Pronunciamento de Maria do Carmo Alves em 30/09/2003
Discurso durante a 132ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Comentários sobre a proposta de reforma tributária.
- Autor
- Maria do Carmo Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
- Nome completo: Maria do Carmo do Nascimento Alves
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
REFORMA TRIBUTARIA.
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
- Comentários sobre a proposta de reforma tributária.
- Aparteantes
- Alvaro Dias.
- Publicação
- Publicação no DSF de 01/10/2003 - Página 29652
- Assunto
- Outros > REFORMA TRIBUTARIA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
- Indexação
-
- COMENTARIO, IMPORTANCIA, REFORMA TRIBUTARIA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, COMBATE, PRIVILEGIO, FAVORECIMENTO, REGIÃO SUDESTE, REGIÃO SUL, REFERENCIA, DECLARAÇÃO, AUTORIA, MEMBROS, GRUPO, SETOR, ECONOMIA, GOVERNO FEDERAL, PRESSUPOSTO, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO, NATUREZA TRIBUTARIA, AUSENCIA, AUMENTO, ARRECADAÇÃO, TESOURO NACIONAL, ISENÇÃO, REGIÃO ADMINISTRATIVA.
- REGISTRO, ESTUDO, AUTORIA, SECRETARIA DE FAZENDA, ESTADOS, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, REGIÃO CENTRO OESTE, DESCUMPRIMENTO, PRESSUPOSTO, REFORMA TRIBUTARIA, MANUTENÇÃO, CONCENTRAÇÃO, RIQUEZAS, REGIÃO SUDESTE, REGIÃO SUL, REDUÇÃO, RECEITA, MUNICIPIOS, REFERENCIA, PROPOSTA, PROJETO DE LEI ORÇAMENTARIA, CONTINUAÇÃO, POLITICA, FAVORECIMENTO, ESCLARECIMENTOS, AUMENTO, ARRECADAÇÃO, TESOURO NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, PRORROGAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), CRIAÇÃO, PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL (PIS), CONTRIBUIÇÃO PARA FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS), PRODUTO IMPORTADO.
- CRITICA, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, COLABORAÇÃO, CRESCIMENTO, DESIGUALDADE REGIONAL, CARGA, TRIBUTOS, ARRECADAÇÃO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), EXCLUSIVIDADE, UNIÃO FEDERAL, AUSENCIA, REPASSE, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL (FPE), FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICIPIOS (FPM).
- COMENTARIO, DECLARAÇÃO, AUTORIA, ANTONIO PALOCCI, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), RECUSA, UNIÃO FEDERAL, OBTENÇÃO, BENEFICIO, CRIAÇÃO, ARRECADAÇÃO, IMPOSTOS, SUGESTÃO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL (PIS), CONTRIBUIÇÃO PARA FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS), PRODUTO IMPORTADO, DESTINAÇÃO, ESTADOS, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, REGIÃO CENTRO OESTE, OBEDIENCIA, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICIPIOS (FPM), FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL (FPE).
A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna, nesta tarde, dia em que os Governadores do Nordeste estão reunidos com o Senhor Presidente da República para discutir a reforma tributária.
Neste momento, trago a questão da reforma tributária para dizer de sua importância e do nosso temor com a sua votação.
Sr. Presidente, a reforma tributária tem uma relação direta com as gigantescas desigualdades regionais brasileiras, que afetam sobretudo as Regiões Norte e Nordeste do País, e que tiveram sua gênese em práticas tributárias equivocadamente instituídas, que privilegiaram, ao longo de décadas, grandes centros industrializados do Brasil, em detrimento da maioria dos Estados brasileiros.
Os membros da equipe econômica do atual Governo - do Governo do PT - têm repetido, à exaustão, que a reforma tributária tem dois pressupostos básicos: o primeiro é que não aumenta a arrecadação do Tesouro Nacional; e, o segundo, é que ela é neutra em relação às questões regionais. Ao contrário do que eles afirmam, o texto da reforma preconiza um vigoroso aumento de recursos para a União, com conseqüente aumento da carga tributária, impondo sacrifícios expressivos especialmente às Regiões Norte e Nordeste, ao mesmo tempo em que privilegia as regiões industrializadas.
A partir de um estudo meticuloso, realizado por todos os Secretários da Fazenda dos 20 Estados do Norte, Nordeste e do Centro-Oeste, reunidos durante dias seguidos na semana passada, concentrados em um cuidadoso levantamento de dados rigorosamente oficiais, foi elaborado um documento contendo dados estarrecedores. Eles demonstraram, de modo irrefutável, o cruel processo de concentração de riquezas nas regiões desenvolvidas que, ao contrário do que se pensa, tem-se acelerado na última década, além de uma desregrada centralização de receita na União num ritmo nunca visto na nossa História. Tudo isso, Srªs. e Srs. Senadores, em detrimento dos Estados pobres, sobretudo os Estados do Norte e do Nordeste, o que se acentuará com a reforma tributária, cuja votação está prevista nesta Casa.
