Discurso durante a 132ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Participação do Brasil no mercado internacional.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. COMERCIO EXTERIOR.:
  • Participação do Brasil no mercado internacional.
Aparteantes
Alberto Silva, Efraim Morais, Ideli Salvatti, José Maranhão.
Publicação
Publicação no DSF de 01/10/2003 - Página 29668
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, ESTADOS, MUNICIPIOS, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, REGIÃO CENTRO OESTE, FALTA, RECURSOS FINANCEIROS, OCORRENCIA, ATRASO, FOLHA DE PAGAMENTO, DIFICULDADE, REMUNERAÇÃO, DECIMO TERCEIRO SALARIO, SERVIDOR, PREFEITURA MUNICIPAL, INSUFICIENCIA, RECURSOS, RECEITA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICIPIOS (FPM), APOSENTADORIA.
  • REGISTRO, SOLICITAÇÃO, COMISSÃO DE ECONOMIA, CRIAÇÃO, SUBCOMISSÃO, ANALISE, CRISE, ECONOMIA, ESTADOS, MUNICIPIOS, PRESIDENCIA, CESAR BORGES, SENADOR, RELATOR, ORADOR.
  • REFERENCIA, VISITA OFICIAL, CELSO AMORIM, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, SENADO, ESCLARECIMENTOS, CONFERENCIA INTERNACIONAL, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, ELOGIO, ATUAÇÃO, DIPLOMACIA, BRASIL, LIVRE CONCORRENCIA, MERCADO INTERNACIONAL, DISTRIBUIÇÃO, RIQUEZAS, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, ESPECIFICAÇÃO, LIBERALISMO, COMERCIALIZAÇÃO, PRODUTO AGRICOLA.
  • CRITICA, POLITICA, PROTECIONISMO, SUBSIDIOS, AGRICULTURA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), UNIÃO EUROPEIA, DIFICULDADE, CONCORRENCIA, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, ESPECIFICAÇÃO, ATIVIDADE AGRICOLA, COMERCIALIZAÇÃO, PRODUTO NACIONAL, SOJA, AÇUCAR.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, GRUPO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, AMERICA LATINA, AFRICA, ASIA, CONTESTAÇÃO, IMPOSIÇÃO, RESTRIÇÃO, MERCADO INTERNACIONAL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), UNIÃO EUROPEIA, DEFESA, REGULAMENTAÇÃO, NEGOCIAÇÃO COMERCIAL MULTILATERAL, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC).

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dois assuntos me trazem hoje à tribuna. O primeiro, a séria crise por que passam Estados e Municípios. Pedimos, na Comissão de Economia, que fosse criada uma subcomissão presidida pelo nobre Senador baiano César Borges para analisar a questão. Eu serei o Relator. Sr. Presidente, temos ouvido Governadores e Secretários de Estado. O último foi o Secretário de Fazenda da Bahia, Albérico Mascarenhas, que nos relatou um quadro calamitoso. A essa altura, já no dia de hoje, dez Estados não pagarão o décimo terceiro salário para os servidores. A situação é difícil. Devemos encontrar uma solução. Na próxima semana, ouviremos o Secretário de Fazenda de São Paulo. Já ouvimos um representante do Norte, um do Centro-Oeste e um do Sul.

Srs. Senadores, esta semana, estive na Paraíba e verifiquei, para a minha tristeza, que dos 223 Municípios quase 100 estão com folhas de pagamento em atraso. Uma cidade importante, Catolé do Rocha, está com quatro folhas atrasadas. A cidade de Patos, tem três folhas atrasadas. Repito: dos 223 Municípios paraibanos 100 estão com folhas de pagamento atrasadas. E esse não é um fenômeno isolado. Conversava, há pouco, com Senadores da Bancada da Bahia e ouvia que cerca de 200 Municípios baianos, dos mais de 400, estão com folhas de pagamento em atraso. Isso se repete em todos os Estados, mas com mais ênfase no Norte, no Centro-Oeste e no Nordeste.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste momento em que a seca grassa no Nordeste, há apenas dois tipos de recursos: o INSS, a aposentadoria e o Fundo de Participação dos Municípios. Ora, imaginem a situação de um pai de família que tem como receita única o emprego na Prefeitura e não recebe, há quatro meses, os proventos do seu trabalho. Como sustentará sua família? É uma pasmeira! Está tudo paralisado. Ninguém sabe aonde ir.

