Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre os desafios do governo Lula. (como Líder)

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Reflexão sobre os desafios do governo Lula. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 02/10/2003 - Página 29811
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, EVOLUÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), ESPECIFICAÇÃO, VITORIA, ELEIÇÕES, PREFEITURA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REGISTRO, DECLARAÇÃO, JORNALISTA, POSSIBILIDADE, DISPUTA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, POLITICA SOCIAL, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, BRASIL, CONTEXTO, RELAÇÕES INTERNACIONAIS, PERIODO, POSSE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RECONHECIMENTO, ESFORÇO, CONCILIAÇÃO, INTERESSE, SOCIEDADE.
  • MANIFESTAÇÃO, CONFIANÇA, CAPACIDADE, GOVERNO FEDERAL, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Como Líder. Pronuncia o seguinte o seguinte discurso. Sem revisão do orador. ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse discurso estava escrito há alguns dias, mas devido a tantas atividades somente agora posso proferi-lo. O título dele é: O Pé de Alexandre Garcia.

Passo a lê-lo.

Durante minha experiência no sindicalismo, aprendi muito dos ensinamentos repassados pelas nossas lideranças, como Avelino Ganzer, Ranulfo Peloso, Vicentinho, Frei Betto e até o atual Presidente da República entre tantos outros. Aprendi a sonhar com o socialismo, como uma saída para a humanidade. Esse sistema era tratado como exemplo de sociedade justa e igualitária, único capaz de oferecer uma vida digna de ser humano, em que o direito de ser e ter se estendesse a todas as pessoas e em que as mazelas provocadas pela tirania do capitalismo fossem varridas da memória da humanidade.

Li, mas não sei se entendi, algumas obras de pensadores como Marx, Engels, Trotsky, Lenin, Frei Betto, Leonardo Boff, Milton Santos, Golbery do Couto e Silva, alguns artigos de Fernando Henrique Cardoso, Delfim Netto, João Amazonas, Conceição Tavares e de vários expoentes da Igreja Católica e da academia nacional, sempre tentando encontrar a fundamentação que os levava a acreditar naquilo que diziam. Certa vez soube que Jarbas Passarinho leu tudo que Marx escreveu não para se convencer do marxismo, mas para compreender as falhas dele e combatê-lo ainda mais. Sempre admirei a inteligência, a capacidade e a determinação das pessoas, sem me importar com as suas convicções, pois o que me importava mesmo era tentar tirar algumas lições de suas estratégias.

Acreditei na possibilidade de a Esquerda assumir o poder no Brasil, a partir das experiências vividas na China, no Vietnan e em tantos outros países. Aprendi a odiar o regime militar e o Governo norte-americano que financiava tais regimes em muitos países da América Central e do Sul.

Sonhei com a união dos países latino-americanos, africanos e de tantas outras nações pobres que buscavam impor-se diante das nações ricas e implementar relações econômicas, tecnológicas e culturais no âmbito da solidariedade entre os povos.

Eu admirava o povo suíço e os países do mar do Norte, por sua capacidade de produzir e distribuir riquezas, conhecimento e oportunidades a seus cidadãos.

Nos idos dos anos 80, quando meu endereço era o Lote nº 11 da Gleba 69, Km 180 da Rodovia Transamazônica no trecho entre Altamira e Itaituba no Estado do Pará, eu sonhava com o Brasil governado pelas forças de Esquerda. Qual não foi a minha alegria em saber da vitória eleitoral do PT com Maria Luiza em Fortaleza, Ceará, em 1985. Era para mim a chegada do povo no poder. Com a vitória do PT na Prefeitura de São Paulo, com Luiza Erundina, em 1988, recuperei ainda mais a minha confiança principalmente quando assisti à reportagem da TV Globo no momento em que o jornalista Alexandre Garcia dizia “com a vitória de Luiza Erundina para a Prefeitura de São Paulo, o PT coloca definitivamente o pé rumo ao Planalto” (naquele momento ele colocou o seu pé direito na rampa do Palácio do Planalto). Era o PT rumo ao poder.