Sr. Presidente, vejamos alguns dados:
a) Levantando-se os benefícios tributários concedidos pela União nestes últimos oito anos, fica demonstrado que as Regiões Sul e Sudeste têm absorvido a maior parcela desses recursos - cerca de 60% -, destinada somente a sete Estados brasileiros, que representam apenas 18% do território nacional. Além disso, a forma como se concedem esses benefícios, 70% deles originários do Imposto de Renda e do IPI - justamente impostos que formam o bolo de tributos compartilháveis pela União entre os Municípios e as Unidades da Federação -, termina por reduzir sensivelmente as transferências de receita da União para os Estados e Municípios. Cria-se, assim, uma perversa equação - exatamente, uma perversa equação -, em que as regiões menos desenvolvidas custeiam o desenvolvimento das regiões mais ricas. Ou seja, é um efeito Robin Hood às avessas, em que se tira dos pobres para se dar aos ricos;
b) Esse quadro de concentração dos benefícios tributários da União nas regiões Sul e Sudeste se repete, agora, no Governo do PT, na proposta de Orçamento para 2004, em que se observa que, de um total de R$24 bilhões de renúncia fiscal previsto, apenas 35,5% serão direcionados para as regiões menos desenvolvidas (Norte, Nordeste e Centro-Oeste), enquanto 64,5% serão destinados ao Sul e ao Sudeste;
c) Por outro lado, é incontestável o vigoroso aumento na arrecadação da União a partir deste ano. Como se sabe, depois da instituição da CSL, Contribuição sobre o Lucro Líquido, e do aumento da CIDE, cujas arrecadações iniciaram este ano, virá a criação do PIS/Cofins para os produtos importados. Além disso, há a prorrogação da CPMF, a contribuição sobre movimentação financeira, que o Governo pretende transformar em tributo permanente. Ora, eis aí mais um sofisma, Srªs e Srs. Senadores. A CPMF seria extinta em 31 de dezembro de 2003. Haverá praticamente a prorrogação até 2007 e, quem sabe, mais adiante, a transformação em CMF. Calcula-se que, com a arrecadação da CSL, da CIDE e do PIS/Cofins, o Governo arrecadará R$29 bilhões; e, com a CPMF, admitindo-se a retomada do crescimento da economia, o Governo irá arrecadar cerca de R$28 bilhões.
O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - V. Exª me permite um aparte, Senadora Maria do Carmo Alves?
A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE) - Concedo o aparte ao nobre Senador Alvaro Dias.
O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senadora Maria do Carmo Alves, o pronunciamento de V. Exª tem conteúdo técnico, é um pronunciamento de quem conhece o assunto, de quem vive de perto a experiência do cargo executivo num governo estadual, num Estado pobre do Nordeste brasileiro. Certamente, a experiência vivida por V. Exª em funções públicas no Sergipe lhe conferem autoridade para falar desse assunto com a competência com que o vem abordando da tribuna do Senado Federal. Hoje, o noticiário diz respeito ao encontro do Presidente com os Governadores. O que se tem visto no debate desse tema é reunião com aqueles que arrecadarão. Não vemos reunião com representantes daqueles que pagarão os impostos ou muito pouco se fala das aspirações daqueles que pagam os impostos no País. É por isso que a reforma tributária é um arremedo de reforma; não é uma reforma para o bem do País, não é uma reforma para construir o avanço, a modernização; não é uma reforma que vai conferir um modelo tributário capaz de exercer as funções de distribuição de renda, de geração de emprego, de desenvolvimento econômico; ela não desonera a produção. Enfim, é um monstrengo, que decepciona e que, certamente, será mais uma marca negativa na ação do Governo Lula, que, hoje completa nove meses, com decepções incríveis. Senadora Maria do Carmo, seria ainda tempo de todos nós adotarmos um substitutivo global para essa proposta do Governo, que conferisse ao País, realmente, o modelo tributário que tanto almejamos.
A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE) - Agradeço ao nobre Senador Alvaro Dias pelo aparte, que enriquece o meu pronunciamento.
Quero dizer da nossa preocupação exatamente com esse aspecto. Os contribuintes não estão sendo ouvidos. A produção, que será penalizada, está anestesiada. Então, esta Casa tem a obrigação, como diz V. Exª, de fazer uma mudança profunda, até porque os Estados pobres vão acabar sendo os grandes prejudicados por essa reforma, que concentra tudo nos Estados ricos.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não podemos conceber a reforma como está, sem mexer nos tributos da União. Com o estabelecimento de apenas cinco alíquotas de ICMS em todo o País, o objetivo foi menos o de racionalizar e mais o de evitar a chamada guerra fiscal, que era o único instrumento que os Estados pobres tinham para atrair novos empreendimentos. Reconhece-se que não era o dispositivo ideal, mas era tudo o que lhes restava para atrair investimentos e gerar novos empregos.
É elementar que aos Estados pobres, dos quais será exigida a renúncia do direito de legislar sobre o seu ICMS, deveriam ser concedidas novas compensações na política tributária, sob pena de ser acentuado ainda mais o profundo fosso que os separa dos Estados do Sul e do Sudeste.
