de Estado de Controle da Transparência, Waldir Pires.

Essa é uma ação da Associação Nacional de Jornalistas que trabalham com investigações. Considero fundamental que esse seminário se desenvolva e que as informações públicas possam, de fato, chegar à sociedade. Nesse aspecto, o que há de mais importante é prestar contas das energias produzidas pela sociedade, estabelecer transparência nas receitas e nas despesas públicas, para que, definitivamente, possamos resgatar o princípio republicano de controle do Estado por parte da sociedade.

Estamos em tempo de reforma. Brevemente estará chegando ao plenário a reforma da Previdência que deverá ser emendada pelos Senadores, mas na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, havíamos apresentado uma emenda à reforma da Previdência, estabelecendo um controle social e transparência para que os segurados do regime geral de Previdência possam acompanhar a evolução de receitas e despesas.

A visibilidade no Orçamento e nas finanças públicas tem duas pontas: uma da arrecadação e, a outra, da execução dos gastos. Nos dois lados, há muita dificuldade de, primeiro, acessar essa informação e, depois, de compreender. Primeiro, porque uma parte dos tributos são indiretos, portanto a maioria dos contribuintes não sabe que pagam impostos.

Posso provar isso de uma forma muito simples porque tenho em mãos dois cupons fiscais de compras feitas num shopping de Brasília. Na loja A, fiz as compras pessoalmente, e ela emitiu um cupom fiscal no valor total de R$62,50, mas não faz a discriminação entre o custo dos produtos que comprei do valor da contribuição, do ICMS. Apenas diz que incide sobre esses produtos 17%. Ora, na loja A, do valor total de R$62,50, paguei R$10,62 de tributo. Na loja B, a compra foi de R$73,00. Também não há discriminação entre valor da mercadoria e imposto. Portanto, o consumidor não tem a menor oportunidade de tomar conhecimento porque não está separado na nota. Dos R$73,00, paguei R$12,41 de ICMS para o Governador Joaquim Roriz. Mas nada disso está discriminado na nota.

O pior foi na loja C, onde fiz uma compra de R$50,00 e recebi uma nota de balcão que não divulga nem o valor do imposto. Dos R$50,00 que gastei - e aqui tenho a nota -, não sei quanto paguei de tributo. Portanto, está claro que os impostos indiretos deseducam a sociedade como um todo, porque as pessoas não têm chance de saber se estão pagando ou não impostos. É preciso clarear a situação.

Além disso, o ICMS é um dos impostos mais pesados do País. E ele é distribuído da mesma forma entre aquele que ganha cem salários mínimos e o que percebe um salário mínimo. E não há controle, até porque o Estado, dada a dificuldade de arrecadação desse imposto, nomeia o comerciante, o empresário, o prestador de serviço, como fiel depositário, como intermediário entre o contribuinte e o Fisco. E cria uma série de vantagens para que os comerciantes possam exercer essa tarefa que deveria ser do Estado. Entre outras, o comerciante pode reter esse imposto, dependendo da legislação, por vários dias.

Com a tecnologia moderna, precisamos utilizá-la em defesa do cidadão. Na hora em que efetuei o pagamento com o cartão de crédito, o dinheiro foi imediatamente depositado na conta da empresa, da loja, e debitado da minha conta. Como não está separado o que é custo dos objetos que comprei e o que é imposto, os R$10,62 - de impostos - que paguei foram para a conta também da empresa. Dali mesmo poderiam ter ido para a conta do Fisco. Todas as compras com cartão de crédito podem ser perfeitamente debitadas imediatamente da conta do consumidor e creditada na conta do vendedor, mas também na conta do Fisco. Não há necessidade desse dinheiro passear na conta do lojista ou do vendedor. Podemos colocar a tecnologia a serviço da cidadania.

