Pronunciamento de Jefferson Peres em 02/10/2003
Discurso durante a 134ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Reflexão sobre o uso dos transgênicos no Brasil.
- Autor
- Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
- Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
- Reflexão sobre o uso dos transgênicos no Brasil.
- Publicação
- Publicação no DSF de 03/10/2003 - Página 30112
- Assunto
- Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
- Indexação
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- CRITICA, EXCESSO, CONTESTAÇÃO, ECOLOGISTA, PRODUÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, CONSUMO, PRODUTO TRANSGENICO, DESCONHECIMENTO, PARECER FAVORAVEL, CIENTISTA.
- CONTESTAÇÃO, NOCIVIDADE, EFEITO, PRODUTO TRANSGENICO, SAUDE, VIDA HUMANA, MEIO AMBIENTE.
- COMENTARIO, VANTAGENS, PRODUTO TRANSGENICO, REDUÇÃO, CUSTO DE PRODUÇÃO, ALIMENTOS, REGISTRO, ACEITAÇÃO, PRODUTO, MERCADO EXTERNO.
- QUESTIONAMENTO, DEMORA, GOVERNO FEDERAL, ELABORAÇÃO, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA, BIOTECNOLOGIA, PRODUÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, PRODUTO TRANSGENICO.
O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cidadãos brasileiros conectados ao Sistema de Comunicação do Senado Federal:
Coberto de razão estava o economista e sociólogo ítalo-franco-suíço Vilfredo Pareto para quem é o resíduo indomesticável da irracionalidade que comanda o espetáculo da história das sociedades. Se ressuscitasse no Brasil de nossos dias, o misantrópico e solitário mestre de Lausanne provavelmente dedicaria um inteiro novo capítulo do seu monumental Trattato di sociologia generale às patéticas manifestações de obscurantismo ecológico que vêm prejudicando uma discussão ampla, séria, racional e madura acerca dos organismos geneticamente modificados (OGMs), vulgo transgênicos, neste País.
O lobby do atraso não se detém diante de nenhum argumento por mais cientificamente fundamentado.
Ora, os transgênicos resultam, tão-somente, da inserção artificial do gene de uma espécie no código genético (DNA) de outra. As donas de casa e os apreciadores de uma boa salada convivem há cerca de dez anos com o tomate longa-vida, mais durável e saboroso. Por processo análogo, são obtidos cafés e trigos resistentes a rigorosas geadas, ou ainda sojas imunes a herbicidas e resistentes a pragas.
Os ecologistas antitransgenia alinham três principais críticas. Em primeiro lugar, invocam uma versão draconiana do princípio da “precaução”, alegando que os estudos e testes desenvolvidos até o momento são insuficientes para atestar, sem sombra de dúvida, a segurança alimentar e ambiental desses produtos.
Em segundo lugar, acusam a transgenia de ser um cavalo-de-tróia dos interesses do agribusiness transnacional, determinado a fomentar a dependência dos agricultores do Terceiro Mundo às suas marcas de sementes e medicamentos agronômicos. Por último, agitam o espantalho da perda dos mercados europeus, onde os consumidores prefeririam gêneros cultivados tradicionalmente.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nenhuma dessas alegações resiste a um confronto com os fatos. Se não, vejamos.
O professor Luis Fernando Lima Reis, biólogo molecular e diretor do Hospital do Câncer de São Paulo, afirma que o limite da precaução só pode ser o bom senso. Levada ao absurdo, a precaução nos impediria de sair de casa para ganhar a vida, pois sempre haverá uma possibilidade remota de morrermos atropelados, assaltados, ou fulminados por um raio. De mais a mais, custa crer que algum efeito prejudicial à saúde, se houvesse, não teria sido detectado e divulgado, nos últimos anos. Acrescente-se que, há alguns meses, a Royal Society, academia científica britânica tradicionalíssima e mundialmente respeitada, reiterou a equivalência entre transgênicos e produtos agrícolas convencionais, afastando, assim, qualquer suspeita de ameaça dos primeiros à saúde humana.
Os trangênicos provocam impactos ambientais nagativos? Bem, está claro que plantas resistentes a pragas e insetos, por dispensarem fortes doses de herbicidas e inseticidas, contribuem para ar e águas mais limpos. Plantas cultivadas tradicionalmente, na medida em que requerem grandes aportes desses defensivos, exigem uma limpeza minuciosa do solo antes do plantio de cada nova safra, o que, com o tempo, fomenta a erosão e a desertificação. Segundo pesquisas da Universidade do Estado de Michigan, nos Estados Unidos, o plantio direto, que aproveita os depósitos orgânicos das safras anteriores, reduz em 88% a produção de gases geradores do efeito-estufa.
