Discurso durante a 135ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Dificuldade da consolidação política dos ex-territórios brasileiros e a dependência histórica em relação ao governo federal.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Dificuldade da consolidação política dos ex-territórios brasileiros e a dependência histórica em relação ao governo federal.
Aparteantes
João Capiberibe.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/2003 - Página 30234
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, ESTADO DO AMAZONAS (AM), ESTADO DE RORAIMA (RR), ESTADO DO TOCANTINS (TO), ANALISE, HISTORIA, TRANSFORMAÇÃO, TERRITORIOS FEDERAIS, ESTADOS, REDUÇÃO, DEPENDENCIA, GOVERNO FEDERAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, DIVISÃO TERRITORIAL, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, ESTADO DE RORAIMA (RR), REGISTRO, INFORMAÇÕES, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), OCORRENCIA, CRESCIMENTO DEMOGRAFICO, AUMENTO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), RENDA PER CAPITA, MELHORIA, INDICE, DESENVOLVIMENTO, VIDA HUMANA, BEM ESTAR SOCIAL.
  • ESCLARECIMENTOS, DIFICULDADE, EFICACIA, PROGRAMA, NATUREZA SOCIAL, EDUCAÇÃO, SAUDE, HABITAÇÃO, MOTIVO, EXCESSO, IMIGRAÇÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR), NECESSIDADE, URGENCIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, AMBITO ESTADUAL, ESPECIFICAÇÃO, SITUAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), ASSENTAMENTO RURAL, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), RESERVA ECOLOGICA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO, CRIAÇÃO, EMPREGO, RENDA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fico até alegre de que esteja aqui no plenário o Senador João Capiberibe, ex-Governador do Amapá, porque quero, hoje, justamente me referir, Sr. Presidente, à criação dos Estados do Amapá, de Roraima e de Tocantins, que, coincidentemente, foram todos criados pela Constituinte de 88 e, no dia 5, domingo próximo, estão, portanto, aniversariando. Estão aniversariando do ponto de vista legal, completando quinze anos, mas Amapá e Roraima passaram por um período de Governador pro tempore e, depois, passaram a ser efetivamente institucionalizados a partir do primeiro Governador eleito, que tomou posse em 1º de janeiro de 1991.

Mas é interessante, Sr. Presidente, fazer um retrospecto do que era aquela imensa região em 1943, um pouquinho antes, portanto, da data de 13 de setembro, quando Getúlio Vargas teve a visão nacionalista e estratégica de, olhando o mapa do Brasil, ver que mais de 70% do território brasileiro era ocupado por apenas três Estados: Amazonas, Pará e Mato Grosso.

Então, ele criou, naquela altura, cinco territórios federais: os Territórios de Pontaporã; de Iguaçu; do Guaporé; do Rio Branco, hoje Roraima; e do Amapá. Depois, na Constituinte de 46, os Constituintes houveram por bem reincorporar os Territórios de Pontaporã e Iguaçu aos seus Estados de origem, portanto ficando apenas os Territórios de Guaporé, que hoje é o Território de Rondônia, do Rio Branco, hoje Roraima, e do Amapá.

Pois bem, esses três Territórios permaneceram Territórios durante muito tempo. Rondônia ainda foi transformado em Estado antes de Amapá e Roraima, mas Amapá e Roraima permaneceram - eu diria - como feudos da União, como uma espécie de autarquia do Ministério de Justiça e depois do Ministério do Interior, durante 45 anos. E, durante 45 anos, o que vimos foi, se por um lado um progresso resultante do investimento de recursos federais e a formação de um quadro de funcionários cada vez melhor, por outro lado o tolhimento da liberdade principal de um povo, que é o direito de escolher os seus representantes: os seus Prefeitos, os seus Vereadores, os seus Governadores, os seus Deputados Federais e os seus Senadores. Na verdade, escolhiam os Deputados Federais. Durante muito tempo, apenas um. Depois, no regime militar, passou para dois; após isso, para quatro.

Mas nós que nascemos no Território de Roraima ou no Território de Amapá, ou que fomos para lá muito no início, constatamos que avançamos muito mais em apenas doze anos como Estado institucionalizado, com a posse dos primeiros Governadores eleitos, do que nos quarenta e cinco anos de território federal.

Isso comprova, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que a redivisão territorial desses Estados gigantescos só trouxe bem para o Brasil. Falo até sem nenhuma presunção, porque nasci, sou de um Estado que é o menor da Federação em termos de população, de recursos financeiros, mas, em recursos naturais, somos riquíssimos; somos, talvez, a maior reserva de minerais estratégicos do mundo. Por isso mesmo, coincidentemente, elas estão impedidas de serem exploradas, porque não interessa aos donos do mundo da atualidade.

O que me interessa falar, Sr. Presidente, muito mesmo e ressaltar, é que, se Roraima antes era um Município do Estado do Amazonas, vizinho ao Município de Barcelos, que já foi capital do Estado do Amazonas - Barcelos hoje tem 26 mil habitantes, vive praticamente da venda de peças ornamentais e de algumas outras atividade extrativistas -, hoje Roraima está interligada por asfalto com a capital do Estado do Amazonas, com a Venezuela, e está sendo interligada com a ex-Guiana Inglesa, atual República da Guiana. Roraima possui uma Universidade Federal e uma Escola Técnica Federal. Tenho muita honra em comemorar o aniversário do Estado de Roraima, que transcorrerá no próximo domingo, assim como me honra ter sido, como Constituinte, autor da emenda que propôs a transformação de Roraima em Estado. Para tanto, tive apoio dos outros Constituintes do Estado, naquela época. Depois disso, formamos um grande bloco - Roraima e Amapá - para lutar por essa transformação, junto com o então Deputado Federal Siqueira Campos, que chegou até a fazer greve de fome para ver o Norte de Goiás transformado em Estado.

Com o Tocantins ocorreu de forma diferente, porque passou diretamente a Estado, não passou pelo interstício de Território Federal, algo que, aliás, não recomendo a ninguém, porque só defende a criação de Território Federal quem nunca viveu em um deles. A não ser que se mude esse modelo, viver em Território Federal é viver uma ditadura. O Presidente escolhe o Governador por essa ou por aquela razão. Em Roraima, houve o período político de escolha em que um Senador do Maranhão indicava o Governador; depois veio o regime militar, em que se dividiram os territórios pelas Forças Armadas. Aí, tínhamos: Rondônia para o Exército; Roraima para a Aeronáutica, e a Marinha para o Amapá. Então, eram capitanias hereditárias.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Senador Mozarildo Cavalcanti, V. Exª me permite um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Com muito prazer, terei a oportunidade de ouvir V. Exª, quero apenas concluir esse raciocínio.

Não tenho nenhum reparo a fazer contra a presença dos militares que foram Governadores, porque eles, na verdade, diziam mesmo que estavam lá para cumprir uma missão. Eles estavam ali imbuídos, a maioria - existem exceções negativas - desse espírito mesmo de desbravar, de ocupar e de fazer o desenvolvimento da Amazônia. Mas o que acontecia, Sr. Presidente? Eles não conheciam ninguém e não tinham nenhuma vivência do lugar. Então, levavam junto com eles os secretários, os administradores e, às vezes, até os funcionários de terceiro escalão - motorista, cozinheiro etc. Na verdade, tratava-se de um colonialismo que sufocava. E eu, como tantos outros de Roraima, saímos para estudar em Belém, porque, naquela época, não tínhamos nem o segundo grau lá. Contávamos apenas com o ginasial, e fazíamos já a boa revolução. Pensávamos mesmo em ver como fazer para que o nosso território, que era comandado por um governador que chamávamos de alienígena, pudesse ter a oportunidade de eleger os seus governadores. Hoje, estamos no quarto governador eleito, tanto no Amapá quanto em Roraima. E foi uma transformação muito significativa, como já disse. Ganhamos, nesse período de Estado, mais do que nos quarenta e cinco anos de Território Federal.

Mas, antes de passar para outros dados, como, por exemplo, a questão do IDH, do aumento populacional, do PIB, ouço, com muita honra, o meu colega Senador João Capiberibe, ex-Governador do Amapá, que, com certeza, vai enriquecer este pronunciamento que tem como objetivo homenagear o Estado de Roraima e, obviamente, o Amapá, pelo seu aniversário que vai transcorrer no próximo domingo.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Senador Mozarildo Cavalcanti, junto minha voz à de V. Exª para comemorarmos a autonomia política dos ex-Territórios. À história que V. Exª relata, eu gostaria de acrescentar que, quando os ex-Territórios foram distribuídos para as três Forças, resultaram algumas heranças. No Amapá, quando assumi o Governo, ainda encontrei uma esquadra de embarcações, de navios, porque lá pertencia á Marinha. Havia, lá, quarenta e tantas embarcações que foram construídas em alguns estaleiros do centro-sul brasileiro, muitas delas inapropriadas para a navegação fluvial, em nossos rios, além, evidentemente, dos custos absurdos e do endividamento provocado por essas aquisições, mais de 40 embarcações. Tenho conhecimento de que, em Roraima, a herança é uma flotilha de aviões, se não me engano, mais de uma dezena de aviões, que o Estado de Roraima herdou dessa partilha feita já no final da ditadura militar. Em Rondônia, foram tratores. A maior concentração de máquinas pesadas de que já ouvi falar foi em Rondônia, na época em que o Governador era indicado pelo Exército. Assim, temos essa herança complicadíssima em nossos Estados. É importante aprofundarmos o debate sobre esses quinze anos de autonomia política, sobre as conquistas alcançadas. Tenho certeza de que V. Exª vai fazer isso em relação aos indicadores econômicos, sociais e ambientais dos dois Estados. Isso porque Roraima e Amapá se prestam perfeitamente para estabelecermos comparações e avaliarmos os projetos políticos de cada um. V. Exª já citou o IDH. Roraima teve uma queda acentuada de 8º lugar, em 1991, para 13º lugar. Houve uma melhoria no Amapá e também algumas dificuldades, porque, com certeza, recebeu uma forte migração. A maior migração da Amazônia está no Amapá e depois em Roraima, nos nossos Estados novos. Os maiores contingentes que recebemos vêm do Estado do Maranhão, que parecer ser o mesmo caso de Roraima. Penso que essa comparação entre Amapá e Roraima pode nos permitir tirar deduções importantes do ponto de vista político, econômico e social. Parabenizo V. Exª pelo seu planejamento e felicito o povo do nosso Estado, os que nasceram em Roraima, que não são tantos, os que nasceram no Amapá, que também não são tantos, porque temos uma migração de 5,7% ao ano. Vemos que é uma população recém-chegada no Amapá e, com certeza, também em Roraima. Mas as características do povo ribeirinho da Amazônia - isso é fantástico - terminam contagiando os que estão chegando. Esse povo ribeirinho construiu uma cultura de convivência e de intimidade com a floresta e com o rio que termina passando para todos os que estão chegando. E estamos criando uma grande população integrada do ponto de vista social, cultural. É claro, com dificuldades econômicas, porque o modelo que foi pensado, o modelo que foi imposto na região não é o adequado para o desenvolvimento, e sobre isso falaremos em seguida. Muito obrigado.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço muito a V. Exª pelo aparte. Os dois aniversariantes estarão completando quinze anos, do ponto de vista legal, porque foram criados no dia 5 de outubro de 1988, com a promulgação da Constituição, mas foram institucionalizados de fato no dia 1º de janeiro de 1991, com a posse dos primeiros Governadores eleitos.

Segundo dados do IBGE, Sr. Presidente, em 1988, no ano da promulgação da Constituição, Roraima tinha 180 mil habitantes. Hoje, em 2003, temos 357 mil, um crescimento de 98.45% da população, enquanto o Brasil cresceu 26% apenas, em termos percentuais. Vê-se que o crescimento populacional foi algo de extraordinário.

No que tange à Região Norte, é importante dizer também, por exemplo, que Roraima tinha, em 1996, um PIB de R$710 mil - dado mais antigo de que disponho -, e, em 2000, um PIB de R$1,116 milhão, o que corresponde quase ao dobro, portanto, daquele do início da vida como Estado.

Outro dado importante refere-se ao PIB per capita, Senador João Capiberibe. Para não ir muito longe, de 1996 a 2000, o PIB per capita de Roraima passou de 2,49 para 3,42, maior, portanto, proporcionalmente, do que o PIB do Pará, maior do que o do Tocantins.

