Discurso durante a 140ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Necessidade da contratação de novos professores para a escola pública. Defesa do ingresso no magistério de profissionais de outras áreas, mediante curso de licenciatura.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Necessidade da contratação de novos professores para a escola pública. Defesa do ingresso no magistério de profissionais de outras áreas, mediante curso de licenciatura.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/2003 - Página 31222
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, DADOS, INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS (INEP), MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), DEFICIT, PROFESSOR, ENSINO FUNDAMENTAL, ESCOLA PUBLICA, DIFICULDADE, PREENCHIMENTO, DISPONIBILIDADE, CARGO PUBLICO, MOTIVO, INSUFICIENCIA, QUANTIDADE, PESSOAS, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, EDUCAÇÃO, MERCADO DE TRABALHO.
  • OBSERVAÇÃO, MOTIVO, CRISE, DESVALORIZAÇÃO, REMUNERAÇÃO, CARREIRA, MAGISTERIO, AUSENCIA, INTERESSE, CURSO DE FORMAÇÃO, LICENCIATURA.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é de hoje que a educação brasileira se esmera em superar as suas dificuldades estruturais e tenta apostar, para seu soerguimento, em uma política de revitalização do papel do docente. Acontece que, ironicamente, quanto mais se fala no assunto, tanto menos se vêem soluções no horizonte. Isso é precisamente o que ocorre atualmente, quando o Governo Federal muda as regras da aposentadoria e acelera, precipitadamente, a saída de milhares de profissionais do ensino das escolas do País. Disso resulta, naturalmente, o agravamento do déficit de professores na rede pública brasileira, assunto que me leva, neste momento, a suscitar preocupante debate em plenário.

De saída, devemos reconhecer que não se esconde uma realidade com cortinas de fumaça. Segundo cálculos do MEC, a escola pública não consegue preencher quase 300 mil vagas para docentes de turmas de quinta à oitava séries do ensino fundamental.

Sr. Presidente, Senador Mão Santa, se considerarmos que cada turma tem uma média de 40 alunos, serão 12 milhões de alunos prejudicados pela falta de professores. Ou seja, dos 30 milhões de alunos que estão no ensino fundamental, cerca de 12 milhões estão atualmente com alguma disciplina sem professor, o que é assunto da maior gravidade.

A maior parte do problema está relacionada com disciplinas como Português e Matemática, que são as mais importantes do ensino fundamental, além de matérias como Física, Química e Biologia, que são mais importantes no ensino médio, no ensino de segundo grau, cuja situação de deficiência é mais grave e atinge nível de calamidade nacional. E ainda remuneram-se profissionais com salários aviltantes. Vale frisar que se trata de disciplinas fundamentais para uma formação minimamente aceitável de jovens na faixa etária dos 10 aos 15 anos.

Na verdade, seriam necessários quase 750 mil professores em sala de aula para essas séries, se considerarmos um levantamento que avalie as condições ideais de demanda. Contudo, se o enfoque for a oferta de professores no mercado, teremos de lamentavelmente admitir que, em doze anos, menos de 460 mil estudantes de licenciatura concluíram os seus cursos no Brasil.

Na realidade, não temos professores nas salas de aula e também não temos estudantes nos cursos de licenciatura se preparando para ser professores. Temos, então, um problema hoje que vai ser pouco a pouco agravado pela falta de estudantes nas universidades. Tal número sequer atende à demanda do segundo ciclo do ensino fundamental, para cujo funcionamento normal se estima uma quantidade de 476 mil professores.

Sem maiores rodeios, isso se explica taxativamente pela mais brutal política de redução salarial imposta à categoria. Para se ter uma vaga idéia do descalabro, se de um lado os recém-formados recebem em média um salário de R$800, de outro, os veteranos chegam, no máximo, a perceber R$2,5 mil. O desânimo estampa-se na ausência de perspectiva de subida na carreira. Afinal de contas, trata-se de ex-estudantes universitários, portanto pessoas com formação universitária, bem preparados, cuja expectativa de reconhecimento profissional vai muito além daquilo que o magistério pode lhes oferecer.

Muitos professores, então, deixam o ensino e vão se dedicar a outras profissões, até fazendo curso adicional para abrir pequenas empresas, a fim de ter uma remuneração melhor.

No caso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo atual tem tomado algumas medidas, mas são medidas bastante tímidas. Citarei algumas que estão sendo mais anunciadas do que tomadas pelo Governo e que, na realidade, me parecem bastante tímidas para, de certa maneira, enfrentar esse problema.

No plano das intenções, a solução encontrada indica investimento pesado na manutenção de alunos de licenciatura até o final do curso, uma vez que o índice de evasão é muito alto. Entram poucos alunos na licenciatura, pois trata-se de cursos que têm o menor índice de vagas oferecidas nos vestibulares, e muitos dos alunos desistem no meio do curso. Portanto, isso implica o oferecimento de bolsas que seriam distribuídas desde o primeiro semestre, sobretudo para as áreas mais carentes, como Física, Português, Matemática e Química.

Na realidade, dar-se-iam bolsas de estudo para que os alunos da licenciatura continuassem o curso e para que houvesse, em quatro anos, professores disponíveis.

Outra medida proposta é a expansão da quantidade de professores por meio de incentivo à formação em licenciatura a distância. Trata-se de uma questão importantíssima, porque, na realidade, a maior parte da deficiência de professores está localizada nas cidades do interior do Nordeste, do Piauí, de Pernambuco, da Paraíba, onde não existem escolas de licenciatura.

Hoje em dia, com a Internet, com o sistema de televisão, que já alcança o País inteiro, é muito importante que o ensino a distância possa ser desenvolvido e que, sem dúvida alguma, a prioridade número um do ensino à distância no Brasil seja a formação de professores com licenciatura nessas áreas já citadas, que são bastante carentes.

Simultaneamente, o MEC anuncia que, para conseguir resultados imediatos, vai trabalhar com o plano de incentivo a professores na ativa. Sem exatamente esclarecer os instrumentos para alcançar tais fins, as evasivas ministeriais ocupam espaços preciosos do debate aberto. Talvez a iniciativa mais alvissareira fique por conta da campanha que o Ministério de Ciência e Tecnologia patrocina, em conjunto com o MEC, para selecionar trabalhos pedagógicos inovadores em sala de aula. Para acelerar a aprendizagem e para melhorar a relação entre alunos e mestres, haverá distribuição de prêmios por Estado de valor expressivo, que se estenderá até os R$30 mil. Portanto, é uma medida paliativa que, de certa maneira, vai incentivar as pessoas a tentar melhorar o seu padrão de qualificação e inclusive essa relação professor/aluno.

De todo o modo, o Inep, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, avisa que, entre as dez disciplinas oferecidas nas escolas públicas, o caso específico da Física é o mais grave. De acordo com estudos do órgão, no plano ideal, seriam necessários hoje quase 60 mil professores de Física para um universo de licenciados que não ultrapassou a casa dos sete mil, entre 1999 e 2001.

Portanto, Sr. Presidente, entre 60 mil professores necessários, na realidade, só foram formados sete mil; portanto, existe um déficit de 53 mil professores de Física no País. Imaginemos, no século XXI, num País como o Brasil, que vai disputar mercado, que tenta melhorar o seu nível tecnológico, estudantes não estudam Física, uma disciplina fundamental para a tecnologia, o princípio básico de tudo aquilo que se faz na área da engenharia.

No plano real, é desolador constatar que o professor em atividade permanece, em média, 30 horas por semana em sala de aula com turmas de mais de 40 alunos. Exausto e destituído de qualquer incentivo, o professor perde o interesse na qualidade do ensino e ingressa no mundo viciado da pasteurização do conteúdo programático.

No mesmo diapasão crítico, Português, Matemática e Química desfilam igualmente no topo do ranking das disciplinas carentes de professor. Segundo o MEC, para tapar os buracos da grade curricular, as três juntas necessitariam hoje de 160 mil profissionais. No caso das três, o problema agrava-se intensamente visto que, apesar de as secretarias de ensino promoverem concurso anualmente, sobram, em abundância, vagas não preenchidas, por força da total ausência de profissionais com formação adequada.

Ainda há esta outra questão: num País onde há alta taxa de desemprego, nas escolas públicas e mesmo nas escolas privadas existem cerca de 160 mil vagas para professores dessas disciplinas. Não há profissionais habilitados para ocupá-las. Portanto, o desemprego não é diminuído e poderia sê-lo se formássemos os professores para que pudessem ocupar essas vagas.

O pior de toda essa história é saber que o prognóstico do MEC para a próxima década não é nada animador. O estudo do Inep aponta na direção de um cenário desalentador, caso o descuido do Estado se prolongue. Mais precisamente, o estudo prevê, por exemplo, que, entre 2002 e 2010, deverão formar-se apenas 14 mil alunos em Física, enquanto o número de alunos no ensino médio tende a crescer em proporção geométrica. Portanto, se já havia um déficit de 60 mil e se só vão se formar 14 mil, então, na realidade, o déficit, em vez de diminuir, tende a aumentar.

Diante disso, torna-se imprescindível, enfim, que o Governo Federal tome enérgicas providências na política educacional na perspectiva de estimular a formação de profissionais mais qualificados para o exercício do magistério. Isso se aplica ainda mais hoje quando o efeito imediato da reforma da previdência se refletiu numa corrida desmedida dos professores mais velhos rumo à aposentadoria. Por isso, a política mais apropriada no momento político em que vivemos recomenda uma veloz reabilitação moral e financeira dos professores, rearticulando socialmente seu prestígio, retomando escolasticamente sua competência qualitativa de outrora.

Sr. Presidente, existem muitos profissionais de outros setores que poderiam ser mobilizados para ensinar disciplinas que conhecem por sua formação profissional. É o caso do engenheiro, que conhece Física, Química e Matemática e que antigamente era o que, principalmente em cidades do interior, ocupava as vagas dos professores. Nessas áreas, por exemplo, muitas vezes, há desemprego. Existem centenas, talvez milhares de engenheiros desempregados em cidades, em regiões, que poderiam ser utilizados nessa função, desde que se lhes fosse dada uma formação pedagógica, que é muito mais rápida de ser ensinada e muito mais simples que o conteúdo específico de uma determinada disciplina. É muito mais fácil dar uma formação pedagógica a alguém para ensinar Matemática do que ensinar Matemática àquela pessoa, para que ela possa repassar como conhecimento.

Essa seria uma maneira rápida e eficiente de se obterem mais professores de forma especial, ou seja, seria criado um programa específico para profissionais formados em outras carreiras, que poderiam fazer um curso de licenciatura curta, a distância, de maneira programada pelas próprias Secretarias Estaduais ou pelo Ministério de Educação. Com isso, rapidamente haveria um novo contingente de professores de Física, Química, Biologia. Até mesmo os estudantes de Medicina ou de Engenharia ou os profissionais já formados nessas áreas poderiam fazê-lo, já que, muitas vezes, têm horário disponível. Conforme o sistema convencional em vigor, vamos levar décadas e décadas sem poder formar os professores de que necessitamos.

Imaginem um país como o Brasil, que pretende ser uma grande Nação, sem professores de Física, Química, Matemática, Biologia! Qual o nível que terão os nossos estudantes nessas ciências básicas quando concluírem seus cursos?

Sr. Presidente, esse é o assunto que me traz hoje à tribuna, por entendê-lo de tremenda importância e gravidade no sentido da melhoria qualitativa do nosso padrão de ensino no Brasil.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/2003 - Página 31222