Discurso durante a 132ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

As contradições nos nove meses do governo Lula.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • As contradições nos nove meses do governo Lula.
Aparteantes
Efraim Morais.
Publicação
Publicação no DSF de 01/10/2003 - Página 29673
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, CONTRADIÇÃO, IDEOLOGIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), PROPOSTA, PROGRAMA DE GOVERNO, ESPECIFICAÇÃO, MANUTENÇÃO, ACORDO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), APRESENTAÇÃO, INFORMAÇÕES, GASTOS PUBLICOS, PAGAMENTO, JUROS, DIVIDA EXTERNA, DIFICULDADE, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • REFERENCIA, PESQUISA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), GRAVIDADE, DESEMPREGO, REDUÇÃO, CONSUMO, PRODUTO ALIMENTAR BASICO, MOTIVO, INSUFICIENCIA, RENDA, POPULAÇÃO, CRESCIMENTO, INADIMPLENCIA, BANCOS, CARTÃO DE CREDITO, CHEQUE, AUSENCIA, FUNDOS.
  • REGISTRO, DECLARAÇÃO, AUTORIA, HENRIQUE MEIRELLES, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), REDUÇÃO, EXPECTATIVA, CRESCIMENTO ECONOMICO, BRASIL, COMENTARIO, FRUSTRAÇÃO, GESTÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AMBITO NACIONAL, AMBITO INTERNACIONAL.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, FAVORECIMENTO, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), EXERCICIO, CARGO DE CONFIANÇA, ESPECIFICAÇÃO, SAUDE PUBLICA, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), BANCO DO BRASIL, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S/A (BNB), BANCO DA AMAZONIA S/A (BASA), DEFESA, OBEDIENCIA, CRITERIOS, ATENÇÃO, COMPETENCIA, QUALIFICAÇÃO, ADMISSÃO, CIDADÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo Lula completa nove meses. Creio que não há muito a comemorar. O que se constata, nesses nove meses, é uma seleção de contradições, em que a incoerência é a marca registrada do atual Governo. Em nove meses, os principais dogmas que alimentaram as urnas do PT e o levaram ao Palácio do Planalto foram sepultados.

É um Governo improdutivo, Sr. Presidente. Qual a construção do atual Governo nesses nove meses? Talvez sejam as duas reformas - a da previdência e a tributária -, que na verdade são reformas que deformam o modelo de Previdência Social do País e o modelo tributário nacional.

De outro lado, tornou-se recorrente entre nós a citação de que “o verdadeiro Lula está na Argentina”, como afirma o articulista Carlos Nasser, do jornal Gazeta do Povo, do Estado do Paraná. A firmeza com que o Presidente Néstor Kirchner vem conduzindo a crise Argentina, não cedendo à imposição de um receituário recessivo imposto pelo Fundo Monetário Internacional, é parte da comparação. Aliás, o nosso Governo é especialista em prescrever receituário recessivo, na contramão do discurso pronunciado pelo PT durante 23 anos.

Eu sei que há uma grande decepção entre aqueles que, de forma autêntica, defenderam o programa do PT durante muitos anos, decepção com a mudança radical operada assim que o Presidente Lula assumiu o Poder. Enquanto as taxas de juros nos Estados Unidos são de 1,25% e, na União Européia, de 1,75% ao ano, aqui está a 20% no Governo e 150% nos bancos.

Nossa taxa de desemprego é a maior de todos os tempos: 13% da população economicamente ativa está sem trabalho, segundo o IBGE, e 20% segundo outras instituições - desemprego brutal, preocupante, dramático.

A queda do rendimento real caiu para menos de 13,8%, o que significa que se consome menos a cada dia. Há poucos dias, apresentamos aqui números que atestam a queda de 7,9% na venda dos produtos básicos da alimentação, os produtos da cesta básica! Mais uma vez, comprova-se que o trabalhador brasileiro, o assalariado do nosso País está comendo menos.