Ora, esse é um exemplo. No IPI, ocorre a mesma coisa. Precisamos discutir esses impostos indiretos e criar mecanismos. Sei que na discussão da reforma tributária há uma queda-de-braço entre Estados, Municípios e União. Ela tem um caráter fiscal e busca estabelecer, evidentemente, um mínimo de regras no plano nacional para reduzir, digamos, a guerra fiscal que tem infelicitado vários Estados e que vai infelicitar por muitos e muitos anos ainda, pois os efeitos dessas benesses fiscais se reproduzem até por gerações.

Então, temos que ter uma preocupação com a transparência na ponta da arrecadação. O contribuinte tem que saber que está pagando imposto e que esse imposto tem que entrar com rapidez nos cofres públicos; ele não pode ser retido pelo fiel depositário. Estou dando um exemplo do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços, um dos maiores impostos que pagamos.

É necessário também que tenhamos controle na aplicação desse dinheiro.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o ideal seria que a contribuição coletiva, a contribuição de impostos, transitasse com rapidez para a ponta dos serviços, para atender à saúde - sem muita intermediação -, para atender à educação, para atender à infra-estrutura. Como é difícil estabelecer essa vinculação direta entre a contribuição do cidadão e os serviços prestados. O Estado recolhe esse dinheiro.

Mas temos que transformar o Estado brasileiro numa grande vitrine, para que possamos acompanhar a contribuição de todos e a distribuição dos impostos para todos. Não como é hoje. Hoje, recolhe-se de todos, mas devolve-se para poucos. E aí entra uma série de instrumentos legais, inclusive votado pelo Parlamento, de incentivos fiscais, de isenções fiscais de todo o tipo, que termina fazendo com que o imposto, que todos pagam, seja distribuído para poucos.

Então, é preciso, além da transparência na receita, agilidade no recolhimento dessa receita; é preciso que se estabeleça uma grande vitrine na aplicação do recurso público. Nesse aspecto, apresentamos uma emenda que estabelece controle social e transparência na Previdência dos servidores públicos, tanto na receita quanto na despesa. Essa emenda é consensual na base do Governo. E a minha expectativa é que seja também de consenso na Oposição - PFL e PSDB -, até porque facilita o trabalho da Oposição, pois à medida que esta tem acesso às receitas do Estado e às despesas que as acompanham, o seu trabalho de fiscalização é facilitado. Portanto, esta emenda se fundamenta no art. 37 da Constituição, Senador Mão Santa, que diz:

A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...

A emenda a PEC da reforma da Previdência Social dos servidores públicos tem por objetivo tornar públicas todas as contas relativas à execução orçamentária (receitas e despesas) do regime previdenciário por meio de páginas na Internet. Essa é uma tecnologia disponível que temos de usar a serviço do cidadão, da informação, da transparência.

A emenda também prevê a instituição de um colegiado para fiscalizar e controlar a gestão financeira dos fundos formados pela contribuição dos segurados, em todos os níveis do setor público brasileiro. Esse colegiado será formado, majoritariamente, por representantes dos segurados, que têm todo o interesse em controlar a sua contribuição. O colegiado terá poderes para requisitar ao sistema de controle interno do Poder Executivo e ao Tribunal de Contas a realização de inspeções e auditorias. Também será facultado ao colegiado representar ao Ministério Público sobre ilegalidades constatadas na gestão dos recursos.

Os objetivos desta emenda inscrevem-se em uma das questões políticas mais relevantes do momento histórico de nosso País. Foi o que afirmei no início: o resgate da sociedade civil e o controle do Estado, um dos pilares do regime republicano.

Portanto, essas emendas serão apresentadas em plenário. Minha expectativa é que possamos incorporar a reforma da previdência, a PEC da Previdência, para que definitivamente obtenhamos uma aproximação entre os gestores públicos e os contribuintes em nossa sociedade.