Surpreendentemente, a reforma tributária proposta, que está nesta Casa, cria condições, em sentido inverso: um maior empobrecimento das regiões subdesenvolvidas.
Deixa-nos estupefatos constatar que nunca, em nossa história, em um período tão curto, acentuou-se tanto o empobrecimento dos Estados pobres e dos Municípios brasileiros quanto nesta última década e meia.
A Constituição de 1988, ao definir o Sistema Tributário Nacional, havia criado mecanismos de repartição de receitas, justamente para reduzir as desigualdades regionais. Assim, naquela ocasião, os chamados tributos compartilhados correspondiam a 76,2% da receita tributária nacional. A partir de 2004, já computados os tributos cuja cobrança foi iniciada este ano, além do PIS/Cofins sobre os importados, o total dos impostos compartilháveis estará reduzido a números próximos de 40%, quase metade, portanto, de 15 anos atrás. Apenas parte desse montante é compartilhado com os Estados e Municípios. Está aí desnudada a razão do impiedoso empobrecimento dos Estados e da maioria dos Municípios brasileiros.
Por outro lado, em 1988, a carga tributária nacional correspondia a 24% do PIB. Hoje, tal percentual chega ao absurdo de 36%, mas, o que é pouco divulgado, Srªs e Srs. Senadores, é que todo esse vertiginoso crescimento na arrecadação foi concentrado exclusivamente na União, que, por meio da ardilosa criação de tributos, não os compartilhou com os Estados e Municípios. Na prática, foi uma burla contra os interesses dos demais Estados federativos, atingindo sobremaneira os Estados pobres que dependem do FPE, além, claro, dos Municípios, que dependem do FPM.
Cabe assinalar aqui, Sr. Presidente, uma notória displicência da União em relação aos tributos que devem ser repartidos entre Estados e Municípios, até pela sua crescente insignificância para o Tesouro Nacional. Observe-se que, até mesmo no Orçamento da União para o próximo ano, foi previsto um aumento de apenas R$6 bilhões no IPI e no Imposto de Renda, justamente os tributos compartilháveis entre Estados e Municípios que entram na contabilidade para o cálculo do Fundo de Participação dos Estados e o Fundo de Participação dos Municípios. Quanto aos não compartilháveis, ou seja, aqueles que ficarão em poder total da União, alcançam seis vezes mais: R$36 bilhões.
Embora negue, o Governo Federal concebeu uma reforma que ostensivamente enriquece ainda mais a União enquanto empobrece as unidades da Federação. Aliás, a bem da verdade, o texto implica proposição tão injusta e unilateral, que não há como evitar a desconfiança de que se esconde nele um objetivo sorrateiro: gerar um impasse tamanho que levaria o Senado a adotar a famigerada reforma de forma fatiada. Trocando em miúdos, aprovaria os dois pontos que realmente interessam à área econômica - a DRU e a prorrogação da CPMF -, transferindo para o próximo ano, sob o pretexto de uma melhor análise, a discussão das demais questões. A conseqüência seria a exibição de um filme de má qualidade, já visto nesta Casa: a aprovação da verdadeira reforma tributária seria transferida para as calendas gregas.
De todo esse quadro de horror, Sr. Presidente, resta-me, entretanto, uma fé inabalável nesta Casa, onde nós, Senadores e Senadoras, conscientes do nosso papel de guardiões do equilíbrio federativo brasileiro, não permitiremos consumar a continuidade desse processo cruel de empobrecimento dos Estados e dos Municípios brasileiros.
Sr. Presidente, meu tempo já se esgota, e não haveria condições para apresentar todas as sugestões que eu gostaria. Limitar-me-ei, contudo, a adiantar uma proposta simples, capaz de aliviar a situação dos nossos Estados e Municípios.
Na última reunião que o Ministro Palocci teve com os Governadores, ao lado do seu colega Ministro José Dirceu, S. Exª disse que a União se recusava a ser beneficiada com a criação de novos impostos. Disse mais: que só foi sugerida a criação do PIS/Cofins sobre os importados por exigência do empresariado nacional, para gerar melhores condições de competitividade à nossa produção interna. Sendo assim, parece-me justo formular uma proposta a esta Casa: que o montante arrecadado pelo PIS/Cofins sobre os importados seja destinado aos Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste e Municípios, distribuídos de acordo com os critérios do FPE e do FPM. Somando-se a isso a distribuição do Fundo Regional de Desenvolvimento pelas três regiões mais pobres, estaríamos dando partida à reversão do perverso processo de aprofundamento da maior desigualdade regional do planeta.
Como se pode perceber, por esse simples exemplo, há um largo espaço para o Senado implementar ações para o aperfeiçoamento do texto de uma reforma disforme e extemporânea.
Por fim, quero concluir afirmando que temos a obrigação de mudar esse quadro. Aliás, temos mais do que essa obrigação. Nós, que somos os guardiões da Federação, temos a nobre e indelegável oportunidade de transformar este Brasil numa nação mais justa e igualitária, submetendo o projeto de reforma tributária do Governo Federal às modificações que irão ao encontro dos anseios e interesses de todo o povo brasileiro, de toda a Nação brasileira.
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigada.