Discurso durante a 131ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Intenção de apresentar emenda ao texto da reforma da Previdência para assegurar um sistema especial de inclusão social na Previdência Social de pessoas de baixa renda.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Intenção de apresentar emenda ao texto da reforma da Previdência para assegurar um sistema especial de inclusão social na Previdência Social de pessoas de baixa renda.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 30/09/2003 - Página 29572
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • CRITICA, AUSENCIA, DEBATE, URGENCIA, VOTAÇÃO, SENADO, PROJETO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, CONTESTAÇÃO, EXCLUSÃO, MAIORIA, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, BENEFICIO PREVIDENCIARIO.
  • JUSTIFICAÇÃO, EMENDA, AUTORIA, ORADOR, PROJETO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, GARANTIA CONSTITUCIONAL, DIREITO A PREVIDENCIA SOCIAL, TRABALHADOR, BAIXA RENDA, AUSENCIA, RECEBIMENTO, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, SITUAÇÃO, PRIVAÇÃO, PROTEÇÃO, ASSISTENCIA PREVIDENCIARIA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna falar sobre a Reforma da Previdência, em andamento nesta Casa.

Surpreende-me a ausência de um debate maior, quer no Parlamento, quer na imprensa. É um assunto que deveria ser absolutamente prioritário na sociedade brasileira. Como incluir, nos benefícios do sistema previdenciário, os 40 milhões de brasileiros de baixa renda que estão de fora? São os que se convencionou chamar os Sem-Previdência.

A França levou dez ou doze anos discutindo a Previdência. Aliás, todos os países levaram um longo período discutindo a matéria. Trata-se de uma matéria que mexe com a alma, com o interesse, com a vida, com a moradia, com o futuro, com a existência do cidadão. Não é geral, como a educação, que mexe com todos. Não é a Medicina, o trabalho, que mexem com todos. É a minha Previdência, de Pedro Simon, de João da Silva, de Manoel. Cada um tem o seu interesse e quer saber como vai ficar.

Na verdade, vamos decidir qual o caráter dessa Reforma e, quem sabe, das demais que virão. As reformas que estamos aprovando - apressadamente, diga-se de passagem - serão democráticas o suficiente para incluir os milhões de cidadãos pobres e desprotegidos que atualmente estão excluídos? Ou se limitarão a cortes, reduções de benefícios, aumentos de impostos ou coisa parecida?

Militares, magistrados, procuradores, funcionários da Receita Federal, funcionários públicos graduados e funcionários da Casa pressionaram e, com sucesso, se não garantiram a manutenção de todos os seus privilégios, pelo menos estão todos serenos e tranqüilos. Esta é a realidade, que insisto em dizer, do Brasil que vivemos: o Brasil é o País dos incluídos, dos que têm voz, dos que podem entrar no meu gabinete ou no dos Senadores Mão Santa, Antonio Carlos Magalhães, Eduardo Suplicy, dos que nos visitaram, nos últimos meses, às dezenas e às centenas. Mas quem entra nos nossos gabinetes daqui de Brasília ou de Porto Alegre e das demais capitais dos Estados? Os que têm condições. Entram o doutor, o médico, o coronel, o advogado, o juiz, o promotor, o fiscal da Receita, o graduado. Eles vêm pedir e estão no direito mais legítimo deles de reivindicar o que pensam que têm direito.

Mas e os que não têm voz? E os que não têm sindicato? Quando o Lula era líder sindical, víamos que o ABC se levantava e parava o Brasil. E quem não é ABC, quem não pode chegar a um gabinete de Vereador, quanto mais de Senador ou de Deputado Federal? E as pessoas que nunca pensaram em passar pela porta do Senado? Quem está fora da chamada sociedade organizada está fora das preocupações parlamentares.

Ouvi o pronunciamento do Senador Antonio Carlos Magalhães e farei um pronunciamento igual com relação ao Hospital Sarah Kubitschek. É um absurdo o que fizeram com uma das referências nacionais do Brasil, um dos lugares onde o pobre tem vez. Fico emocionado, pois ali o pobre é atendido igual ao que tem dinheiro. Ele entra e é recebido, é tratado como gente ali. Emociona ver a forma como todos são tratados, a comida, a roupa que recebem. Atendem o que vem do Nordeste, do Norte, do Sul, e arruma-se lugar para o acompanhante.

