Discurso durante a 135ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Distribuição de renda no Brasil. Comentários acerca de projetos de inclusão social no Amapá. Necessidade de novas políticas sociais voltadas à população carente. Incêndio criminoso na fábrica de biscoitos da Cooperativa do Rio Iratapuru.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL. DESENVOLVIMENTO REGIONAL. SENADO.:
  • Distribuição de renda no Brasil. Comentários acerca de projetos de inclusão social no Amapá. Necessidade de novas políticas sociais voltadas à população carente. Incêndio criminoso na fábrica de biscoitos da Cooperativa do Rio Iratapuru.
Aparteantes
Arthur Virgílio.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/2003 - Página 30237
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL. DESENVOLVIMENTO REGIONAL. SENADO.
Indexação
  • COMENTARIO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, BRASIL, GRAVIDADE, AMPLIAÇÃO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, CRITICA, GESTÃO, FUNDOS PUBLICOS, ESTADO, TRANSFERENCIA, RECURSOS, ARRECADAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, DESTINAÇÃO, MINORIA, PRIVILEGIO.
  • DEFESA, CRIAÇÃO, PROJETO, GARANTIA, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, GESTÃO, FUNDOS PUBLICOS, ESPECIFICAÇÃO, ARRECADAÇÃO, APLICAÇÃO DE RECURSOS, REGISTRO, EXPERIENCIA, ESTADO DO AMAPA (AP), PROGRAMA, ACESSO, POPULAÇÃO, ACOMPANHAMENTO, INFORMAÇÕES, ADMINISTRAÇÃO, RECURSOS, GOVERNO ESTADUAL, REFERENCIA, PESQUISA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), OCORRENCIA, REDUÇÃO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, ESTADOS, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, EDUCAÇÃO, SAUDE.
  • DEFESA, CRIAÇÃO, POLITICA, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, PROTEÇÃO, RIQUEZAS, BIODIVERSIDADE, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, PATRIMONIO CULTURAL, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, COMBATE, EXCLUSÃO, POPULAÇÃO CARENTE, IMPORTANCIA, SOBERANIA, REGIÃO.
  • REGISTRO, OCORRENCIA, INCENDIO, COOPERATIVA, FABRICA, UTILIZAÇÃO, CASTANHA DO BRASIL, REGIÃO AMAZONICA, MANIFESTAÇÃO, SOLIDARIEDADE, POPULAÇÃO, IMPORTANCIA, ATIVIDADE INDUSTRIAL, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
  • SOLICITAÇÃO, RENUNCIA, VICE-LIDER, GOVERNO FEDERAL, SENADO, MOTIVO, DESAPROVAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ENCAMINHAMENTO, CONGRESSO NACIONAL, LIBERAÇÃO, UTILIZAÇÃO, SOJA, PRODUTO TRANSGENICO.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os meios de comunicação estão apresentando a prestação de contas de um século de desenvolvimento, e observamos que a vida econômica, social e política do nosso País melhorou muito nesse século. Todos os indicadores sociais, os indicadores econômicos, a infra-estrutura do País, tudo avançou muitíssimo.

Porém, há uma questão imutável, a distribuição de renda. A renda no nosso País continua concentrada nas mãos de poucos. Essa é a tragédia nacional. Somos um País com uma grande economia, mas ainda conservamos milhões de brasileiros completamente excluídos do circuito da economia, da participação política, com uma vida social precária. Não conseguimos, ao longo da História do nosso País, desconcentrar e melhor distribuir a renda produzida por todos os brasileiros.

Um dos problemas graves que tenho pontuado em minhas discussões e nos debates de que participo é que o Estado brasileiro é o instrumento de transferência de renda dos pobres para os ricos, por meio de dois mecanismos: o da arrecadação e o da aplicação dos recursos públicos. Arrecada-se de todos e transfere-se para poucos. Essa, infelizmente, é a realidade que estamos vivendo.

Falei há poucos dias que os impostos indiretos fazem com que se deseduque a nossa cidadania. Os consumidores neste País acham que não pagam imposto, porque não se separa o que é custo do que é imposto, e ninguém consegue saber exatamente quanto está pagando de imposto. Então, precisamos fazer reformas no sistema tributário, na arrecadação. Faz-se necessária uma profunda reforma da gestão do Estado na hora da aplicação do recurso público, estabelecendo controle social, transparência na arrecadação e na aplicação, para que o Estado possa se transformar num instrumento de justiça social e possa, finalmente, contribuir para o equilíbrio do nosso grande e generoso País.

Nesse aspecto, ao completarmos 15 anos de vida autônoma como Estado, chama atenção o nosso trabalho de distribuição de renda no Amapá. Tenho aqui os indicadores do IBGE, e o Amapá está entre os Estados com melhores indicadores sociais e econômicos, destacando-se a distribuição de renda, calcanhar de Aquiles do desenvolvimento da sociedade brasileira.

Tenho aqui o índice de Gini, que mede a distribuição de renda na sociedade. Nesse aspecto, o Amapá foi o campeão da distribuição de renda em 1999, o que se reproduziu em 2000; não tenho os números de 2000, mas tenho os de 1999. O nosso índice, em 1999, era 0,483 - quanto mais próximo de zero, melhor a distribuição de renda na sociedade. A média nacional, para aquele ano, é 0,567. Portanto, o Amapá contribui para uma melhor distribuição da renda e é o Estado hoje com a melhor distribuição, até porque estabelecemos o maior controle no uso da energia coletiva. Ou seja, aquilo que o cidadão produz e a sua contribuição para o Estado são aplicados de forma mais criteriosa e com acompanhamento social.

Estabelecemos esse grande programa de transparência no uso dos recursos públicos, inclusive colocando diante dos olhos de todos os empenhos, nota de compromisso que o Estado emite. Esses empenhos, nos últimos três anos, são acessíveis a qualquer cidadão no Amapá, que pode acompanhar os gastos. Isso evita, evidentemente, desvios de recursos públicos, que temos de reconhecer como a grande tragédia.

Na semana passada, o TCU apresentou ao Presidente da Casa, Senador José Sarney, um relatório mostrando que 18 bilhões - ou 14 bilhões, se não me engano - em obras financiadas pelo Governo Federal apresentam algum tipo de irregularidade. Algumas dessas obras talvez não tenham nem sido iniciadas. Estou fazendo um levantamento com a minha assessoria para identificar essas obras porque, se elas estivessem dentro de um sistema de transparência, por meio da Internet, um cidadão no Rio Grande do Sul, em Rondônia, em Roraima, no Amapá, poderia acompanhar o que está acontecendo na sua comunidade.

Portanto, destaco a distribuição de renda no caso do Amapá, e a atribuo às políticas sociais que tivemos oportunidade de realizar, inclusive algumas delas massivas, como a atribuição de meio salário mínimo às famílias mais necessitadas. Chegamos a ter 12% do conjunto das famílias que moram no Amapá participando desse programa, que tem um peso significativo, todos os meses. Criaram-se algumas obrigatoriedades, como, por exemplo, a freqüência á escola, e atingimos um grau de matrículas de 99% das crianças em idade escolar, de sete a catorze anos, no Amapá. Esse programa incluía também a capacitação e o treinamento dessas famílias, que estavam sob o manto de proteção social. Elas se obrigavam ao acompanhamento nos centros de saúde, à capacitação e ao treinamento e também tinham crédito no Banco do Povo, na agência de fomento do Amapá, outro projeto de grande sucesso.

Portanto, Sr. Presidente, nos 15 anos de autonomia do nosso Estado, é evidente que temos muito a comemorar, principalmente a autonomia política, que é o direito de a sociedade eleger os seus dirigentes, permitindo que o povo possa escolher, entre os seus melhores filhos, aqueles que o vão dirigir, que vão gerir a coisa pública.

Agora, quero fazer um comunicado trágico a esta Casa. Acredito, Sr. Presidente, Senador Mão Santa, que o Brasil não pode pensar políticas homogêneas. Um País com tamanha diversidade ambiental, cultural e étnica não pode pasteurizar o desenvolvimento. Então, faz-se necessário um olhar diferenciado sobre a Amazônia, até porque é uma região preservada, com sua cobertura florestal ainda praticamente intacta. No entanto, estamos tomando uma direção perigosa, que coloca em risco a nossa integral soberania na região.

Falo isso porque nós, durante muitos anos, tivemos a nossa política econômica tutelada pelo Fundo Monetário Internacional em função do endividamento absurdo. Perdemos a autonomia na condução da política econômica. E se não tivermos um programa claro para a Amazônia, capaz de desenvolver a economia com justiça social, com eqüidade social e com preservação ambiental, vamos ter dificuldade para manter a soberania plena na região. Estou alertando: precisamos estabelecer políticas para a região que mobilizem as instituições de desenvolvimento regional, como a Sudam e os fundos que para a região são destinados, na construção de um novo modelo capaz de desenvolver economicamente a região, atender as necessidades sociais do povo da Amazônia e preservar o patrimônio ambiental da sociedade brasileira.

Estamos aguardando esse novo modelo. É preciso que esse debate seja mais amplo. Promover o desenvolvimento da Amazônia não é uma questão de especialista, temos que ouvir o povo daquela região, que construiu uma cultura de sobrevivência e de intimidade com a floresta e o rio. Esse povo ficou excluído e abandonado, salvo em raros momentos da história, como, por exemplo, na exploração da seringa e, mais tarde, na exploração mineral do seu subsolo. Mas todos esses projetos têm o objetivo de drenar a riqueza sem nenhuma participação das comunidades locais.

Sr. Presidente, por último, quero registrar que, no dia 1º de outubro de 2003, às 3h, a Cooperativa Mista dos Produtores Extrativistas do Rio Iratapuru, criada e operacionalizada durante o nosso período de Governo, sofreu um incêndio, que já está praticamente esclarecido hoje. Essa Cooperativa tinha uma fábrica de biscoito de castanha da Amazônia, do Pará, do Brasil, como queiram, no coração da floresta e estava balizando um novo modelo de desenvolvimento, de aproveitamento local, de produtos de espécies da nossa biodiversidade e de adensamento da cadeia produtiva em nível local.

Essa fábrica foi visitada pelo Presidente Lula, antes da eleição de 2002, em novembro de 2001, juntamente com o Governador do Estado do Acre, Jorge Viana, e o assessor Vicente Trevas. No entanto, a Cooperativa foi criminosamente incendiada. Dois suspeitos já estão presos, e, possivelmente, mais um outro deverá ser preso até o final da tarde. Talvez, assim, possamos esclarecer o crime, que foi praticado propositadamente e que destruiu todo o patrimônio da Cooperativa, a fábrica e, inclusive, o estoque de castanhas que estava entrando na cadeia de produção. Isso é profundamente lamentável, visto que essa Cooperativa contribuía com um movimento de mais de R$300 mil por ano na economia local.

Quero fazer um apelo ao Presidente Lula, que esteve visitando aquele local e viu a esperança daqueles castanheiros no futuro. E a reserva de desenvolvimento sustentável do rio Iratapuru, onde está situada essa Cooperativa, fica muito próxima das montanhas do Tumucumaque, as quais deram origem ao Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, o maior parque nacional, encravado no Amapá, com 2,6 milhões de hectares.

Portanto, quero manifestar a nossa solidariedade a todos os castanheiros da Amazônia, porque se tratou de um ataque direto a essa nova possibilidade de desenvolvimento local com o adensamento de cadeias produtivas, de espécies que, durante séculos, foram exploradas com uma brutal submissão dos castanheiros no regime de barracão, como também aconteceu com a borracha, mantida sob regime de troca - os castanheiros, os seringueiros, por mais que produzissem, sempre estavam devendo ao barracão. As cooperativas, portanto, vieram para romper o regime de brutal exploração dos castanheiros. E era exatamente o que representava essa indústria encravada no coração da floresta, no início das montanhas do Tumucumaque.

Faço este registro, na manhã de hoje, com muito pesar, lamentando profundamente o incidente que liquidou com a indústria de biscoito de castanha da Amazônia, lá no rio Iratapuru.

Por último, Sr. Presidente, gostaria de comunicar a esta Casa que encaminhei uma carta ao Líder do Governo, Senador Aloizio Mercadante, em que coloco à disposição o cargo de Vice-Líder do Governo no Senado. E faço isso em função de uma medida provisória que deverá chegar a esta Casa e que libera o uso de sementes de soja transgênica. Já me posicionei contrariamente à medida provisória, antes mesmo que ela tivesse sido assinada. Votarei contra a medida provisória, porque penso que deveria haver um outro encaminhamento nessa questão específica, sem entrar no mérito do uso de organismos geneticamente modificados. Além de termos dúvidas a respeito dos efeitos que esses produtos podem gerar sobre a vida humana, há ainda um problema de condução de ilegalidades, de fato consumado. É inaceitável para o nosso País que se admita o fato consumado, ou seja, que se legalize a ilegalidade e a subversão.

Assim, como não poderei, de forma nenhuma, votar favoravelmente a esse projeto do Governo, prefiro colocar meu cargo à disposição. Para tanto, repito, já encaminhei uma carta ao Senador Aloizio Mercadante, informando a minha decisão. Mas quero dizer que tenho imensa satisfação em trabalhar com S. Exª, com que aprendemos muito na condução das políticas de Governo nesta Casa.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador João Capiberibe, quero registrar duas coisas de maneira bastante breve. Em primeiro lugar, concordo com V. Exª quando diz que o Senador Aloizio Mercadante é um homem público elogiável. Em segundo lugar, também sem entrar no mérito da medida provisória dos transgênicos, quero registrar, aqui, o meu respeito pela sua atitude. Creio que o seu gesto deveria servir de exemplo às muitas pessoas que se apegam aos cargos, às funções e às vantagens e que conseguem fazer da vida pública uma espécie de surf. Portanto, pela amizade pessoal que dedico a V. Exª, quero registrar este elogio, pois considero um gesto digno de sua parte, sem entrar no mérito, repito, do que vai ser discutido aqui na Casa em relação aos transgênicos. Diante de uma ação de Governo contestada intelectual, administrativa e economicamente por V. Exª, V. Exª toma, pois, uma atitude única que cabe a um Homem Público, com “h” e “p” maiúsculos, neste País chamado Brasil. Meus parabéns! E continuo ouvindo o seu pronunciamento com muita atenção e respeito.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Muito obrigado, Senador Arthur Virgílio. Gostaria de enfatizar que este meu gesto é tomado exatamente para não contrariar minha biografia, minha história de vida, aquilo que penso e que defendo. Sei que compartilhamos, dentro da base do Governo, idéias muito comuns. E é exatamente em função disso que estou colocando o cargo à disposição.

Mas devo dizer que manterei aqui uma trincheira de defesa do Governo Lula, do Presidente Lula, das políticas do Governo. Vou manter-me na base de apoio do Governo. Vou apoiar todas as medidas que correspondem ao programa e à proposta do Presidente Lula para o nosso País.

Encerro, pois, minha participação nesta manhã de sexta-feira, no Senado Federal, dirigindo-me a todos os telespectadores da TV Senado para reafirmar minhas convicções em uma proposta de modelo de desenvolvimento para a Amazônia antes que seja tarde. A soberania na região vai depender da capacidade da sociedade brasileira de gerir e compatibilizar desenvolvimento econômico, eqüidade social e preservação ambiental.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/2003 - Página 30237