Discurso durante a 139ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à sugestão da representante da Organização das Nações Unidas-ONU, Asma Jahangir, relatora para assuntos de direitos humanos, de envio de emissário daquele órgão para inspecionar a justiça do Brasil.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Críticas à sugestão da representante da Organização das Nações Unidas-ONU, Asma Jahangir, relatora para assuntos de direitos humanos, de envio de emissário daquele órgão para inspecionar a justiça do Brasil.
Aparteantes
Amir Lando, Heráclito Fortes, Ramez Tebet, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/2003 - Página 31049
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • DENUNCIA, OFENSA, SOBERANIA NACIONAL, SUGESTÃO, REPRESENTANTE, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), INSPEÇÃO, JUDICIARIO, BRASIL, REPUDIO, APROVAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REGISTRO, PROTESTO, PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST), SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ).
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESEQUILIBRIO, PODERES CONSTITUCIONAIS.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a arrogância é sempre condenável e, acima de tudo, é pouco inteligente, mas deve ser repudiada veementemente quando se dá contra uma instituição, contra um poder e até mesmo contra uma nação, afrontando os princípios da soberania.

Não podemos nos conformar com a inusitada ofensa ao Brasil proferida pela paquistanesa Asma Jahangir, Relatora Especial da Comissão de Direitos Humanos para Execuções Extrajudiciais da ONU. Sugeriu ela ao Presidente Lula, em audiência no Palácio do Planalto, o envio de especialistas da ONU para inspecionar a Justiça brasileira. Com que justificativa, Sr. Presidente? Trata-se de prepotência arrogante contra o Brasil.

            Se é lamentável o procedimento dessa Relatora Especial da ONU sobre Direitos Humanos, incompreensível mesmo é a postura do Presidente Lula ao concordar com essa investigação. Há poucos dias, todos assistimos pela TV a trechos da entrevista do Presidente da República no exterior, afirmando que não “colocaria sua colher” nos assuntos internos de Cuba. Por isso, não tratou da questão dos direitos humanos naquele País. Também disse que não admitiria que outros “colocassem sua colher” em assuntos internos de nosso País. Lamentavelmente, o Presidente Lula aceita, admite, avaliza a intervenção externa em assuntos nacionais relacionados ao Poder Judiciário.

O Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Maurício Corrêa, declarou que a Srª Asma está em nosso País há pouco tempo e, portanto, não tem legitimidade para dizer o que o Judiciário brasileiro deve fazer. O Ministro Francisco Fausto, por sua vez, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, declarou: “A idéia de um representante da ONU inspecionar o Judiciário brasileiro nos põe no mesmo plano do Iraque.”

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Concede-me V. Exª um aparte, Senador?

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Com prazer, Senador.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Em primeiro lugar, Senador Alvaro Dias, quero parabenizá-lo pela oportunidade do pronunciamento e lembrar a memória fraca de alguns políticos no Brasil. Há menos de um ano, o Presidente negou-se a dialogar com um representante do Governo americano que veio tratar de questões que ligavam os dois países, pois tal representante era o “sub do sub do sub”. Essa frase ficou muito marcada durante o período eleitoral. Agora, vem a sub do sub do Kofi Annan dar lições ao nosso País. Fico aqui a olhar o semblante do Senador Amir Lando - que é jurista, amante do Direito e, acima de tudo, da autonomia do Estado - diante de uma situação como essa. Mas quero acreditar, Senador, e ainda tenho muita esperança de que o Presidente Lula acerte no comando do País. Quero crer que isso é falha da sua assessoria - e vejam que Sua Excelência tem um assessor internacional ao seu lado no gabinete que dá até declarações em nome do Governo, muitas vezes inoportunas. Recentemente, houve uma questão envolvendo a Venezuela; posteriormente, outra sobre conceder asilo no Brasil a figuras indesejáveis de todo o mundo. Acredito que essa questão é altamente constrangedora, desagradável, principalmente depois de episódios recentes envolvendo desencontros entre o Judiciário e o Executivo do País. Daí por que felicito V. Exª pela oportunidade do pronunciamento que faz. E tenho certeza, ou pelo menos a esperança, de que o Presidente Lula repare essa lacuna com relação às declarações da Srª Asma, que no Brasil tem outro significado.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Heráclito Fortes, pelo sucinto e brilhante aparte, retratando bem a indignação de todos nós, brasileiros, em função dessa afronta à nossa soberania.

Veja, Sr. Presidente, o que diz o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Nilson Naves: “O Governo é acusado de usar a relatora da ONU para atacar o Judiciário em revanche por ter recebido críticas do Ministro Maurício Corrêa”.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos vivendo um momento ímpar. Houve tempo em que a harmonia entre os Poderes era prioridade absoluta dos seus representantes maiores. É claro, Sr. Presidente, que o apoio do Governo a uma atitude como essa é incompreensível; basta a sugestão para que se concretize a ofensa.

Não poderia, de forma alguma, o Presidente da República admitir que uma funcionária da ONU viesse ao Brasil, ao Palácio do Planalto, diante da autoridade maior da Nação, proferir afirmativa de arrogância contra o Poder Judiciário brasileiro. O art. 4º da Constituição preceitua que o Brasil se rege nas suas relações internacionais pelo princípio da não-intervenção. A idéia de submeter o Poder Judiciário a uma investigação por parte de um órgão internacional é flagrantemente descabida, pois somos ainda uma Nação soberana.

O Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, afirmou que o Poder Judiciário, com todo o respeito que temos, não é o dos nossos sonhos e que, por isso, temos de reformá-lo. É claro que todos concordamos com a necessidade de reformar o Poder Judiciário. A reforma é uma necessidade para torná-lo mais ágil, competente e próximo do cidadão. Contudo, a reforma precisa ser conduzida no âmbito do Poder Legislativo. É competência do Poder Legislativo promover essa reforma. E não existe nenhuma conexão entre o que propõe a investigadora e relatora da ONU para assuntos de direitos humanos e a reforma do Poder Judiciário.

Sr. Presidente, é preciso, sem dúvida alguma, arrefecer os ânimos no Planalto, no Planalto Central, para que as relações entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo não sejam dramaticamente comprometidas.

Concedo o aparte ao Senador Sibá Machado.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Alvaro Dias, obrigado pelo aparte. Não tive oportunidade de apartear o Senador Demóstenes Torres, ainda antes do seu pronunciamento, mas a respeito deste assunto quero dizer que há uma visível dicotomia, ambigüidade entre o que estamos vivendo e o que vamos chamar aqui de soberania nacional. Em primeiro lugar, com relação à visita de uma funcionária da ONU, queremos entender que ela está representando uma instituição de arbitragem internacional. Não quero justificar se houve ou não um ato deselegante a partir de pronunciamento de um membro do Governo que possa ter gerado esse tipo de expectativa. Mas até onde vai a autoridade da ONU também sobre outros temas? Se não permitirmos nenhum tipo de presença da ONU no País, como ficará também o controle sobre armamento em países como o Brasil, o Afeganistão ou qualquer outro que resolva, daqui para frente, produzir a bomba atômica ou fazer trabalhos clandestinos sobre pesquisas de modificação genética ou algo parecido? Como teremos o controle de algo? Não estou querendo justificar esse fato em si, mas preocupa-me o fato de o Brasil não ter a respeitabilidade também perante esse órgão de arbitragem, em cujo Conselho de Segurança nosso País insiste permanentemente na obtenção de uma cadeira definitiva. Esse é um aspecto. O outro diz respeito à democracia. Acredito que o Presidente Lula tem sido, entre os Presidentes dos últimos momentos, um dos que mais ouviram pessoas de diferentes localidades, de diferentes ideologias, conversando diretamente com elas e com instituições, recebendo todos, a fim de gerar algum tipo de entendimento. Acredito que o papel dos membros desta Casa, do Congresso Nacional é, de fato, cobrar, e estaremos atentos. Se se tratar realmente de uma ação para o Brasil, para a nossa sociedade, ela será acatada. No momento de justificar pontos de vista, é claro que o Governo tem a sua opinião e a implementará. Agradeço, de todo o coração, a oportunidade de aparteá-lo.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Sibá Machado.

O que fica patenteado, realmente, é que há um estremecimento incompreensível nas relações entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário. Por essa razão, ao repudiar uma interferência indevida em assuntos internos, como a proposta de investigação num Poder constituído do Brasil, apelamos para que se restabeleça a boa relação entre os Poderes Executivo e Judiciário.

Concedo o aparte ao Senador Amir Lando, Líder do Governo no Congresso.