Na luta política sempre alimentei o seguinte princípio: quanto maior for a riqueza de alguém, mais alto será o seu muro e mais valente será o seu cachorro.

Com as vitórias do PT em dezenas de Municípios, em alguns Estados e com a eleição do Presidente, tivemos que escolher um caminho: governar no sentido do enfrentamento com as classes dominantes ou governar no sentido da negociação. Então veio o debate, que resultou na própria vitória, e a elasticidade de nossa aliança e a indagação: ao se formar uma aliança ela deve ser contínua ou temporária? Alguém se dispõe a fazer uma aliança sem pretender participar dos seus resultados? Para mim a questão mais forte é a seqüência dos processos que considero como evento tectônico. Temos uma harmonia que nada mais é do que a preparação para um evento futuro. Pode ocorrer a chegada desse evento, que é sempre incômodo para a harmonia de então. Temos a superação da crise criada pelo evento e, por fim, temos nova harmonia, que imediatamente passa a ser uma preparação para novo evento.

Temos agora o desafio de governar e fazê-lo de modo diferente. Essa é uma regra para todas as experiências de governo. Temos de registrar a nossa marca. Nosso maior desafio é o registro de nossa experiência não apenas nas placas de inauguração, mas, e principalmente, na memória de nosso povo. Quero lembrar uma frase do companheiro Ranulfo Peloso em suas aulas sobre política no Município de Santarém, no Pará: “Nunca permaneça no mesmo lugar o tempo todo e ao sair deixe muitas saudades”. A maior angústia de um governante é ser comparado à igualdade de outros. Bom mesmo é a superação, e isso se dá com a escolha do caminho e do método. Tal fórmula nos remete aos níveis de sucesso, gratidão e respeito do povo e aí é mais que necessário decidir por onde começar.

Certa vez, meu avô contou-me uma história breve sobre o ato de decidir: “Certo agricultor, muito trabalhador, estava com tantos serviços acumulados que, ao chegar ao seu roçado, não sabia por onde começar. Fazia uma coisinha aqui, outra ali, o dia passava e nada prosperava. Tal trabalhador procurou o vigário local e lhe pediu um conselho para solucionar o seu problema. O padre então lhe perguntou se ele possuía um couro de bode. A resposta foi positiva. O padre o orientou então que, ao chegar ao roçado, ele demarcasse o local a ser trabalhado no exato tamanho do couro de bode e ali realizasse o serviço e, ao terminar marcasse outro, depois outro e mais outro, até que, ao final do dia, ele contasse quantos couros de bode foram trabalhados. O trabalhador, no final de seu expediente, ficou tão animado com os resultados que não precisou mais usar o couro de bode.”

Dessa forma, vi o início do nosso Governo e a montanha de problemas que temos de superar. A ansiedade dos militantes do PT, dos aliados históricos, dos aliados recentes, dos adversários, dos inimigos, da conjuntura macroeconômica, da sociedade brasileira, do continente e do mundo, a atenção para cada palavra pronunciada pelo Presidente Lula e sua equipe, a montagem do Governo e, finalmente, a grande pergunta: qual é o quadro do Brasil?