Se não é o Senador Antonio Carlos Magalhães e mais alguns, não passa. Daqui a pouco, cortam metade dos recursos. Impressiona-me a frieza do cidadão que está fazendo o Orçamento, a petulância com que fez o corte. Vamos derrubar aquilo, tenho certeza de que por unanimidade.

Ali é um dos poucos lugares onde o pobre tem vez, mas, na política... Nunca me esqueço de certos fatos. Fui Governador do Rio Grande do Sul. Sucedi 24 anos da Arena no meu Estado, tendo sido o primeiro Governador da Oposição. Depois de 24 anos de regime, entra o Sr. Pedro Simon, que, durante todo esse período, foi o Líder da Oposição. E sofri muito. O PT se uniu ao PDT do Brizola, ao PSD e a todos contra o Pedro Simon. Foi uma luta difícil, mas lembro-me de minha conversa com as professoras, justas, que queriam melhores salários, mas não podíamos pagar, não tínhamos como pagar. E elas me diziam: “Governador, não sei como o senhor consegue dormir de noite. Nós adorávamos o senhor. Durante todos esses anos, sonhávamos em vê-lo chegar no Palácio, mas agora o senhor está lá, fazendo essas maldades. Como o senhor consegue dormir à noite?” E eu respondi: “Para ser muito sincero, durmo à noite, mas sofro muito no Palácio, porque, durante todos esses anos, percorri o Rio Grande, município por município, distrito por distrito, favela por favela, e sonhava com o dia em que estaríamos no Governo e iríamos mudar o quadro: terminar com a fome, iniciar um plano de casas populares, um plano de trabalho. Agora, chego ao Governo e vejo os números, as contas e os meus auxiliares e não posso fazer nada. As pessoas estão passando hoje, após seis meses em que estou no Governo, a mesma fome que passavam quando eu não era Governador. Estão morando nas mesmas favelas e com o mesmo desemprego. Isso não me deixa dormir à noite. Alguma coisa tenho de fazer, porque, na verdade, o quadro é o mesmo”.

E é o quadro de hoje, em que sentimos que, mais uma vez, os que não têm voz não têm chance de chegar aqui. Quem está fora da sociedade organizada está fora das preocupações parlamentares. Isso é um erro, é quase um crime que se pratica contra a cidadania. É uma injustiça que praticamos contra os que mais necessitam.

Recentemente, um jornal informou em Brasília que no Lago Sul se vive melhor que na maioria dos países do mundo. O índice de qualidade de vida é superior ao da Noruega. Não sei se o estudo retrata a verdade, mas não deve estar longe disso, porque no Lago Sul se deve viver igual aos melhores países do mundo.

Então, é nesse plenário e nesse cenário que estaremos deixando de lado a oportunidade de integrar a sociedade e a civilização não apenas numa corporação, mas num grupo social. Refiro-me às dezenas de milhões de brasileiros.

Conforme os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar, Referência 2001, de 70 milhões de trabalhadores brasileiros, apenas 30 milhões contribuem para a Previdência Social; os demais não têm cobertura de regime previdenciário. Isso significa que, de cada dez trabalhadores, apenas quatro estão protegidos pela Previdência Social e seis estão fora da Previdência. São 40,6 milhões os excluídos, os sem-previdência. E desse total, 18,7 milhões de trabalhadores têm rendimento mensal acima de um salário mínimo e podem ser considerados economicamente capazes de contribuir e de ter uma contrapartida.

Para promover essa inclusão, apresentei uma emenda singela, apenas para garantir a inclusão na Constituição do direito desses brasileiros aos benefícios da Previdência Social.

Sabemos que estamos votando duas leis, duas emendas constitucionais: reforma tributária e reforma previdenciária. São as duas grandes reformas que podem fazer distribuição social e distribuição de renda. Não vamos fazer a distribuição de renda na reforma política nem na reforma administrativa. É aqui que se pode fazer a distribuição de renda. E é aqui que não estamos fazendo a distribuição de renda.