A receita do Fundo Monetário Internacional - pasmem - está sendo adotada com rigor pelo Governo do PT. E, é claro, não há exemplo de país que tenha obtido índices de crescimento compatíveis com a realidade social atrelado às políticas públicas impostas pelo FMI. É evidente, de outro lado, que se admite atrelamento às políticas impostas pelo FMI em determinado momento de transição, mas, obviamente, não se admite a perenização da política de atrelamento aos desejos do Fundo Monetário Internacional.

É por isso que se afirma que o verdadeiro Lula está na Casa Rosada. Em Buenos Aires, Néstor Kirchner “ameaçou não pagar uma parcela da dívida e renegociou o principal sem pagar juros nos próximos anos” - diz Carlos Nasser. Lá, o Fundo Monetário Internacional recebeu um tratamento nos moldes do discurso petista dos últimos anos. Aqui, assistimos a muitos discursos e retórica, que anuncia para amanhã o espetáculo do crescimento. O Sr. Ministro da Saúde anunciou que 500 remédios tiveram seus preços reduzidos. Certamente, não é o que vêem os que são forçados a conferir os aumentos dos medicamentos nas farmácias do Brasil.

Vamos enumerar alguns números. Os cheques sem fundos representam 36% da dívida não paga pela população e cresceram 6% neste ano. Os cartões de crédito representam 33% de inadimplências, e 29% são dívidas bancárias (empréstimos não pagos). Em 2001, eram 26%. Já são 30% neste ano. Pagamos juros exorbitantes, e nosso crescimento é pífio. A tradução é: menos alimentação, menos escolas, menos hospitais e menos trabalho.

Um dado alarmante divulgado hoje pelo Banco Central: o setor público - União, Estados, Municípios e estatais - gastou, de janeiro a agosto deste ano, 69% a mais com o pagamento de juros do que no mesmo período do ano passado. Nos primeiros oito meses do ano, os gastos com juros somaram R$102,417 bilhões contra R$60,689 bilhões em igual período de 2002. A proporção dessas despesas em relação ao Produto Interno Bruto subiu de 7,17% para 10,2%, e a dívida pública subiu de 56% para 57% do PIB neste ano. Portanto, no ano em que o Presidente Lula afirmou que passaria para a história como o ano em que ele mudou o Brasil, exatamente neste ano, a dívida pública cresceu 1% do PIB, o que é gravíssimo.

Gostaria de repetir: o gasto com juro da dívida cresceu 69%! Devemos ressaltar que o aumento dos gastos reflete a elevação da taxa de juros aplicada pelo Banco Central, que corrige aproximadamente metade da dívida do setor público.

Para completar esse quadro desolador da nossa economia, o Presidente do Banco Central, Dr. Henrique Meirelles, afirmou que o Banco Central deve voltar a baixar sua previsão de crescimento do País neste ano. As projeções apontam para 0,6%. Uma taxa de crescimento do PIB nesse patamar não reflete espetáculo algum de crescimento, como anuncia o Governo.

De todos os setores da sociedade brasileira, são emitidos clamores pela retomada imediata do crescimento econômico. A pauta do Governo do Presidente Lula é questionada em todas as frentes e segmentos organizados da população. Vejam, por exemplo, a nota divulgada pela regional de Mato Grosso do Sul da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cobrando do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a demarcação das terras indígenas no País e uma política de assistência para os índios. A cobrança da CNBB está fundamentada no programa do PT apresentado na campanha eleitoral.

Em meio a tantas cobranças, cobranças justas, legítimas, lícitas, o Governo ignora por completo os clamores da sociedade, adota uma postura de arrogância e articula de forma voluntarista e triunfalista.

Ao retornar de sua última ofensiva externa - ONU, México e Cuba -, o Presidente Lula, em avaliação feita a bordo da aeronave presidencial, concluiu que seu desempenho foi perfeito. Uma pitada de cautela e modéstia seriam recomendáveis ao Presidente da República. Apenas para ilustrar, ontem à noite, em Paris, o Presidente Lula foi duramente criticado pelos participantes de uma manifestação contra o Presidente de Cuba. Artistas, cineastas, vários intelectuais não pouparam críticas à postura adotada pelo Presidente do Brasil em sua visita a Havana. O Presidente não falou uma palavra sobre os dissidentes cubanos. A crítica mais contundente partiu do ex-Ministro da Cultura da Espanha, o escritor Jorge Semprun, que declarou estar decepcionado e desiludido com o Presidente Lula. Aliás, no plano interno, muitos comungam da mesma opinião.

Veja, por exemplo, Senador Efraim Morais, Líder da Oposição nesta Casa, o que Lula disse aos quinhentos estudantes universitários brasileiros que estudam em Cuba e que querem validar o diploma no Brasil: “Não tenho dúvida nenhuma de que vocês voltarão para o Brasil muito mais qualificados politicamente, moralmente, eticamente e profissionalmente”.

Senador César Borges, trata-se de uma ofensa ao nosso País. Para se qualificar politicamente, moralmente, eticamente e profissionalmente, é preciso que deixem o nosso País e se abriguem sob a sombra do autoritarismo cubano? Que lição de ética é possível obter em Cuba, com a tortura, com a prisão, com o assassinato dos adversários da política, com a agressão aos mais elementares direitos humanos, afrontando as normas universais de respeito à cidadania? Que tipo de lição imagina o Presidente Lula seja possível buscar na ilha de Fidel Castro? Creio que toda a nação democrática está a fazer essa indagação ao Presidente do Brasil.

Concedo o aparte, com satisfação, ao Líder da Oposição, Senador Efraim Morais.

O Sr. Efraim Moraes (PFL - PB) - Senador Alvaro Dias, parabenizo V. Exª pela forma objetiva com que comenta os nove meses de Governo do PT e do Presidente Lula. O Informe JB faz um resumo de nove meses interessantíssimo. Se V. Exª me permitir, passo a ler: “Nove meses” é exatamente o título; “A Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, discorda do Governo sobre a política dos transgênicos. O Ministro da Educação, Cristovam Buarque, cobra do Planalto mais verbas para o ensino. O Vice-Presidente, José Alencar, ataca a política de juros do Ministro Antonio Palocci. O Ministro José Dirceu e o Presidente do PT, José Genoíno, divergem sobre o loteamento de cargos federais. O assessor do Presidente Lula, Frei Betto, acha que a mudança da Presidência do Incra equivale a trocar Coca-Cola por Pepsi-Cola. Os dissidentes do PT acusam os líderes do Partido de incoerência. O espetáculo está no ar”.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Quem tem companheiros desse nível não precisa de adversários.

O Sr. Efraim Morais (PFL - PB) - Sem considerar a viagem à Argentina da ex-Senadora e Ministra Benedita da Silva, com recursos do Erário e com outras desculpas, e sem falar que a grande bandeira do PT, o Programa Fome Zero, está na estaca zero há nove meses, o que temos observado são muitas viagens e diárias. Os companheiros estão no ar. E há nove meses não temos conhecimento do espetáculo do crescimento. Mas vamos caminhar. Enquanto isso, aumenta o desemprego, e os recursos não aparecem no País. Está aqui o jornal venezuelano El Nacional, de 18 de setembro de 2003. Estava na Venezuela e comprei esse jornal, que divulga que o governo libera US$1 bilhão à Odebrecht para a construção da linha quatro do metrô de Caracas ou para a nova ponte sobre o rio Orinoco. Quantas obras paralisadas a empresa Odebrecht deixou no Brasil? É bom que se diga que, pelo que está no jornal, a obra já foi construída. Tal quantia é para pagar obra já construída e que está em conclusão. Como disse V. Exª, estão ora na Venezuela, ora na Argentina, ora no Uruguai. Não sei. Passaram por Cuba, passaram pelo México, deve haver mais dinheiro para os companheiros do México e de Cuba. Parabéns a V. Exª pela análise. Aproveito a oportunidade e parabenizo também Ana Maria Tahan, do Informe JB, pelo resumo que considero inteligente e objetivo e que deixa claro o que é o Governo. Agradeço a V. Exª.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Agradeço a V. Exª pelo aparte ilustre, que, sem dúvida alguma, valoriza nossa participação nesta tribuna. É por isso, Senador, que às vezes ficamos a imaginar, quando ouvimos o anúncio de bilhões para o nosso País, para a agricultura, e quando, na prática, não constatamos a execução desses planos anunciados pelo Governo: será que este Governo é o do Brasil, ou é de outro país? Quem sabe a Venezuela possa aplaudir pelos benefícios recebidos nos nove meses do Governo Lula! Quem sabe Cuba possa aplaudir. Mas, lamentavelmente, aqui, no Brasil, não estamos conseguindo aplaudir o atual Governo. O que podemos aplaudir talvez seja a competência do marketing que o Governo adota para sustentar-se na opinião pública. Talvez, por essa razão, justifica-se até o aumento de recurso do Orçamento para a área de publicidade do Governo Federal.