No que tange ao IDH, V. Exª frisou que houve uma queda de cinco posições em Roraima. Mas, mesmo assim, para um Estado recém-criado, com apenas 12 anos de funcionamento institucional. Eu só conto, efetivamente, o funcionamento, a partir da posse do primeiro Governador eleito, não levando muito em consideração os anos transcorridos entre a promulgação da Constituição e a eleição do primeiro Governador. Nesses 12 anos, já somos o 13º Estado no Atlas do IDH da ONU publicado ontem. E se somos vinte e sete Unidades da Federação, quatorze estão atrás de nós, Senador João Capiberibe. É, sim, um avanço significativo.

É bom observar que esse aumento populacional, Senador Mão Santa, se deve à migração de famílias pobres do Nordeste, principalmente, mas também do Pará e do Amazonas, que não estavam tendo oportunidade de melhorar de vida e que foram para Roraima e que estão indo para o Amapá viver melhor. Evidentemente isso atrapalha qualquer planejamento. V. Exª, que também foi Governador, sabe disso, Senador Mão Santa. Faz-se um orçamento para o ano seguinte calculando um determinado contingente populacional, um determinado número de atendimentos na educação, na saúde, na moradia e, de repente, esse número é duplicado, por exemplo. Realmente não há administrador que consiga acompanhar esse desequilíbrio entre o número sobre o qual ele planejou e o número sobre o qual ele vai executar, que é maior. Quer dizer, o número de pessoas é maior e o dinheiro é o mesmo.

Mesmo assim, o nosso Estado deu um salto de qualidade, um salto de qualidade em tudo. E, repito, tenho a honra de ter sido o autor da emenda que propôs a transformação de Roraima em Estado, assim como de ter sido autor das leis autorizativas que criaram a Universidade Federal de Roraima e a Escola Técnica Federal, sem as quais, sempre digo, o nosso Estado não iria para a frente. Sabemos que sem educação não há como pensar em desenvolvimento, como pensar sequer em promover saúde, em fazer moradia, como pensar, por exemplo, em produzir. Porque produzir daquela maneira empírica, como faziam os queridos conterrâneos do meu pai, os nordestinos, que vão para lá ainda com aquela tecnologia de derruba, queima e planta, realmente não produz avanços. Mas eles não têm culpa. Tem culpa, como disse V. Exª, o modelo, que inclusive foi instituído pelo Incra, que criou assentamentos e levou essas famílias para eles sem nenhum tipo de assistência técnica, sem nenhum tipo de financiamento, sem nenhum tipo de ajuda para a comercialização, enfim, modelo que está sendo corrigido.

Agora tenho fundadas esperanças de que Roraima dará um salto ainda maior na sua qualidade de vida, porque o Presidente Lula criou um grupo de trabalho para resolver talvez o último grande problema que Roraima atravessa, Senador Mão Santa. Temos estradas e energia elétrica vinda da Venezuela em excesso. Não corremos o risco de ter apagão nos próximos anos, temos excesso de energia, e energia barata, confiável e não poluente. Então, temos uma infra-estrutura pronta.

O único nó que falta ser resolvido é a questão fundiária: de um lado, temos as terras da União, com a Funai, para os índios, e com o Incra, para os assentamentos mal feitos. E, do outro lado, com o Ibama, para reservas ecológicas não devidamente ou adequadamente planejadas. Uma vez que esse grupo comece a trabalhar - ele tem o prazo de 90 dias - e aproveite o trabalho já existente, feito pelo Governo do Estado e por outros órgãos, poderemos ter resolvido o último problema e Roraima passará, efetivamente, neste milênio, para o milênio do desenvolvimento, para resolver a angustiante situação de desemprego que hoje ameaça a sua população. Aliás, os concursos públicos, que deveriam ter sido feitos pelo primeiro Governador eleito, só agora estão acontecendo, e muita gente vai ficar desempregada, gente que há quinze anos desenvolvia uma determinada função e que não tem a capacitação de enfrentar uma prova teórica - embora tenha a capacitação para exercer a atividade na prática.

Então, resolver a questão fundiária é urgente, para encontrarmos saídas para a geração de empregos e para dar à população que vive lá, àqueles que vão para lá ou que estão nascendo lá, perspectivas de poder cada dia mais viver melhor. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/2003 - Página 30234