Foi um ato de coragem quando, em 1988, incluíram-se os trabalhadores rurais na Constituição, com os direitos sociais, porque, até 1988, o trabalhador rural não tinha previdência. Naquela época, quando se debateu e se discutiu, houve um gesto de ousadia, e os trabalhadores rurais foram incluídos na previdência. Talvez tenha sido esse o maior avanço existente na Constituinte de 1988.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Senador Pedro Simon, permita-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Concedo o aparte ao Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Senador Pedro Simon, já dava para mim saudades a sua presença na tribuna. Cheguei até a reclamar, tendo em vista que V. Exª sempre trata de temas os mais importantes. Às vezes, temos divergências profundas, mas sempre encontramos caminho idêntico para defender os mais pobres. V. Exª - e dou o testemunho - tem absoluta razão com relação à maneira como essas reformas estão sendo votadas, às vezes precipitadamente, quando poderiam estar sendo discutidas aqui, neste plenário, e não apenas na Comissão de Constituição e Justiça, para que encontrássemos caminhos como o que V. Exª solicita. Apenas gostaria de registrar que penso como V. Exª, e, naquela reunião da Comissão em que ficamos até às 6 horas da manhã - eu fiquei e V. Exª também; manda a verdade que se diga -, V. Exª expôs esse ponto de vista, que foi logo aceito por quase toda a Comissão. Mas, para tornar isso realidade, é mais difícil. Conseqüentemente, a sua luta vai ser maior, mas saiba que vai encontrar aliados de todos os partidos que queiram realmente acabar - acabar é impossível - ou diminuir as desigualdades sociais do Brasil. Apoio a sua emenda.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Muito obrigado, sinceramente muito obrigado ao apoio de V. Exª, e é muito importante contar com a liderança de V. Exª para apoiar essa emenda.

Concedo o aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Pedro Simon, atentamente estamos ouvindo-o, e quando V. Exª fala o País pára. Lembro, quando muito jovem, que o País parava para ouvir Raul Brunini oferecer Carlos Lacerda às quintas-feiras, às 21 horas, na Rádio Globo. Parava o País para ouvir o rádio. Quero salientar a clarividência de V. Exª sobre essa emenda, que é possível. No período revolucionário, eu era médico de uma Santa Casa e vi a grande injustiça cometida com o trabalhador rural, com aquele que trabalhava, que produzia alimento. Frank Delano Roosevelt disse: “As cidades podem ser destruídas, mas elas ressurgirão dos campos”. Então, o Governo revolucionário soube buscar o Funrural, e, depois, a Constituição legitimou os direitos, que estão aí. É claro que eu ficaria não com o passado, mas com o maior líder de nossa geração das Américas, que disse: “Se não ajudarmos os muitos que são pobres, não poderemos salvar os poucos que são ricos, e a sociedade livre perecerá” - John Fitzgerald Kennedy. E V. Exª é um homem desse nível.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Muito obrigado pela gentileza. Tenho notado que V. Exª tem lido bastante, documentado e aprofundado seus pronunciamentos, que são brilhantes, com análise de autores e de escritores que representam o importante da sua afirmativa. Tenho o maior respeito pelo seu estilo e pela sua fórmula de falar com o povo, que não é fácil, porque não é demagógica, é sincera; mas, ao mesmo tempo, é direta. É como se não existisse a televisão, é como se V. Exª estivesse falando em Teresina, com o seu pessoal do Piauí.

Já se sabe que a Previdência Social é um grande fator de distribuição de renda. Foi assim quando, num ato de coragem, incluímos os trabalhadores rurais. São outros tempos em que vivemos hoje. Não sei se teríamos a mesma coragem, elevando à condição de cidadãos aqueles que simplesmente não existem como tal. É um desafio que temos pela frente. Não sei se estaremos à altura do que o povo brasileiro espera de nós.

Aprovamos um projeto de lei de minha autoria, tornando gratuitos a primeira certidão de nascimento, a primeira certidão de casamento e o atestado de óbito.

No último censo, já disseram que a população brasileira vai muito além da publicada. Eles dizem que não tiveram acesso a inúmeros lugares seja pela violência, seja pelo arbítrio; em muitos outros lugares, eles foram e encontraram pessoas, mas elas não têm certidão de nascimento, não têm carteira de trabalho, não têm nada. Elas estão ali, elas existem, são conhecidas pelo nome mas elas não são cidadãs, porque não se registraram, porque não têm carteira de identidade, não têm registro de nascimento, porque não têm carteira de trabalho, porque não casaram, amontoam-se. E o máximo que acontece é morrerem e serem enterradas sem atestado de óbito.