Urge que tomemos posição. Tenho certeza de que, após o relatório da Comissão de Endividamento de Estados e Municípios, empreenderemos com rapidez algumas ações neste Senado e, juntamente com os Deputados, agilizaremos ações que possam minorar essa situação.

Concedo um aparte ao nobre Senador José Maranhão.

O Sr. José Maranhão (PMDB - PB) - Senador Ney Suassuna, congratulo-me com V. Exª pela oportunidade de seu protesto contra a discriminação que grassa no cenário das comunas brasileiras, especialmente as nordestinas. Esse é um quadro crônico e que suscita da parte dos Prefeitos e dos Governadores uma interrogação: que caixa-preta é essa? Até hoje ninguém teve acesso à forma como o Ministério da Fazenda faz o cálculo para distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios e do Fundo de Participação dos Estados. E com relação aos Municípios da Paraíba, sobre os quais V. Exª dá um depoimento da maior seriedade, acrescente-se às dificuldades decorrentes da queda do Fundo de Participação dos Municípios, o agravamento das finanças municipais com relação aos precatórios. Na época em que fui Governador, o Tribunal de Justiça pediu intervenção em 43 Municípios de uma vez só. E havia casos de Municípios que, mesmo se despendessem toda sua receita unicamente no pagamento de precatórios, ainda assim não conseguiriam atender às imposições do Tribunal de Justiça. Há que se modificar a Lei dos Precatórios e estabelecer algum tipo de salvaguarda, de maneira a ser preservada a existência, a continuidade dos Municípios. Assim, congratulo-me com V. Exª pelo oportuno pronunciamento que está fazendo, vindo em socorro dos Municípios e dos Estados brasileiros, especialmente os situados na Região Nordeste, a mais carente.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Agradeço o aparte de V. Exª e digo consternado que me chocou a realidade dos Municípios. E eu, como Presidente da Frente Parlamentar Pró-Municípios, sabia das dificuldades, mas não tinha conhecimento do volume de folhas de pagamento de pessoal atrasadas.

O Sr. Efraim Morais (PFL - PB) - Senador Ney Suassuna, V. Exª me concede um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Tem V. Exª a palavra.

O Sr. Efraim Morais (PFL - PB) - Senador Ney Suassuna, quero parabenizá-lo pela advertência que faz na tarde de hoje em relação à situação dos Estados e dos Municípios. Temos, por três meses seguidos, queda no FPE e no FPM e o País em recessão. O País está parado. Não há investimento por parte do Governo no nosso País, o que significa dizer que há queda de ICMS, empresas fechando as portas, dando férias coletivas e demitindo seus funcionários. Conseqüentemente, a renda está diminuindo tanto nos Municípios quanto nos Estados. Preocupa-me, Senador Ney Suassuna, o pagamento do décimo terceiro. Fico um pouco mais pessimista. Da forma em que se encontram os Estados e Municípios, principalmente os nordestinos, não vamos pagar nem o mês de dezembro, quanto mais o décimo terceiro. Posso garantir - e sei que V. Exª tem esses dados, até porque é um municipalista e está presidindo a frente em defesa dos Municípios, em defesa deles principalmente no que diz respeito à Reforma tributária - que hoje na nossa Paraíba 90% dos Municípios não têm condições de chegar ao final do ano com a folha de pagamento em dia. Infelizmente, o que vai acontecer? Vai ser demissão. E o Senador José Maranhão tem razão em relação aos precatórios. Eu mesmo, logo que aqui cheguei, apresentei uma emenda à Constituição, limitando em 2% da renda líquida para o pagamento de precatórios, com parcelamento de até 60 meses. Infelizmente, quando a matéria chegou ao plenário, foi emendada e teve que voltar à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. É uma matéria que tem consenso, porque é boa para a União, para os Estados e para os Municípios. Parabenizo V. Exª, Senador Ney Suassuna! É um alerta que V. Exª está fazendo. Todos nós, Senadoras e Senadores da República, temos a obrigação de já na Reforma Tributária começar a pensar mais seriamente nos Municípios e Estados brasileiros.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, nobre Senador Efraim Moraes.

Como eu dizia, e V. Exª enfatiza, todos vão ter dificuldade em pagar o décimo terceiro salário, porque, neste momento, 50% das folhas estão atrasadas dois, três, quatro meses - e acabei de citar alguns exemplos. Realmente é um alerta, e esse foi o primeiro motivo que me trouxe a esta tribuna.

