Discurso durante a 136ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Transcurso dos 89 anos da cidade de Porto Velho.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Transcurso dos 89 anos da cidade de Porto Velho.
Publicação
Publicação no DSF de 07/10/2003 - Página 30567
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, MUNICIPIO, PORTO VELHO (RO), ESTADO DE RONDONIA (RO).

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia. Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”. Fernando Pessoa, por meio de seu heterônimo, Alberto Caeiro.

De construção poética simples, mas encantadores, os versos do grande Fernando Pessoa são, indiscutivelmente, expressão maior e verdadeira do quanto, para quem a natureza é pródiga em sua terra natal, as águas de um rio que acompanham a história de um determinado lugar e impressionam o olhar são as mais belas do que em qualquer outro lugar. 

Porto Velho, a aldeia onde nasci e que acaba de completar 89 anos de idade, tem o mais belo rio, o rio Madeira, protagonista ativo e principal da origem da Capital de Rondônia. A admiração da menina beiradeira pelo Madeira e pelas histórias que o envolvem continua e centraliza na sua bela figura e no povo de minha cidade as melhores lembranças que evoco na oportunidade do aniversário de Porto Velho. 

Oficializado em 2 de outubro de 1914, Porto Velho foi criado por desbravadores por volta de 1907, durante a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, sem dúvida o principal marco histórico de Rondônia, obra épica que registra, ao lado da construção da BR-364, o fim do isolamento a que vivia submetido o município, com dificuldades nos setores de comunicação, transporte, atendimento médico.

Aliás, Srªs e Srs. Senadores, o feito da construção da BR-364, antes denominada BR-29, uma decisão política extraordinária do presidente Juscelino Kubitschek, mereceria, pelos esforços de valorosos brasileiros e superação de obstáculos inimagináveis para a engenharia de então, um caudaloso e vigorante discurso.

Somente a determinação e coragem de tantas pessoas que a este projeto se dedicaram foram capazes de romper o isolamento do Oeste brasileiro em apenas 11 meses, construindo-se 1.500 KM de estrada, resgatando Porto Velho e Rio Branco de “outro planeta”, conforme diziam à época - ano de 1960 - vozes incrédulas, existentes ainda e infelizmente instaladas nos degraus da vida pública brasileira a sentenciarem que o Brasil é incapaz de seguir um projeto próprio, soberano e justo.

Aves agourentas não diziam, há tempos, que no BRASIL não havia petróleo? Aves agourentas nos dizem hoje, Srªs e Srs. Senadores, que a única via do Brasil é manter a dependência econômica, é continuar o modelo que se espelha nas armadilhas do mercado e aprofunda nossas desigualdades sociais. 

Srªs e Srs. Senadores, digo, nesta tribuna, que este não é o modelo, e não queremos mais mantê-lo. Utilizo minha voz para falar da minha inabalável confiança na capacidade de construirmos, com a mesma temperança e fé de milhares de açorianos, barbadianos, americanos, asiáticos, europeus e brasileiros de todas as regiões do País que ergueram a EFMM, um BRASIL mais solidário, justo, livre das ações de tortura, da crueldade para com nossas crianças e trabalhadores, economicamente soberano.

Não quero fugir a meu discurso, que trata de homenagear Porto Velho e dar um panorama de sua realidade, obviamente muito diferente daqueles anos 60 transformadores. Tudo, entretanto, está entrelaçado.

Porque no País de minha aspiração não cabem referências desabonadoras, pejorativas, propagadas por importante veículo de comunicação de massa como a TV Globo, a esta ou àquela região do País. Especialmente dirigidas a Rondônia, coração da Amazônia Ocidental, berço de inimagináveis riquezas.

Srªs e Srs. Senadores, Rondônia foi vítima, na noite do dia 29 de setembro, de comentário infame, desta vez em quadro humorístico apresentado no Fantástico. Rondônia, terra que abrigou e abriga brasileiros de todas as partes, não merece o estigma de desapreço desferido por vozes destoantes, porém poderosas.

Nos últimos anos, algumas dessas vozes, além de levarem zero em geografia - afinal estão sempre a trocar Rondônia por Roraima - destilam preconceito e escárnio para a sociedade brasileira. Infelizmente, uma delas, foi a do humorista Chico Anísio, a quem peço retratação. 

Volto a falar de Porto Velho.

Hospitaleiro, como de resto todo o Estado de Rondônia, Porto Velho, mesmo com a influência de tantas e ricas culturas que nas margens do Madeira se encontraram, conserva os valores culturais dos povos indígenas e das populações tradicionais.

Os novos porto-velhenses incorporaram os velhos hábitos - o tacacá, a farinha de mandioca, o açaí, o peixe moqueado, e preservam espaços para desfrutá-los. 

Ao forró, carne seca e linguagem dos nordestinos somam-se o churrasco e o chimarrão do sul, a galinhada mineira, um caldeirão de culturas que estreita laços e permite a troca de conhecimentos. 

A BR-364 ganhou asfalto nos anos iniciais da década de 80. O pico da colonização experimentado na década anterior pouco arrefeceu, Rondônia foi elevada a Estado e Porto Velho se transfigurou. Agências bancárias pipocaram, o comércio foi revigorado, novos bairros surgiram.

