Discurso durante a 139ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de viabilizar programa que visa a diminuição da emissão de carbono na atmosfera terrestre.

Autor
Valdir Raupp (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Valdir Raupp de Matos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Necessidade de viabilizar programa que visa a diminuição da emissão de carbono na atmosfera terrestre.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/2003 - Página 31046
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, EVOLUÇÃO, TECNOLOGIA, INDUSTRIALIZAÇÃO, AUMENTO, EMISSÃO, GAS CARBONICO, DEMORA, ATENÇÃO, RISCOS, POLUIÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, ALTERAÇÃO, CLIMA, PLANETA TERRA, REGISTRO, DECISÃO, CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (ECO-92), TENTATIVA, CONTROLE, PROBLEMA.
  • COMENTARIO, DEMORA, PAIS INDUSTRIALIZADO, ACORDO, REDUÇÃO, EMISSÃO, GAS CARBONICO, AUSENCIA, ADESÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • REGISTRO, PROPOSTA, CONFERENCIA, MEIO AMBIENTE, INVESTIMENTO, PAIS INDUSTRIALIZADO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, TERCEIRO MUNDO, TROCA, COTA, EMISSÃO, GAS CARBONICO, EXISTENCIA, PROJETO, APOIO, BANCO INTERNACIONAL DE RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO (BIRD), ANALISE, IMPORTANCIA, APROVEITAMENTO, BRASIL, OPORTUNIDADE, DESENVOLVIMENTO FLORESTAL.
  • APOIO, SUGESTÃO, ESPECIALISTA, PROJETO, REFLORESTAMENTO, AMBITO NACIONAL, FORNECIMENTO, MADEIRA, RECUPERAÇÃO, FLORESTA, DEFESA, ELABORAÇÃO, NORMA JURIDICA, OBJETIVO, VIABILIDADE, PROGRAMA, ACOMPANHAMENTO, CONTROLE, PARCERIA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), UTILIZAÇÃO, INVESTIMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, GARANTIA, INTERESSE NACIONAL.

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Era Industrial, iniciada na Inglaterra nas últimas décadas do século XVIII, trouxe para a vida humana esse aspecto de mudança permanente e vertiginosa na economia e nos costumes, que se nos afigura como a principal característica do nosso tempo.

O progressivo aumento da capacidade de produção de mercadorias rapidamente foi-se traduzindo em uma nova dinâmica das relações sociais, principalmente definida pela existência de uma classe trabalhadora que, totalmente despossuída dos novos e sofisticados meios de produção, vê-se obrigada a vender sua força de trabalho como único meio de sobrevivência.

A base física da Revolução Industrial, no entanto, não reside tanto nessas relações sociais de produção; reside, sim, muito mais no emprego cada vez mais intensivo da mecanização, isto é, da tecnologia. E este fato se faz mais presente na atualidade, quando a informação e o conhecimento tornam-se os principais ativos da economia. Ocorre que esse uso de máquinas implica, de maneira imediata, na necessidade de consumo de energia. E é nesse ponto que se inicia uma outra mudança que marca o mundo contemporâneo: a utilização intensiva do carvão e, mais tarde, do petróleo como insumos energéticos. Isso traria como efeito colateral o acumulo na atmosfera do produto da sua combustão, o anidrido carbônico - CO2.

Ao longo de quase dois séculos, esse processo de industrialização se deu sem que os efeitos colaterais para o meio ambiente recebessem qualquer atenção. Fumaça, por muito tempo, foi sinônimo de progresso, de dinamismo econômico. Os rejeitos industriais, fossem efluentes líquidos, atirados aos rios e mares; fossem efluentes gasosos, lançados ao ar; fossem partículas sólidas em suspensão, no líquido ou no gás, eram despejados no ambiente de maneira absolutamente despreocupada. A noção de poluição apareceria somente nos meados do século passado, quando, dada a acumulação de detritos nas regiões mais industrializadas, seus efeitos danosos começaram a se fazer sentir. Nesse sentido, a contaminação por mercúrio da população de pescadores de Minamata, no Japão, foi um grande marco.

Em particular, o uso intensivo da energia de origem fóssil, ou seja, produzida pela queima de carvão e de petróleo, acarretou o aumento cumulativo da concentração de dióxido de carbono na atmosfera. Essas quantidades superam, em muito, a capacidade dos recursos naturais de absolvê-las no ciclo ordinário do carbono, sejam os vegetais fotossintetizadores, seja o plâncton marinho. E, segundo indicam análises científicas, o dióxido de carbono é causador do chamado efeito estufa, pelo qual a atmosfera retém a radiação infravermelha refletida pela superfície do Planeta, impedindo sua dispersão para o espaço.

Sob condições de normalidade ambiental, o efeito estufa é um fenômeno essencialmente natural, formado por gases que permitem que a luz do Sol penetre na superfície terrestre, mas que bloqueiam a radiação do calor e o impedem de voltar ao espaço. Graças a isso, a temperatura média da superfície do globo é mantida em cerca de 15°C, criando condições que permitem a existência da vida tal como conhecemos. Se o efeito estufa não existisse, a temperatura da Terra seria de 18°C abaixo de zero. Os principais gases da atmosfera que contribuem para o efeito estufa são o dióxido de carbono, produzido pela queima de combustíveis fósseis e de biomassa, incluindo as florestas, os clorofluorcarbonetos (CFCs), usados nos aerosóis e em aparelhos de refrigeração, o metano, encontrado em aterros de lixos e fossas sanitárias, o ozônio e o vapor de água. Os CFCs também reagem como ozônio toposférico, destruindo, dessa forma, a camada de ozônio.

Entre esses gases, o que tem causado maior polêmica é o CO2, pois sua concentração vem crescendo à taxa de 0,4% ao ano. Na era pré-industrial, ela era de 280 partes por milhão e hoje alcança cerca de 350 partes. Estima-se que as atividades humanas estejam lançando anualmente 5,5 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera por meio do uso de combustíveis fósseis como petróleo e carvão mineral e outros 1,2 bilhão pela queima de vegetação natural, principalmente florestas tropicais.

A consciência do problema do aquecimento global, resultante do efeito estufa, somente começou a ter repercussão prática a partir da Conferência das Nações Unidas de Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992: a Eco 92. Naquela ocasião, foi proposto que os países mais desenvolvidos deveriam tomar medidas para reduzir sua descarga de gases causadores do efeito estufa, de modo que, no ano 2000, essa descarga se limitasse ao nível de 1990. A oposição por parte dos países mais ricos, principalmente Estados Unidos e Japão, fez com que nenhum acordo fosse firmado.

Alguns anos mais tarde, em Berlim, durante a Primeira Conferência dos Países que Ratificaram a Convenção sobre Mudança do Clima, conhecida como Conferência das Partes (CoP-1), buscou-se um acordo internacional para se especificar metas claras de redução da descarga daqueles gases pelos países desenvolvidos. Os países se comprometeram a negociar os pontos principais do acordo até a data da Terceira Conferência (CoP-3), a ser realizada em Kyoto, no Japão, em 1997. Na CoP-3, então, os principais países industrializados finalmente se comprometeram a estabilizar sua descarga de gases aos níveis de 1990, mas prorrogaram o prazo para alguma data entre 2010 e 2015, adiando, assim, o enfrentamento do problema por quase 20 anos.

Porém, como todos sabem, mesmo esse acordo, mitigado em suas propostas, vem sendo rejeitado pelos Estados Unidos, sobretudo na administração agressiva do Presidente George W. Bush, dirigida por membros linha dura da direita unilateralista norte-americana.

Um importante resultado da Conferência de Kyoto, porém, foi a introdução da idéia de cotas de emissões de carbono a serem negociadas no mercado. Pelo sistema de cotas, os países industrializados, mais poluidores e obrigados à redução de suas descargas, poderão adquirir títulos lastreados em programas de recuperação ambiental, sobretudo executados nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Assim, pelo denominado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), países com potencial para projetos de desenvolvimento econômico que preservem ou recuperem o ambiente, capazes de armazenar carbono atmosférico na biomassa, poderiam receber investimento estrangeiro para esses projetos em troca de Certificados de Redução de Emissões de Carbono, que passariam a ser uma espécie de commodities, negociadas no mercado internacional de títulos, podendo ser adquiridas por países em dificuldade para cumprir suas metas acordadas de redução de descarga de gases.

Embora o MDL ainda não tenha sido aprovado, já existem alguns projetos em andamento com apoio do Banco Mundial (Bird), que tornou disponível um fundo privado de U$100 milhões para promover tais iniciativas.

No Brasil, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, segundo o especialista Leopoldo Garcia Brandão, três projetos de interesse de estrangeiros estão sendo desenvolvidos, um dos quais localizado em Minas Gerais, anuncia-se como estando em fase final de elaboração de relatório para pleito de recurso junto ao Bird.

Na formulação de sua proposta de aproveitamento, pelo Brasil, das potencialidades do MDL, Leopoldo Brandão aponta cinco razões principais pelas quais devemos promover programas desse tipo. Em primeiro lugar, uma consideração geral ou, se preferirmos, planetária: a tomada de providências para minorar o aquecimento das camadas inferiores da atmosfera para benefício de toda a humanidade seria urgente, segundo a atual compreensão dos cientistas. Assim, cedo ou tarde, o seqüestro de carbono terá de se tornar uma mercadoria apreciada, com significativo lucro para quem puder fazê-lo em grande escala.

As outras quatro considerações dizem respeito a necessidades e problemas socioeconômicos específicos do nosso País. Três delas estão relacionadas mais diretamente à redução do desmatamento. Em primeiro lugar, a necessidade de se gerar alternativa de oferta de madeira nos mercados interno e externo, porque a demanda por madeiras da floresta amazônica estaria consumindo, a cada ano, 30 milhões de metros cúbicos de biomassa da mata virgem, somente segundo os números oficiais, sem contar a atividade das madeireiras clandestinas. Em segundo lugar, é preciso cobrir o déficit de 12 milhões de metros cúbicos, por ano, de carvão vegetal, que, por insuficiência das matas plantadas para esse fim, são hoje providos pelo desmatamento. Além disso, é preciso atender à demanda por madeira para fins energéticos, isto é, lenha, consumida de maneira muito difusa e difícil de se avaliar quantitativamente, mas que constitui séria causa de desmatamento.