O segundo motivo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é um problema de interesse internacional em que o Brasil vem se portando muito bem.

Começaria fazendo aqui a citação de um livro que recomendo que todos leiam, que é o Ensaio Sobre a Cegueira, do José Saramago. Em um trecho, ele diz:

(...) costuma-se até dizer que não há cegueiras, mas cegos, quando a experiência dos tempos não tem feito outra coisa que dizer-nos que não há cegos, mas cegueiras”. José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira, p. 308.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em audiência pública realizada no dia 18 de setembro na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, tivemos a honra de receber o Ministro Celso Amorim, que nos fez um breve panorama do que foi a Conferência Interministerial de Cancún, parte integrante da Rodada Doha de Desenvolvimento, lançada pela Organização Mundial do Comércio - OMC.

Devo confessar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que as frustradas tentativas de se chegar a um acordo que promovesse, de fato, uma nova etapa de liberalizações e de desenvolvimento no comércio mundial fizeram-me lembrar, quase que imediatamente, de um romance de José Saramago intitulado Ensaio sobre a Cegueira.

Nesse livro, uma treva branca começa a se espalhar misteriosamente pelo mundo, cegando e causando muitos transtornos àqueles acometidos por tão insólita moléstia.

A belíssima metáfora da cegueira branca utilizada pelo autor português, Prêmio Nobel de Literatura, vem lembrar-nos da importância da solidariedade e do humanismo perdidos por uma sociedade que insiste em não enxergar a pobreza e o sofrimento alheios.

Um dos pontos de interseção mais notáveis que vejo entre a riqueza metafórica do livro e os últimos acontecimentos de Cancún se verifica quando Saramago nos alerta sobre “a responsabilidade de se ter olhos quando muitos já os perderam”.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, afirmo sem medo de errar que o papel do Brasil na última Conferência Interministerial honrou os melhores momentos da nossa diplomacia, ao defender, à vista de todos, a premissa de que a função do livre-comércio deve ser não apenas a de gerar riquezas, mas, sobretudo, de distribuí-las.

E não há que se falar em distribuição de riquezas, Srªs e Srs. Senadores, sem uma ampla liberalização agrícola, com a eliminação dos vergonhosos subsídios praticados pelos países desenvolvidos em relação às suas respectivas agriculturas.

Tais políticas protecionistas são responsáveis pela geração de uma das mais grotescas distorções comerciais do mundo e contribuem diretamente para a perpetuação da dependência econômica e para a pobreza de bilhões de pessoas em todos os continentes.

Afinal, basta lembrarmo-nos do fato de que mais de três quartos dos pobres do mundo vivem em áreas rurais, cuja maioria depende de recursos provenientes da agricultura.

Para dar a V. Exªs uma idéia da magnitude dos recursos empregados em práticas protecionistas na agricultura, cabe ressaltarmos que o mundo rico gasta a bagatela de US$300 bilhões ao ano em subsídios a seus agricultores, nada menos que o correspondente - pasmem V. Exªs - a seis vezes o valor destinado à ajuda humanitária e financeira em todo o planeta. Representam seis vezes o que se gasta para ajudar o desenvolvimento dos países. E, na verdade, o que se gasta em subsídio é uma ajuda que tem retorno, porque é uma troca financeira.

O Brasil, que tanto tem batalhado nas últimas décadas para desenvolver uma das agriculturas mais produtivas e competitivas do mundo, é vítima direta dessas distorções do comércio mundial.

A revista Veja do dia 17 de setembro publicou dados capazes de deixam qualquer um de cabelo em pé.

Tomemos o caso da soja e do açúcar, lavouras em que os agricultores brasileiros atingiram inquestionável padrão de excelência: se o Governo dos Estados Unidos deixasse de empregar as centenas de milhões de dólares que emprega para financiar seus produtores de soja, o Brasil poderia comercializar - veja, Sr. Presidente - 2,9 milhões de toneladas a mais, o que geraria US$400 milhões extras em nossa balança comercial. E agora há uma outra riqueza: o álcool. Depois do Acordo de Kyoto, no Japão, passamos a ter também o álcool que será adicionado à gasolina. Será uma outra riqueza para os países da área tropical, mormente para o Brasil.