No entanto, Sr. Presidente, creio que é preciso ir mais longe no quesito transparência. O Brasil está entre as dez maiores economias do mundo, o que significa um bom volume de dinheiro. Além de ser uma economia importante, o Brasil tem uma carga tributária que atinge 36% do PIB. No entanto, a qualidade dos serviços não atende o conjunto da sociedade. O serviço mais universalizado que temos hoje é o de educação. O serviço público de educação, sem discutir a qualidade, está presente em todas as comunidades deste País, desde as mais isoladas. Há problemas na qualidade do serviço médico, na infra-estrutura. Entretanto, a sociedade gera dinheiro para isso. A sociedade contribui com quatro meses de salários por ano em forma de tributo. A não ser a má gestão desse dinheiro coletivo, nada justifica a precariedade dos serviços públicos no País: a carência de saneamento básico, água tratada, estradas. Não é por falta de contribuição do cidadão; ele contribui de forma compulsória. O problema é de gestão da coisa pública.

Senador Geraldo Mesquita, só poderemos melhorar a gestão se promovermos a transparência da receita e despesa, a fim de que cada cidadão possa acompanhar em que é gasta a sua contribuição - primeiro, como ela é recolhida, para onde é encaminhada, quais os trâmites. Sabemos o nível de sonegação de impostos, de apropriação. No caso do imposto indireto, não é tipicamente sonegação, mas apropriação indébita. No meu caso, paguei aqui, rapidamente, quase R$40,00 de impostos. Ora, isso deveria, imediatamente, entrar nas contas do Fisco. No entanto, está na conta das lojas que me venderam os produtos. Se os empresários dessas lojas não repassam ao Fisco, estarão fazendo apropriação indébita e não sonegação. Estarão se apropriando de um dinheiro que não faz parte do preço da mercadoria, portanto, esse dinheiro tem que ser imediatamente remetido à Fazenda Pública para então se transformar em serviço.

Um dos problemas graves da sociedade brasileira é que temos recursos, há uma grande contribuição, a economia é grande e a carga tributária também; supõe-se que contabilmente teríamos dinheiro para resolver todos os problemas da sociedade brasileira. É preciso descrever aqui em que é gasto o Orçamento Público. Sabemos que a metade desse Orçamento hoje está sendo utilizada para custear a dívida pública. Ora, se sou um pai de família com três filhos e se endivido metade de tudo que ganho com juros significa que sou mau gestor. Ou seja, a sociedade brasileira, ao longo desses anos, está muito mal gerida porque não há participação daqueles que contribuem definitivamente. Temos que interromper essa lógica de arrecadar de todos e distribuir a poucos; temos que inverter a lógica perversa de transferência permanente de renda dos pobres para os ricos. Temos que promover justiça. A oportunidade está na porta, com a Previdência, para garantir ao assegurado total controle sobre sua contribuição. Mas temos que avançar mais e garantir à sociedade brasileira esse controle para que, definitivamente, saiamos do impasse.

A dívida se avoluma sem o controle. Cada vez que chega o Orçamento - como teremos a oportunidade de discutir o Orçamento de 2004 -, ele já vem mutilado em 50%. Ali não poderemos mexer a fim de garantirmos os poupadores internos e os poupadores internacionais. Mas quem nos conduziu a esse beco sem saída? Essa é uma questão que temos que discutir.

Esta Casa é uma instituição perene e temos que estabelecer com clareza responsabilidades desse beco sem saída em que a sociedade brasileira se encontra. Discutiremos o Orçamento de 2004 sabendo que não há argumento para que possamos mexer com a metade desse dinheiro. Portanto, parece-me que a oportunidade de se estabelecer as transparências já da reforma da previdência começa esta semana; apoiarmos de forma consensual esse direito do cidadão, assegurado no regime previdenciário, de controlar sua contribuição e os gastos dessa contribuição com o regime previdenciário.

Portanto, Sr. Presidente, eu gostaria de insistir para acompanhar esse seminário internacional sobre Direito e Acesso a Informações Públicas, que contará com representantes do Governo americano falando sobre a lei de liberdade de informação nos Estados Unidos e a lei de transparência do México. Penso que este é o momento de votarmos a Lei de Transparência no Brasil.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/09/2003 - Página 29565