A outra consideração feita pelo cientista Brandão trata da necessidade de atendimento à demanda da indústria de celulose do País, estimada em cerca de 170 mil hectares, por ano, de reflorestamento. É uma questão estratégica que visa à minoração de nossas necessidades de importação de produtos da celulose, como o papel.

Sem prejuízo para outras iniciativas ambientais e florestais, oficiais, privadas ou de organizações não-governamentais, como, por exemplo, o Programa Nacional de Florestas, do Governo Federal, são sugeridas algumas medidas para o aproveitamento do potencial do Brasil para seqüestrar carbono, dadas as nossas características de farta iluminação solar, disponibilidade de espaço e reconhecida competência técnica e profissional em manejo florestal. Brandão sugere, assim, o plantio de uma área equivalente a 1% do território nacional em programa de reflorestamento com espécies de crescimento rápido e de outro 1% de regeneração de florestas degradadas, com prioridade para a Amazônia. Um terço do programa pode ser executado em outras regiões onde é maior a demanda por madeira.

Para isso, o técnico sugere a elaboração de uma norma legal básica que viabilize o programa proposto. Além das definições legais quanto às questões fundiárias, é preciso estabelecer os critérios para as certificações e para os limites técnicos ambientais e sociais. Deve-se também exigir maior agilidade por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na aprovação do plantio de florestas.

É necessário, ainda, organizar um sistema rigoroso de acompanhamento físico e de controle financeiro dos projetos, que seja transparente e permita a ampla participação da sociedade, de modo a prevenir desvios e punir quaisquer malversações dos recursos públicos de financiamento. Não se deve descurar dos aspectos de publicidade, para estimular a conscientização e a informação de toda a sociedade da relevância econômica, social e ambiental desse programa.

As principais restrições, ou advertências, que fazem os especialistas quanto à entrada forte do País no mercado de seqüestro de carbono dizem respeito ao financiamento externo dos programas enquadrados no MDL. É possível, por exemplo, que os investidores internacionais prefiram os programas de seqüestro mais intensivo de carbono, que nem sempre serão aqueles que trazem maior benefício ambiental para um dado ecossistema ou maior benefício social para as populações. Isso para não se mencionar a possibilidade de a proteção conferida, de maneira desordenada, a um ecossistema implicar o prejuízo de outro. Tudo precisa ser muito bem regulado pelo Governo, para que esses tipos de problema não ocorram.

            No contexto mundial, Sr. Presidente, o Brasil encontra-se em posição extremamente valorizada, já que possui a maior floresta tropical do mundo e pode, dessa forma, dar condições às empresas e países altamente industrializados de financiarem a instalação e manutenção de áreas de preservação permanente, para reduzir a emissão de gases e, com isso, frear o aquecimento do Planeta.

Assim, a preservação ambiental proporcionaria mais uma fonte de divisas para o País, que receberia recursos monetários pela sua baixa emissão de gases e pela enorme capacidade ambiental de absorção de carbono.

Fico imaginando, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a nossa Amazônia, a vasta floresta amazônica. São nove estados, todos com grande potencial, com grandes reservas florestais, mais da metade do nosso País em preservação florestal. Com isso, nossos Estados que são carentes hoje poderiam arrecadar milhões e milhões de dólares com o seqüestro do carbono, por via de títulos lançados no mercado internacional.

Esses parâmetros de oportunidades e riscos devem servir para orientar o Governo na elaboração das normas legais para o aproveitamento das potencialidades brasileiras, sobretudo da Amazônia, no mercado - ainda a ser delineado - de títulos atrelados ao seqüestro de carbono.

O próprio fato de não haver concretamente ainda um mercado para esses papéis, com regras estabelecidas, representa um risco para os países que se precipitarem em executar programas de seqüestro de carbono que visem mais à capacitação dos eventuais recursos externos que ao encaminhamento de uma política ambiental adequada a sua realidade. Eles poderão se ver amanhã sem uma diretriz própria de manejo ambiental e sem os recursos externos que pretendiam obter, caso o mercado acabe por não se firmar - coisa que certamente se dará se depender da política dos Estados Unidos.

Por isso, julgo necessário, antes de mais nada, que se pense em termos de uma política de reflorestamento e de recuperação ambiental que leve em consideração as necessidades de cada região do nosso País. Claro, a Amazônia deve receber atenção especial, por todas as razões que sempre estamos trazendo a esta tribuna sobre a questão ambiental.

O seqüestro de carbono poderá vir a se tornar uma commodity lucrativa para o Brasil e para os Estados amazônicos, mas ainda há muitas dúvidas no horizonte, e, mais que tudo, é preciso que a regulação do setor seja estabelecida no sentido do interesse nacional, e as questões sociais e econômicas sempre ligadas às soluções que pudermos encontrar para o problema ambiental

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/2003 - Página 31046