A previdência do regime geral é hoje o grande programa de distribuição no País, inclusive na área rural. Com esses benefícios, 18 milhões de brasileiros deixam de figurar abaixo da linha de pobreza, pelos dados da PNAD/1999, divulgados pelo próprio Ministério da Previdência.

Em 1985, 53% da população ocupada privada em nosso País não tinha acesso à Previdência Social. Em 1999, esse percentual estava ampliado em quase 20% e já era 62%. Dados divulgados pelo Ministério da Previdência, explicitam que, mesmo excluindo as pessoas que recebem menos de um salário mínimo e as pessoas com idade inferior a 16 anos ou superior a 59 anos, ainda existem 18,7 milhões de brasileiros sem cobertura previdenciária.

É preciso ressaltar que 60% desses trabalhadores brasileiros ganhavam menos de dois salários mínimos (R$180,00, em setembro de 2001); outros 17% recebem entre 2 e 3 salários mínimos. Ao todo, mais de ¾ dos trabalhadores ocupados excluídos da cobertura previdenciária recebem até três salários mínimos, sendo que quase 85% deles estão na área urbana.

A Síntese de Indicadores Sociais 2002, do IBGE, aponta que a taxa de contribuição previdenciária da população ocupada é de apenas 45,7%, evidenciando que mais da metade dessa população não tem qualquer cobertura da Previdência Social.

Verifica-se, pois, o grave problema da exclusão previdenciária no Brasil, que atinge especialmente os trabalhadores de baixa renda ocupados no mercado informal de trabalho.

Esse importante segmento pode ser atendido pela disposição do Poder Público de incentivar e facilitar a filiação e estabelecer mecanismos diferenciados de contribuição para que esses trabalhadores não percam a sua condição de segurado, pois, em grande parte, esses trabalhadores recebem rendimentos descontinuados.

Para que a cobertura previdenciária seja estendida a esse importante segmento social, especialmente esses 12 milhões que recebem menos de 2 salários mínimos e os 4 milhões que recebem entre 2 e 3 salários mínimos, é preciso que a legislação incentive e facilite essa filiação contributiva para o Regime Geral da Previdência Social.

Outro alvo que esta emenda busca é atender à parcela desses trabalhadores que têm mais de 40 anos. Eles são 36% dos trabalhadores ocupados sem cobertura previdenciária. É importante que a lei também incentive e estabeleça condições especiais para atender a esse segmento.

A intenção da presente emenda é garantir que também os trabalhadores de baixa renda que trabalham no setor informal urbano da economia possam ingressar no sistema previdenciário e, assim, se habilitar a receber aposentadoria por idade e outros benefícios. Trata-se de assegurar a inclusão da parcela de 54% da força de trabalho hoje excluída do sistema, os chamados “sem-previdência”.

O novo § 12 do art 201 da Constituição Federal, proposto pela Câmara dos Deputados, avança, mas não garante a inclusão dos sem-previdência. Isso, porque prevê que lei disporá sobre o sistema especial de inclusão previdenciária para os trabalhadores de baixa renda. Ou seja, não garante o sistema especial, na medida em que este dependerá da aprovação de lei sobre a matéria, o que poderá não ocorrer.

A emenda ora proposta resolve a tal limitação, porque assegura o sistema especial de inclusão previdenciária, especificando, inclusive, que este deverá possibilitar menor alíquota e tempo de contribuição para os trabalhadores contemplados.

Eis o seu texto:

Art. 201 (...)

§12: Fica assegurado sistema especial de inclusão previdenciária para trabalhadores de baixa renda, com alíquota e tempo de contribuição inferiores aos vigentes para os demais segurados do regime geral de previdência social, não considerados os abrangidos pelo disposto no § 1.º deste artigo, sendo-lhes garantido acesso a benefícios de valor igual a um salário mínimo, exceto aposentadoria por tempo de contribuição, na forma da lei.

Diz o Relator que aprovará esta emenda. Espero que ela seja aprovada. Perdoem-me a sinceridade. Pelo que vi até agora, é o único item que vai assegurar uma distribuição social na Previdência. Pelo que vi até agora, é a única emenda que vai dizer que, nessa reforma da Previdência que votamos, os excluídos tiveram um artigo, tiveram um item, tiveram uma lembrança, tiveram uma garantia de que eles passarão a ser incluídos.

Era isso, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/09/2003 - Página 29572