A resposta foi: cofres vazios e muitas, muitas necessidades. Se baixarmos a cotação do dólar, atrapalhamos a captação de capitais novos e desestimulamos as exportações; se aumentarmos a cotação do dólar, endividaremos ainda mais os importadores; se a taxa de juros se mantiver alta, desestimularemos a nossa produção; se baixar bruscamente, poderá desencadear um processo inflacionário violento e uma forte recessão; o risco Brasil poderá aumentar e afugentar os investidores externos; os credores internacionais querem que aumentemos o superávit fiscal; o MST quer a reforma agrária já, já; a UDR disse que não e promete novos leilões de bois; os povos indígenas acreditam na demarcação imediata de suas terras; o pessoal da soja quer a metade mais um da Amazônia; o Greenpeace diz que, com a soja na Amazônia, não irão nem para o céu; em 2002, o desmatamento na Amazônia chegou perto dos 20.000 km2; o pessoal que tomou empréstimo do BNDES acha que a crise é de todos e que não podem ser cobrados agora; os Estados Unidos estão ajudando a oposição na Venezuela e o Presidente Hugo Chávez precisa imediatamente de gasolina; o G-7 vai se reunir, mas não gostaria de ouvir o discurso sobre o Programa Fome Zero; a Argentina quebrou, estão trocando de Presidente de forma muito rápida e precisam de nossa ajuda financeira; George Bush quer nosso apoio para a invasão do Iraque; a OMC se mantém irredutível em aceitar a proposta dos países pobres; teremos que fazer algumas reformas imediatamente; o FMI quer mais arrocho nas contas; os agricultores gaúchos plantaram soja transgênica e insistem em continuar plantando; para aprovarmos as reformas precisaremos de reforço no Congresso Nacional; os agricultores precisam de mais crédito; precisamos superar as desigualdades regionais; há uma CPI das contas CC-5 no Congresso Nacional; se não tomarmos cuidado, haverá risco de “apagão” no País a partir de 2007.

Por onde começamos, Sr. Presidente? Não se constrói um prédio a partir da cobertura! Começaremos pelas coisas que são estruturais. As estruturas sempre são feias e geralmente ficam escondidas, e somente veremos a beleza da edificação após o seu acabamento arquitetônico. Ao se construírem as bases do edifício, promove-se entulho, transtornos e incômodo para as pessoas. Mas, sem isso, a construção, por mais bela que seja, talvez não dure até o dia de sua inauguração. Portanto, nossa obra será estrutural - palavras do Presidente.

Certo dia eu estava conversando com uma pessoa e lhe falava de minha satisfação com a política externa do nosso Governo. Ele riu de mim e compreendi que estava rindo também de Lula. Eu afirmava que a estratégia de reunir os países sul-americanos, africanos e os pobres da Ásia era um sinal de novos tempos. E ele debochou dizendo que nunca um grupo de esfarrapados e miseráveis ousaria criar qualquer problema aos Estados Unidos e União Européia, e que todos iriam de joelhos pedir clemência ao primeiro grito de qualquer uma dessas superpotências. Essa brincadeira me feriu muito, pois acredito que qualquer processo depende apenas “da decisão do ato de começar”.

Recuso-me ao fato de fazer qualquer tipo de comparação entre as experiências de Governo. Penso que não fomos eleitos para fazer competição “de quem mais faz”. É nossa responsabilidade trabalharmos duramente pelo que acreditamos sem medo de ser feliz. Portanto, sobre a política externa do Governo Lula não temos a menor dúvida de trabalhar por uma nova geopolítica no mundo, novas negociações, novos mercados e até novos blocos econômicos.

Não queremos o insucesso dos Estados Unidos ou da União Européia. Queremos apenas relações de respeito mútuo e, seguindo a opinião de Leon Trotsky sobre o que ele chamou de desenvolvimento desigual e combinado: é preciso um desenvolvimento muito mais combinado do que desigual.

Pouco conhecia da capacidade do Ministro Celso Amorim. Digo agora que tudo que eu sonho sobre patriotismo e força de liderança para fazer valer os nossos interesses estão contidos em suas ações recentes. Sinto-me representado pelo Ministro Celso Amorim. E para as pessoas que acharam os resultados da última reunião da OMC um total fracasso, digo a essas pessoas que sofrem de miopia política para compreender a simbologia imposta pelo G-22 liderado pelo Brasil. O resultado daquele evento será desdobrado futuramente. Tenho certeza de que o próximo passo será a configuração da Alca. Há agora um ensaio para negociar com qualquer nação primeiro-mundista em outras condições.