O que dizer dos efeitos econômicos da transgenia? Evidentemente, menos gastos com inseticidas significam menores custos de produção, comida mais barata na mesa do consumidor e mais dinheiro no bolso do agricultor.
Para os que afetam preocupação com o perigo de nossas agroexportações de transgênicos virem a ser barradas pela UE, convém lembrar que, somente no ano passado, aquele bloco comercial importou dos Estados Unidos e da Argentina mais de 17 milhões de toneladas de soja e de farelo de soja transgênica, o equivalente a quase 50% do consumo europeu. Se voltarmos nosso olhar para o Extremo Oriente, mais precisamente para a China, outro grande importador de alimentos, veremos que ali tampouco se proíbe o consumo de soja transgênica. Conclusão: não faz o menor sentido para a agricultura brasileira auto-restringir-se diante de todas essas oportunidades comerciais.
Finalmente, o espectro da subordinação da família rural brasileira às transnacionais biotecnológicas não passa de um espantalho. De um lado, o mercado continuará oferecendo sementes tradicionais para quem quiser utilizá-las, e muitos agricultores poderão até lucrar no nicho sofisticado da produção de alimentos orgânicos, voltados às classes alta e média alta. De outro lado, não devemos subestimar o dinamismo da pesquisa agropecuária made in Brazil. A Embrapa e algumas de suas congêneres estaduais só esperam a regulamentação definitiva da matéria para oferecer aos nossos agricultores numerosos tipos de sementes transgênicas de cereais, leguminosas e frutas, desenvolvidos em seus laboratórios.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com a promulgação da Lei de Biossegurança, logo no primeiro ano do governo Fernando Henrique, foi criada a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), destinada a regular experimentos e atividades industriais e comerciais envolvendo os OGMs. Integrada por nomes internacionalmente respeitados da ciência e da biotecnologia deste País, ela autorizou, em 1998, a comercialização das sementes de soja round-up ready (ou RR), desenvolvidas pela empresa americana Monsanto, pois experiências laboratoriais haviam confirmado a confiabilidade daquele produto. Imediatamente, os lobbies ecológicos desencadearam uma verdadeira guerrilha judicial contra a decisão da CTNBio em vários tribunais federais, até que, em 2001, uma medida provisória reafirmou a autoridade da comissão para decidir sobre a segurança dos transgênicos, ao mesmo tempo que um decreto presidencial regulava a rotulagem desses alimentos.
Seguiu-se nova rodada de escaramuças na Justiça. Nos primeiros dias do governo Lula, uma comissão interministerial foi incumbida de emitir posição definitiva acerca da matéria. A incerteza regulatória e a perspectiva de um prejuízo de 1 bilhão de dólares para os sojicultores gaúchos levaram o governo, em maio do corrente ano, a baixar nova medida provisória, autorizando a comercialização da soja transgênica.
Os embaraços causados pela campanha de desinformação das vanguardas do obscurantismo, entretanto, não cessaram, exigindo do governo novo remendo regulatório, ao qual não faltou o toque bisonho de pantomima palaciana, quando o Sr. Vice-Presidente da República só muito relutantemente assinou, sob protestos, outra medida provisória disciplinadora do plantio de soja transgênica na próxima safra, não sem antes declarar-se um “pobre coitado”, desabafo que contrasta gritantemente com sua condição de industrial têxtil número 1 deste País e, mais ainda, com o cargo público que sua excelência ocupa.
Sr. Presidente, não entrarei em especulações sobre o que teria motivado o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a viajar sem assinar a referida MP, foco de tamanha controvérsia, transferindo a incômoda tarefa ao seu vice. O que, porém, questiono é a demora do Palácio do Planalto em apresentar projeto lei resolvendo definitivamente a questão, conforme reiteradas promessas do Executivo que datam do início deste ano.
Vejam bem, não se trata apenas de transgenia, como se o tema não dissesse respeito a um dos setores mais dinâmicos de nossa economia, atual âncora do comércio exterior brasileiro, que é o agronegócio. A indefinição sobre transgênicos, na percepção dos investidores nacionais e estrangeiros, soma-se a outras, na área do direito de propriedade (violentada pelas invasões do MST, sob o olhar benevolente das autoridades federais) e, agora, das agências reguladoras (prestes a verem sua autonomia eliminada por dois anteprojetos da Casa Civil da Presidência da República). A grave imagem geral que daí emerge é a de um governo pouco propenso a respeitar a estabilidade de regras do jogo claras e transparentes, e sabemos que, sem o preenchimento desse fundamental requisito, as promessas do espetáculo da retomada do crescimento e da criação de milhões de empregos terão um único e melancólico destino: a vala comum da retórica irresponsável.
Era o que tinha a comunicar, Sr. Presidente.
Muito obrigado.