Discurso durante a 139ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração, em 18 de setembro último, dos 175 anos do Supremo Tribunal Federal.

Autor
Valmir Amaral (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
Nome completo: Valmir Antônio Amaral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração, em 18 de setembro último, dos 175 anos do Supremo Tribunal Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/2003 - Página 31059
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ANALISE, HISTORIA, EPOCA, IMPERIO, REPUBLICA, RESPONSABILIDADE, GARANTIA, DEMOCRACIA, INTEGRIDADE, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ELOGIO, ATUAÇÃO.

O SR. VALMIR AMARAL (PMDB - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em 18 de setembro último, tivemos a felicidade de comemorar os 175 anos do STF, o Supremo Tribunal Federal. Estão computados os 61 anos do período monárquico, quando a nossa principal instância judicial era conhecida como Supremo Tribunal de Justiça.

Nesse longo período de 175 anos, o Supremo enfrentou os mais diversos desafios e foi protagonista de alguns dos mais importantes momentos de nossa história. No seu longo desafio ao tempo, o Supremo, como todas as instituições, teve momentos altos e baixos. No balanço, porém, pode-se dizer com absoluta segurança, que as longas horas de brilho foram em muito maior número do que os breves momentos de escuridão.

É arriscado, porém, traçar uma linha de continuidade direta entre aquela Corte instituída em 1828 e o Supremo Tribunal Federal que conhecemos hoje. Muitas foram as Constituições que tivemos e muitas foram as alterações nas competências e nas atribuições do nosso principal Tribunal.

Em 1828, as atribuições do então Supremo Tribunal de Justiça eram bastante limitadas. Não se tratava de uma Corte Constitucional, mas, principalmente, de uma Corte de Revisão das sentenças dos tribunais inferiores.

É só com a República que o Supremo se torna um Tribunal Constitucional, pois assim dispunha a Constituição de 1891. Essa Carta Constitucional foi, em grande parte, obra do extraordinário Rui Barbosa. Para Rui, um federalista convicto, caberia ao Supremo unificar o direito nacional diante da autonomia dos Estados. Além disso, Rui, um liberal, via o Supremo como o responsável por garantir a democracia e os direitos civis.

Rui disse, em certa oportunidade, que o Supremo foi instituído para a guarda dos direitos individuais, especialmente contra os abusos políticos. Segundo ele, e vejam a atualidade de suas palavras, “na ordem da autoridade, o Supremo Tribunal Federal está acima de tudo. O Supremo Tribunal Federal é a força criada sobretudo para isso, tendo essencialmente por fim isso: dizer ao Poder Executivo, bem como ao Poder Legislativo, até aqui permite a Constituição que vás, daqui não permite a Constituição que passes”.

Rui nos ensina, com impressionante atualidade, que a República e a Democracia dependem, sobretudo, de um Tribunal que guarde a Constituição e seus princípios.

Guardar a Constituição, todavia, não é tarefa das mais simples ou fáceis. Não sou advogado, mas sei, pela minha experiência como homem público, que no processo de interpretação do Direito, o jurista utiliza uma série de técnicas e métodos. Nesse processo de interpretação, muitas vezes existem tensões entre a Democracia e a Constituição.

O Brasil, como disse certa vez o importante constitucionalista Luís Roberto Barroso, é um país que se propõe a ser um Estado Democrático e um Estado Constitucional. Se os dois conceitos se aproximam, eles não se confundem. Democracia, de acordo com Barroso, significa a soberania popular e o governo da maioria. Constitucionalismo, por sua vez, traduz a idéia de limitação do poder e de Estado de Direito e de supremacia da lei.

Os dois conceitos não andam sempre juntos. Muitas e muitas vezes entram em conflito. Isso se dá porque cabe à Constituição defender e assegurar os direitos da minoria, mesmo em face das maiorias. Assim, o Constitucionalismo funciona como um anteparo que protege e garante os direitos fundamentais previstos na Constituição, mesmo que o custo seja o de desagradar as maiorias, muitas vezes movidas por paixões.

A função do Supremo, de tal modo, é a de, precipuamente, guardar a integridade da Constituição. A Carta Constitucional é o nosso documento legal fundamental. Não existe lei ou decreto ou qualquer outra espécie que sobreviva se for contrário ao texto constitucional. Guardar a Constituição significa assegurar e garantir a existência e a permanência do Estado Democrático no Brasil. A tarefa não é simples, não é fácil e, em muitos momentos, exige de um Ministro do Supremo mais do que é humanamente possível suportar. Para tal tarefa, são necessários homens que tenham grande conhecimento jurídico. Evidentemente, isso não basta. É preciso, também, homens com grande sensibilidade espiritual, moral e social, ou, em outras palavras, sabedoria. O nosso Supremo tem sido, felizmente, palco da ação de homens que possuíram tanto o conhecimento jurídico quanto essa sabedoria que transcende o estudo, mesmo que profundo, das leis.

Concordo, assim, com a Professora Leda Boechat, a principal historiadora do Supremo Tribunal Federal, quando ela afirma que “de modo geral, os Presidentes da República sempre procuraram nomear para o Supremo Tribunal Federal os melhores profissionais do Direito, advogados, juristas, juízes de carreira, políticos e bacharéis”.

É importante ressaltar que os Ministros do STF puderam mostrar toda a sua grandeza em momentos críticos da história brasileira. Não se amesquinharam diante dos poderosos, nem se acovardaram diante daqueles que detinham o poder.

E fizeram muito bem. A justiça e o direito só se realizam quando existe um Poder Judiciário cônscio de suas responsabilidades e de seus grandes deveres. A justiça e o direito só se realizam quando o Poder Judiciário está em pé de igualdade com os outros Poderes do Estado. Se a história de nosso País foi das mais atribuladas, nem por isso o Supremo Tribunal se diminuiu ou fugiu dos desafios que lhe foram postos. Muitos Ministros pagaram caro pela sua coragem, mas, mesmo assim, não se acovardaram. Basta lembrar, por exemplo, de Vitor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva, Ministros que foram retirados de suas funções após 1964.

Além da coragem dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, é importante lembrar que a nossa Corte maior é referência nas suas decisões. Muitos críticos teimam em inferiorizar o Supremo ao compará-lo à Suprema Corte Norte-Americana. Esquecem esses críticos, porém, do pioneirismo brasileiro em vários campos do direito.

Um exemplo é a ampliação do escopo do habeas corpus. Informa a historiadora Leda Boechat que, em 1968, o juiz americano William O. Douglas contou-lhe que, na semana anterior, a Suprema Corte americana concedera habeas corpus desligado do direito de locomoção. A professora respondeu ao juiz americano que, desde a década de 10 e 20, o Supremo Tribunal Federal, no Brasil, já tinha esse tipo de entendimento jurídico. Além de proteger a liberdade de ir e vir, tornara o habeas corpus aplicável contra o abuso de poder e contra qualquer ato de autoridade que exorbitasse dos limites legais.

            Coragem, dignidade e pioneirismo. Eis os exemplos que o Supremo Tribunal deixou e deixa diariamente para todos nós brasileiros. Termino com as palavras do Constitucionalista Luís Roberto Barroso. Como bem lembra ele, graças a ação do Supremo, apesar das vicissitudes e das circunstâncias, somos hoje um Pais melhor do que éramos ontem.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/2003 - Página 31059