O aspecto da liderança do Presidente Lula no âmbito nacional nos remeteu a outra reflexão: diante do volume de desafios a superar, um deles é na elevação do espírito e da auto-estima do país. Ai do governo que tentar ser a única solução dos problemas de seu povo! Se acreditamos no Governo, cabe a nós nos sentirmos responsáveis pelo sucesso dos processos. Digo ainda que temos a obrigação de aprender a fazer as coisas sozinhos e, quando aprendê-las, ter a humildade de saber que sozinhos não faremos muita coisa.

É louvável a construção participativa do PPA, os debates e os compromissos estabelecidos com os Governadores sobre as reformas, a socialização do processo de fundação da nova Sudam e da nova Sudene, os inúmeros debates sobre as grandes obras na Amazônia e seu reordenamento territorial, o esforço para transversalizar as questões ambientais nas ações de desenvolvimento tanto públicas quanto privadas, a inclusão da sustentabilidade numa resposta para as preocupações locais e externas, os encontros com a sociedade civil (alguns ficaram chateados com o boné do MST), a relação com o Congresso Nacional e com os Partidos políticos e, tirando o mal entendido, como a relação com o Judiciário foi importante nas negociações sobre a reforma da previdência!

Quem tem fome tem pressa! Todas as pessoas querem e merecem uma rápida atenção para a solução de seus problemas. Quase sempre isso requer recursos financeiros. Para uma sociedade desorganizada, todos os problemas são monstruosos e as soluções dependem sempre de terceiros. Para uma liderança, cabe a ela atribuir responsabilidades a todos - vide o sucesso do Grammen Bank de Bangladesh. Para eles, qualquer pessoa em qualquer estágio de condições econômicas precisa apenas de uma oportunidade no tamanho de sua capacidade administrativa imediata, cabendo ao poder público ampliar as condições e o espaço externo para o seu crescimento.

Nesse sentido, o Programa Fome Zero tem seu sucesso vinculado ao processo de mobilização da Nação para assumir coletivamente a responsabilidade de “incluir” os que estão fora da economia na produção de riquezas e na partilha da mesma. Se o Programa Fome Zero for interpretado como sendo apenas “uma esmola para os pobres”, o programa estará equivocado e condenado ao fracasso. Quem participar do Fome Zero deve encará-lo como “contribuindo para a inclusão de mais um na economia” e que mais adiante este possa também contribuir para a inclusão de outro.

Esta reflexão me remete a tentar compreender os adversários e a Oposição. É muito claro para entender que a Oposição tente fragmentar os problemas do Governo para assim encontrar os defeitos da gestão e ter um excelente discurso, recusando-se veementemente a olhar o todo e a ver o rumo. Assim sendo, nesses nove meses de Governo, foi muito rico o debate e aprendemos um pouco. Certo dia ouvi de uma importante Liderança do PSDB: “o PT não pode assumir a paternidade da safra agrícola do País, porque ela é o resultado do trabalho do Governo anterior”.

Bem, isso é verdade! Mas também é verdade que não deveríamos assumir a responsabilidade pelos problemas anteriores. Ninguém faz oposição em cima das qualidades de alguém e sim em cima de suas falhas - e é assim que se mobiliza a sociedade. E foi nessas circunstâncias que o Deputado Babá tornou-se uma referência para a mídia nacional. Não há novidade nas reclamações da Oposição contra o Governo Lula. Novidade mesmo é ver isso sendo feito por petistas.

Neste contexto, aproveito para dizer que estou de espírito desarmado e ao mesmo tempo muito satisfeito com os resultados até aqui; e que as medidas, por pequenas e simbólicas que pareçam, estão dentro da metáfora de meu avô: “o couro de bode para começar”.

Parabenizo o jornalista Alexandre Garcia e seu pé no primeiro degrau do Palácio do Planalto em 1988. Digo a ele, Alexandre Garcia: “Honraremos a você e principalmente o povo brasileiro que nos confiou tal missão”.

Era isso que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/10/2003 - Página 29811