Penso que às vezes há uma certa cegueira quando se fala em transgênicos, pois aqui há sempre uma organização mundial brigando contra os transgênicos, e não sei por que tenho a impressão de que estas que lá vendem subsidiam nossas instituições que aqui lutam contra os transgênicos. Dizem que no Brasil, no caso do transgênicos, há uma reserva de mercado. O País é grande demais, pode-se separar um pedaço e subsidiar os produtores, pois a produtividade é menor. Porém, fecharmos os olhos e proibirmos penso ser algo incrível, uma cegueira também.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Senador Ney Suassuna, permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Ouço V. Exª com muito prazer.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Senador Ney Suassuna, V. Exª estava falando a respeito das exportações brasileiras e da atuação do Brasil na Organização Mundial do Comércio, antes de entrar na polêmica dos transgênicos.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - O que muito nos honra, porque pela primeira vez vi o nosso Ministério de Relações Exteriores e a nossa diplomacia brigando na OMC. Era um complexo nosso, porque nunca brigávamos, sempre baixávamos a cabeça. Pela primeira vez estamos falando forte.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Exatamente. Mas, além dessa postura soberana, o Brasil teve um outro papel, que foi o de promover a aglutinação dos países descontentes com a política dos subsídios. E esse papel de liderança que o Brasil adotou na OMC foi bastante destacado, teve muita reação dos Estados Unidos...

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - O G-22.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - O Robert Zoellick fez um artigo não muito simpático com relação à atuação. Mas todos sabemos que foi exatamente essa capacidade que o Presidente Lula tem e a atuação do nosso querido Itamaraty que conseguir essa aglutinação. Porém, o que me fez pedir o aparte foi algo além disso: além da postura, o Brasil está adotando também uma forte ofensiva para conquistar mercados, colocando, inclusive, alternativas para não ficarmos mais dependentes dos países que trabalham com o subsídio e as barreiras alfandegárias. A revista Carta Capital desta semana traz uma reportagem muito interessante a respeito dessa abertura de novos mercados que o Brasil está conseguindo implementar, alguns já iniciados pelo Governo anterior e que agora estão sendo acelerados. Isso é importante. A China, por exemplo, já chega a ser o segundo...

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - O segundo melhor mercado do Brasil.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - O segundo maior mercado. Os Estados Unidos continuam sendo o maior, com aproximadamente R$11 bilhões das nossas vendas, mas a China já ultrapassou a casa dos R$3 bilhões. Estamos abrindo negociações com a China, com o México... Ou seja, aquela perspectiva de organização, de aglutinação que o Brasil teve a capacidade de fazer com o G-22 na OMC está se dando também na prática, com os acordos bilaterais, para incentivo ao nosso comércio. Estou convencida de que, se continuarmos ampliando isso, a posição dos Estados Unidos e de vários países da Europa terá de, obrigatoriamente, ser diferenciada, porque as alternativas do Brasil começam a se consolidar e poderá não mais ser tão necessário comercializar com países que imponham dificuldades por intermédio dos subsídios. Quero parabenizá-lo pelo pronunciamento e contribuir com essas informações veiculadas, resultantes da ação que o Brasil tem tido tão ostensivamente não só na diplomacia, mas também na prática das relações internacionais que vêm sendo implementadas.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Obrigado, nobre Senadora Ideli Salvatti. V. Exª traz uma vertente verdadeira e importante. Só gostávamos - e acho que até por um complexo de colonialismo - do chamado “circuito Elizabeth Arden” e por ele lutávamos: Europa e Estados Unidos, de onde ninguém queria sair. Mesmo havendo quotas, dificuldades, era fácil, porque de lá íamos à Disney World ou visitávamos Paris, e há mercados importantes, como os do Egito, da Nigéria, da Índia, da China. Enfim, começamos a abrir os olhos.

            O meu maior orgulho, além disso, é o orgulho de começarmos a falar em juntar esse grupo todo na OMC.