O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) - Eminente orador, Senador Alvaro Dias, este assunto, à unanimidade, merece o repúdio de todos nós. Não podemos permitir intromissão de inspetora da ONU ou de quem quer que seja na nossa ordem soberana, sobretudo quanto a juízo de valor sobre a atuação do Poder Judiciário. Somos Poderes independentes, autônomos e, evidentemente, harmônicos entre si, mas não há como estabelecermos aqui inspeção internacional. Contudo, vamos restaurar também a verdade dos fatos. Ela realmente foi recebida tanto pelo Presidente Lula como pelo Congresso e esteve presente em diversos foros no Brasil e certamente no mundo. O Presidente Lula não se manifestou favorável nem contrário à providência dessa natureza. Tenho absoluta certeza de que se manifestaria contrariamente se instado a fazê-lo. Mas o fato é uma ilação em razão de uma audiência havida e de uma declaração a posteriori. Entendo que, com relação a esse aspecto, a inspetora da ONU foi muito além do que poderia: declarações impróprias, inaceitáveis. E repudio desde logo qualquer ilação que se possa estabelecer com o Presidente Lula no sentido de uma co-participação, parceria e conivência com declaração desse jaez. Dou razão a V. Exª e repudio também, como o Governo repudia, porque entendemos que a nossa ordem jurídica, os nossos Poderes são soberanos e que só falarão os brasileiros sobre a conduta das nossas autoridades judiciais.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Agradeço, nobre Senador Amir Lando, que fala em nome do Governo e que, certamente, está reparando o noticiário de hoje, que falou em aceitação por parte do Presidente Lula, quando comunicado sobre a hipótese de investigação do Poder Judiciário.

Aceitamos as ponderações do ilustre Líder do Governo, porque estamos aqui para fazer oposição com o objetivo da construção e não da destruição. Se, em determinado momento, há uma correção em relação ao que se tem dito, ficamos satisfeitos, porque desejamos que o Brasil acerte, que o Brasil ganhe e que o Presidente, ao adotar uma postura em relação ao Poder Judiciário, o faça em favor do País.

Mas não podemos concordar, por exemplo, com declarações como a do Ministro da Justiça. O Ministro da Justiça alega que, com todo o respeito, não é “o Judiciário dos nossos sonhos”, e não entendemos a relação entre a investigação no Judiciário e a proposta de reforma daquele Poder.

Concedo o aparte ao Senador Ramez Tebet com satisfação.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Alvaro Dias, já ocupei esta tribuna por cinco minutos, em nome da Liderança. Minha fala foi rápida, mas entendi que tinha de fazer o que V. Exª está fazendo. Sai do peito de qualquer brasileiro a defesa das nossas instituições. Então, uma pessoa vem aqui, em nome da Organização das Nações Unidas, pede uma audiência ao Presidente da República, é recebida por Sua Excelência, e sai dando uma declaração dessas? O que ela está pensando do Brasil? Esta é a indagação. Temos que repudiar essa declaração, como faz V. Exª, com a maior veemência possível. Ela se mostrou, a meu ver - desculpe-me, pois ela não está presente -, despreparada. Ela vem a um País, que faz parte da ONU - o primeiro Presidente da Organização das Nações Unidas foi Oswaldo Aranha, em 1948, quando a Organização foi criada. O nosso País é soberano, independente e com as suas instituições funcionando. Assim, cumprimento-o por esta posição tomada por V. Exª, com equilíbrio, inclusive aceitando as ponderações do Líder do Governo nesta Casa com relação à participação do Governo. Acredito que é muito importante ressaltarmos a reação de firmeza, que não foi coincidência. A atuação de Asma Jahangir foi tão infeliz que os três Presidentes dos Tribunais Superiores - Tribunal Superior do Trabalho, Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça - ao mesmo tempo e imediatamente repudiaram isso. Eu disse, em meu pronunciamento que temos os nossos problemas, mas estamos lutando para resolvê-los. As grandes potências também os têm. Lá também há desrespeito aos direitos humanos. E como os há! E eu disse, no meu rápido pronunciamento, que há um bilhão de favelados no mundo, Senador Alvaro Dias. Portanto, o que sai do seu peito é em defesa do nosso País. Isso é que é importante. Temos que realmente cumprir a nossa missão. Falar mal do Judiciário é falar mal do Senado da República, é falar mal do Brasil. Portanto, temos que fazer nesta Casa o que estamos fazendo, por intermédio de vozes representativas como a de V. Exª, hipotecando nossa solidariedade ao Poder Judiciário do nosso País. V. Exª está de parabéns.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Ramez Tebet. V. Exª como Presidente desta Casa, como ninguém soube ser um grande defensor das instituições nacionais. Por isso, não nos surpreende essa postura corajosa em defesa do Poder Judiciário. A atitude dessa funcionária da ONU, se não causa uma crise diplomática, porque ela não tem importância para tanto, causa, no mínimo, um constrangimento diplomático, que poderíamos perfeitamente ter evitado se houvesse bom senso e inteligência.

Por essa razão, Sr. Presidente, agradecendo ao Senador Magno Malta pela concessão desta oportunidade de poder falar antes de S. Exª e ao Senador Mão Santa, encerro este pronunciamento dizendo que o PSDB repudia veementemente qualquer interferência indevida em assuntos que dizem respeito à soberania nacional.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/2003 - Página 31049