Porto Velho é hoje uma cidade de médio porte, com quase 400 mil habitantes. Concilia as virtudes com os problemas decorrentes do crescimento desordenado, da falta de planejamento, do refluxo de investimentos verificados na última década. A violência e o desemprego são pauta urgente para ações públicas efetivas, que da parte do governo federal começam a ser implementadas. 

A violência, aliás, é tema de seminário realizado no último sábado, na cidade, com meu apoio e presença do secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda. Parabenizo, nesta oportunidade, o vereador Kruger Darwich Zacharias, engenheiro e filho querido de Porto Velho, pela organização do evento.

A violência, Srªs e Srs. Senadores, é tema que está por merecer, como muitos outros, reflexão sobre os destinos de Porto Velho. As virtudes da Capital de Rondônia são muitas, não sendo possível relatar todas.

Elas se encontram no povo trabalhador, no cenário natural que permite a exploração de fontes de energia variadas, na possibilidade do Madeira se destacar como importante hidrovia para escoamento de produtos agrícolas do Centro-Oeste, no aproveitamento de seus valiosos recursos históricos, o maior deles a já mencionada Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, como fontes de receita proveniente do turismo e no melhor rendimento de sua faixa agrícola. 

A reflexão, no entanto, é necessária e urgente. E ela passa, numa decisão que requer maturidade política, por todo o Estado, com 52 municípios, 1 milhão e 300 mil habitantes, quase 10 milhões de cabeças de gado e 35% de seu território destinado às áreas de preservação permanente, reservas biológicas, florestas nacionais, parques e reservas indígenas.

Recentemente, e o assunto está à baila, a classe política de Rondônia, com exceção da bancada federal do PT, recusou acordo que permitiria legalizar uma situação que se arrasta há muito tempo em torno da MP 2166, a que limita o desmatamento de propriedades rurais na Amazônia em 20%.

O governo de Rondônia, Srªs e Srs. Senadores, trata o assunto estimulando a ilegalidade, propondo a abolição da MP e fazendo valer a lei estadual do zoneamento socioeconômico ecológico, votada posteriormente, conflitante com a lei federal. Ora, uma lei estadual no campo ambiental pode ser mais restritiva, mas não mais permissiva.

Declarações recentes do senhor governador são preocupantes. Além de destratar e culpar a ministra do Meio Ambiente pelo que ele considera impeditivo para o desenvolvimento - a MP 2166 -, disse que caso não seja atendido vai extinguir todas as reservas estaduais existentes.

As palavras do governador, Srªs e Srs. Senadores, carecem de qualquer sustentação, mas o questionamento da lei federal da forma como vem sendo feito abre espaço para oportunistas.

Sabemos todos que a legalidade das atividades econômicas na Amazônia é frágil. O Ibama, e nesta mesma tribuna anunciei o fato, identificou 53 madeireiras agindo de forma ilegal na região de Ariquemes, e prendeu funcionários corruptos. 

A maior autoridade do Estado, entrementes, não pode agir impensadamente. Vociferar contra uma lei da forma como está fazendo permite espaço para que madeireiros, caçadores, invasores e garimpeiros sintam-se autorizados a reforçar seus esquemas de corrupção e de exploração predatória. 

O acordo rejeitado pelo governo e políticos do Estado não pode ser desprezado. Ele permite, como disse Marina Silva, “zerar”, iniciar um processo de reorganização das propriedades rurais, uma vez que propõe recursos para recomposição de áreas degradadas da reserva legal, em até 30 anos, e acena com o percentual de 50% para desmate nas zonas de vocação agrícola, o que vigorava na época de intensa colonização, e que nem mesmo isso foi cumprido. 

Por que, pergunto eu, a bancada não se une e luta por mais recursos para a tarefa de reordenar áreas que poderão ser exploradas de forma alternativa, de forma a consagrar a manutenção do produtor no seu lote? Querem fazer barganha política com as unidades de conservação estaduais? Unidades que são um patrimônio da sociedade, e não podem ser, nem mesmo pelo governador, desalienadas ao sabor das circunstâncias.

Falava aqui de reflexão. Por que a classe política de Rondônia recusa-se a refletir sobre as vantagens do patrimônio natural como fonte de riqueza ? Que raios de pensamento é este, na contramão da história, de considerar que a motosserra rende mais do que a floresta em pé ? 

Repito: precisamos refletir, dar ao povo de Rondônia a oportunidade de aflorar suas novas vocações, construindo uma economia em que se projete os olhos para as futuras gerações, aliada à pujança hoje existente, que reúne a agricultura e pecuária fomentadas por migrantes trabalhadores.

Esta oportunidade, acredito eu, Srªs e Srs. Senadores, tem sido dada pelo governo federal. Governo este que, mais do que qualquer outro e em tão pouco tempo, enviou emissários a Rondônia para alinhavar os programas governamentais de que tanto precisamos, nas áreas de saúde, energia, transportes, segurança pública, agricultura e outros.

Agora mesmo o Banco do Brasil, por meio de sua vice-presidência de Agronegócios, anunciou 200 milhões de reais para Rondônia, valor que é 55% maior do que a Linha de Crédito Agrícola oferecida no ano passado. 

Isto é resultado, Srªs e Srs. Senadores, do trabalho sério e diligente da bancada federal petista, e expressa vontade política do Governo Lula, Governo que acredita na riqueza que vem da produção, e abomina a riqueza que favorece alguns poucos espertos, a partir do assalto ambiental, relegando aos demais os elevados custos sociais que se traduzem na violência e desemprego.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/10/2003 - Página 30567