            Lembro-me de quando relatamos a Lei de Patentes. Foi vergonhoso como nos curvávamos a tudo. Um dia, tive vontade de renunciar ao meu mandato de tão envergonhado que fiquei. Deixamos de lado a questão da biodiversidade, cedemos em tudo porque não tivemos coragem de falar forte. Pela primeira vez nos sentimos orgulhosos de poder falar forte. Imediatamente, surgiram mais vinte, formando o G-20, e depois mais dois. Não subiu para vinte e quatro, caiu para vinte e dois. É óbvio que vão fazer pressão para que o grupo não cresça, mas ele tem tudo para crescer, com a adesão do Egito... Eu disse ao Embaixador do Irã que eles deveriam instar para que o país imediatamente entrasse no grupo. Enfim, devem entrar todos os que estão subjugados e perdendo espaço por conta dos subsídios.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Senador, para complementar, eu gostaria de dizer que é nesse ponto que entra a questão dos transgênicos.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - A questão dos transgênicos vou deixar para outra hora. Na minha opinião, é uma cegueira. Vamos discutir a questão em outra ocasião para não desvirtuar o objetivo do nosso discurso de hoje.

Concedo um aparte ao nobre Senador Alberto Silva.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - Meu caro Senador, ouço com muita atenção o discurso de V. Exª, que, como sempre, é lúcido, objetivo e inteligente. V. Exª fala sobre a necessidade de o Brasil entrar nessa guerra para discutir a questão dos transgênicos, que V. Exª está deixando para discutirmos em outra oportunidade. Na verdade, para todos nós, os transgênicos aparentam ter uma produtividade muito maior, isto é, em uma área menor produzo maior quantidade, com a grande vantagem de não eles não estarem sujeitos a pragas etc. Mas não é isso. V. Exª falou na questão da OMC, em relação a aumentar as nossas exportações, se não me engano, e que os mercados estão sendo bloqueados pelas barreiras, porque há países que vendem grãos, como o Brasil, que empurra um volume enorme de soja pelo Porto Paranaguá. Eu convocaria V. Exª, homem do Nordeste, inteligente e competente, para formarmos aqui uma nova barreira de um novo produto para exportar. Se podemos produzir soja num volume cada vez maior, como no Mato Grosso, onde já passamos da classe dos 20 bilhões de toneladas, e continuamos exportando grãos...

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - É matéria-prima.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - Quem exporta grãos é um país que não quer valor agregado. Na minha opinião, porque estou por dentro disso há mais de cinco anos, porque cuido do biodiesel, eu poderia dizer a V. Exª o seguinte: se se fizer a transformação da soja, 80% é farelo e 20%, óleo. O farelo da soja vale. E V. Exª sabe muito bem que vale. Os chineses compram toda a produção que tivermos. Se transformarmos os 20% da soja em biodiesel, em vez de fazer margarina e óleo, que saturam o mercado, porque temos um volume muito grande, toda a Europa compra a nossa produção e não tem barreira. Veja bem: produzindo soja, mando o farelo para a China, sem barreira, e mando o biodiesel para a Europa, sem barreira. Senador Ney Suassuna, V. Exª sabe qual é a diferença? Já fizemos as nossas contas. Se eu agregar óleo biodiesel no óleo de soja, aumento a renda do produtor em 25%. Não é desprezível. Vamos exportar biodiesel a partir da soja? Essa é a minha pergunta.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Esse dia virá, nobre Senador, porque realmente um País que tem o grau de industrialização como o do Brasil vender produto in natura é uma irracionalidade.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - Exatamente.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado pelo aparte de V. Exª.

Dando continuidade, no caso do açúcar, a eliminação do subsídio norte-americano traria ganhos da ordem de US$2,6 bilhões ao ano.

Na União Européia, a média anual de subsídios ofertados a cada produtor chega a US$17 mil, enquanto que, nos Estados Unidos, esse valor alcança, para cada produtor, US$16 mil anuais.

A grande ironia - para não dizer esquizofrenia - desse quadro completamente destoante das necessidades de considerável parte da população mundial reside no fato de que 2,8 bilhões de pessoas espalhadas pela Ásia, África Subsaariana e América Latina vivem com menos de US$2,0 por dia.

É por isso que a agricultura era tema inevitável em Cancún. Era por isso que, de certa forma, os avanços em agricultura condicionariam os avanços nas demais áreas.

E não era para menos. Estudos do Banco Mundial estimavam que os ganhos de uma Rodada bem-sucedida poderiam oscilar entre US$290 bilhões e US$520 bilhões ao ano, sendo que aproximadamente dois terços desses ganhos adviriam da abertura comercial de bens agrícolas.

Quando, há pouco mais de um mês, um conluio entre a União Européia e os Estados Unidos apresentou texto-base modestíssimo no que tange à abertura para os bens agrícolas, mas extremamente progressista nos demais temas, principalmente nos chamados temas de Cingapura, um mal-estar generalizado acometeu os países em desenvolvimento, ansiosos por colherem os supostamente saborosos frutos da globalização. Ou seja, recalca-se a agricultura e abre-se área de industrialização. Perdemos de novo.