De outro lado, se há um desemprego crescente, o emprego cresceu e transformou-se em pleno emprego nas hostes do PT, porque o Governo foi generoso com os militantes do Partido, oferecendo a eles espaços incríveis na máquina pública, com a partidarização da máquina pública brasileira jamais vista em toda a nossa história. Podem voltar atrás, podem voltar ao passado e falar do fisiologismo, que, lamentavelmente, levou doença ao Poder Público brasileiro, mas não há como ignorar que neste Governo se batem todos os recordes em matéria de partidarização da máquina pública, alcançando inclusive setores intocáveis do Governo, como a saúde. As denúncias já explodiram em manchetes sobre a partidarização do setor de saúde pública no nosso País e também na área de reforma agrária, com o Incra. E, agora, a imprensa refere-se às instituições financeiras estatais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Nordeste e o Banco da Amazônia.

É evidente que se admite a participação dos políticos em cargos de confiança de qualquer Governo, mas o que não se pode admitir é a generalização dessa prática, com o comprometimento de setores que devem priorizar a capacitação técnica, que devem colocar em segundo plano os interesses partidários em favor do interesse da eficiência, com a capacitação técnica dos profissionais que ocupam esses cargos. É preciso compatibilizar os interesses político-partidários com os interesses da administração pública que, em última análise, são os interesses da sociedade. Os critérios a serem adotados por qualquer governo responsável são o da probidade, da competência administrativa, da qualificação técnica no preenchimento dos cargos públicos. O ideal seria a utilização de poucos nomes da política nos cargos de confiança do governo. O ideal seria a utilização de forma ampla e absoluta dos técnicos que integram os próprios quadros da administração pública. Mas há espaço sim para que os oriundos da vida partidária imponham também o conceito de natureza política às ações de governo, fundamentais para que se alcance as aspirações da sociedade.

Portanto, Sr. Presidente, não há como não condenar essa prática nociva, que puxa para baixo o nível da administração pública, que torna o serviço público de pior qualidade. E é por essa razão que há uma paralisia governamental. É exatamente por isso que, em cerca de 8 meses, o Governo do Presidente Lula conseguiu aplicar pouco mais de 2% daquilo que estava provisionado no Orçamento da União para investimentos, no ano de 2003.

Sr. Presidente, não é com prazer que fazemos essa abordagem da tribuna ao completarmos 9 meses do Governo, que seria da mudança. Os “mudancistas” deste País estão decepcionados com as mudanças...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa) - Senador Alvaro Dias, lamento informá-lo de que o tempo de V. Exª está esgotado.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Eu agradeço, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa) - Ao tempo que externo aqui a grande admiração que tenho por V. Exª como Senador da República, acontece um fato nunca dantes ocorrido no Senado, V. Exª está aqui, conforme o art. 17 do Regimento Interno, e numa terça-feira! Isso traduz a sua competência de ser, como diz no livro O Pequeno Príncipe, raposa e leão. O leão, combatendo o Governo; e a raposa, conseguindo usar da palavra, como Líder do Partido que V. Exª representa, com muita.propriedade.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Agradeço a tolerância de V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/10/2003 - Página 29673