O aspecto das promessas não-cumpridas da Rodada Uruguai voltou a assombrar os negociadores, explicitando o abismo existente entre as declarações bem-intencionadas, de um lado, e a realidade assimétrica de um regime de comércio mundial que claramente beneficia os países ricos, de outro.

Foi nesse ponto que um dos melhores capítulos da diplomacia brasileira pôde desenvolver-se. Sob a liderança do competente Ministro Celso Amorim - meu aplauso a S. Exª - o Brasil tomou a iniciativa, apoiado desde o início pela China e pela Índia, de fundar um grupo de países cuja plataforma significasse uma alternativa real às limitações da proposta encampada pela dupla Estados Unidos e União Européia.

O grupo, conhecido como G-22 - ou como G-20 plus, nas palavras jocosas do Chanceler -, logo se credenciou como interlocutor válido na mesa de negociações, não só pela representatividade e legitimidade de seus membros, mas, sobretudo, pelo caráter propositivo e objetivo de seus posicionamentos.

A junção dos países mais populosos do mundo (China e Índia), com os mais populosos da América Latina e África (Brasil e Nigéria), juntamente com a maior nação árabe (Egito) e islâmica (Indonésia), foi capaz de gerar uma plataforma alternativa concreta, longe do obstrucionismo e da retórica vazia.

Por isso mesmo, o G-22, que, segundo jornalistas, já se transformou em G-24, teve o condão de inserir o avanço nos temas agrícolas como imprescindível. Se a Rodada Doha de Desenvolvimento pretende fazer jus ao nome que recebeu precisa considerar o que lá foi proposto.

Curiosamente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não foi a agricultura, mas os chamados temas de Cingapura - quais sejam, investimentos, políticas de concorrência, compras governamentais e facilitação de negócios - os responsáveis pelo desentendimento que levou ao impasse que acabou por dar cabo à Conferência Interministerial de Cancún.

A intransigência dos países desenvolvidos em fazer avançar a Agenda de Cingapura sem as mais comezinhas concessões em agricultura gerou forte indisposição em um considerável contingente de países africanos, o que acabou por determinar o fim do Encontro sem avanços concretos nas negociações.

Entretanto, a Rodada Doha vai até o dia 31 de dezembro de 2004, e nós brasileiros temos a expectativa de que será possível avançar no regime multilateral de comércio regulamentado pela OMC.

É válido frisar que o marco legal que a OMC traz consigo é um avanço muito importante para o desenvolvimento brasileiro.

Não hesito em dizer que o Brasil e os demais membros do G-20 plus - o G-22 e o G-24 - saem fortalecidos do Encontro, apesar do desapontamento inicial de todos os interessados em um sistema de comércio mundial mais justo.

A liderança inequívoca da delegação brasileira, pautada pela objetividade e avessa à ideologização do debate, confronta os mandatários dos países ricos com as injustiças que eles mesmos criaram e hoje alimentam.

Quando lemos na imprensa declarações de um Pascal Lamy, Comissário de Comércio da União Européia, que afirmou a necessidade de cuidados intensivos para a Rodada Doha, perguntamo-nos, não sem certo assombro: quem foi o responsável por levá-la à UTI? A quem interessa a manutenção de privilégios incabíveis em um suposto regime de livre-comércio? Eles querem que abram as portas dos países em desenvolvimento, enquanto eles cerram as suas.

A legitimidade do Brasil, agregado a um grupo que representa 65% da população mundial, torna a intransigência dos privilegiados cada dia mais insustentável. E previne a cegueira, o que, nestes tempos difíceis do comércio mundial, não é apenas salutar, mas também absolutamente necessário que se combata.

Com toda certeza, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando eles não querem fazer a negociação multilateral e buscam fazê-la um a um, é o mesmo convite que faria uma onça pintada a uma cotia. Imagine quem será o vencedor! Os países desenvolvidos portam-se como a onça pintada e os países em desenvolvimento não como uma cutia, mas como um caititu. Se a manada estiver unida, não há onça que pegue; se a manada estiver isolada, o que se isolar será devorado pela onça pintada.

Era o que eu tinha a trazer hoje à tribuna.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/10/2003 - Página 29668