Discurso durante a 139ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem pela passagem dos 25 anos do falecimento do capitão Sílvio Gonçalves de Farias.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem pela passagem dos 25 anos do falecimento do capitão Sílvio Gonçalves de Farias.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/2003 - Página 31241
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, SILVIO GONÇALVES DE FARIAS, CAPITÃO, ELOGIO, ATUAÇÃO, VIDA PUBLICA, RESPONSABILIDADE, ORGANIZAÇÃO, DIVISÃO, TERRAS, MIGRANTE, POVOAMENTO, ESTADO DE RONDONIA (RO), CONTRIBUIÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, IMPLANTAÇÃO, REFORMA AGRARIA.

  SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 10/10/2003


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DISCURSO PROFERIDO PELO SR. SENADOR AMIR LANDO, NA SESSÃO DELIBERATIVA ORDINÁRIA DE 09-10-2003, QUE, RETIRADO PELO ORADOR PARA REVISÃO, PUBLICA-SE NA PRESENTE EDIÇÃO.

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O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Como Líder. Com revisão do orador.)- Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: na história, três tipos de personagens poderiam ser identificados: os que meramente a vivem; os que a contam e os que a fazem. De certo modo, todos nós, por um lapso de tempo, vivemos a história. Para contá-la, muitos são os chamados. Para fazê-la, poucos são os escolhidos. Destes, alguns perpassam toda a história, ocupam os pedestais da memória e adquirem o dom da imortalidade. Infelizmente, podem parecer poucos, porque a memória dos que a vivem, nem sempre é grata pelo exemplo dos que a fazem. Mas, de qualquer sorte, é vida e também de qualquer sorte, essa explosão fantástica e alucinante, mesmo que seja numa caminhada que, certamente, é para o nada, para a morte, vale a pena vivê-la.

Sr. Presidente, venho hoje à tribuna para saudar um personagem que fez a história do meu Estado de Rondônia. Devo ser breve, mas não posso deixar de falar sobre o aniversário de 25 anos do desaparecimento daquele que foi, em vida, Capitão Sílvio Gonçalves de Farias, um herói anônimo que a história talvez não tenha registrado. Faço esta manifestação porque esse homem plasmou o modelo de ocupação do Estado de Rondônia. A planta social da ocupação parcelada de Rondônia se deve a Sílvio Gonçalves de Faria, um verdadeiro construtor da justiça social. Confesso a minha dificuldade de encontrar a melhor palavra para homenageá-lo. É que é difícil, para mim, um andarilho de Rondônia, imaginá-lo numa outra dimensão, que não seja a da vida. Todos os recantos de Rondônia lembram o Capitão Silvio, vivo. Todos os caminhos lembram os seus passos. Todos os contornos têm a forma dos seus rastros.

Sr. Presidente, conheci o Capitão por volta de 1970, na cidade de Guajará-Mirim, divisa com a Bolívia. Eu fazia parte do Projeto Rondon, e encontrei-o em torno de um teodolito, ensinando aos jovens topógrafos como deveriam tomar as medidas para dividir a terra de Rondônia, não em covas medidas, não como a última morada, mas como o começo da esperança, onde seriam assentadas milhares e milhares de famílias no processo de ocupação do meu Estado. O Senador Heráclito Fortes, aqui presente, certamente há de se lembrar do Capitão Sílvio, de Rondônia, o homem forte. Com o Marechal Cândido Rondon e com o Coronel Jorge Teixeira, ele formou a tríade dos grandes arquitetos de Rondônia. Pessoa obstinada pela realização da justiça social, pela divisão da terra, reparti-la entre os migrantes que chegavam de todos os recantos do Brasil - inclusive do Piauí, Estado do eminente Presidente Mão Santa -com filho nos braços e fome no estômago, mas esperança no coração. Essa gente veio para fazer de Rondônia um pedaço do Brasil, com todas as matizes da nossa composição federativa. O Estado foi uma fronteira agrícola onde os pioneiros fizeram história - os pioneiros são fundadores e construtores do porvir. Essa gente, o Capitão recebia de braços abertos.

O Capitão Sílvio era um combatente intransigente do latifúndio. Para ele, a terra deveria ter destinação social, a fim de se realizar a reforma agrária nos moldes do Estatuto da Terra, que foi a nossa grande escola na juventude. Aprendemos muito, principalmente que era preciso dar à terra a destinação para o bem comum.

Sr. Presidente, nesse passo, conheci essa figura que era uma verdadeira devoção à reforma agrária. Era um homem que tinha participado, ao longo de sua vida militar, da construção de 18 aeroportos nos confins distantes e esquecidos da Amazônia, da Amazônia exótica. Até então, ninguém sabia bem qualificar o que era esse último capítulo da geografia natural, desse último capítulo do Gênesis. A esse tempo, já na reserva, lá estava ele, abrindo a floresta, rasgando a selva, para que os monstros, os pássaros de aço e de ferro pudessem aterrissar e levar as civilizações para os confins. Foi essa a missão que deu a Sílvio um conhecimento espetacular da Amazônia, uma memória invejável, uma memória que lhe permitia dizer, de cor, rios, igarapés, acidentes geográficos. Era um homem que poderia visualizar, no mapa, detalhes que nós, simples mortais, jamais poderíamos identificar. Foi essa figura, Sr. Presidente, que, por ironia do destino, teve que morrer de malária, depois de tantos anos de uma larga folha de serviços dedicados à Amazônia.

Lembro-me de que, numa tarde como esta, 25 anos atrás, ele desapareceu, para sempre, de nosso meio. Fez-se um silêncio pelas linhas, pelas picadas e pelos rumos abertos pelo Incra. Instaurou-se, então, uma espécie de véu obscuro de orfandade sobre aqueles que eram beneficiários da reforma agrária. Não existia mais o Capitão Sílvio para defendê-los contra os jagunços, a pistolagem. Lembro-me de um momento, Sr. Presidente, passado na atual cidade de Cacoal, município promissor de nosso Estado: diante de um conflito em que haviam morrido três pessoas, três trabalhadores, Capitão Sílvio foi até lá e reuniu todos, inclusive os jagunços que, de cara feia, revólveres na cinta, a coragem à mão armada, estavam presentes. E ele disse, com todas as letras: “Pistoleiros, acertem as contas com o patrão porque, na segunda-feira, entrarei na terra e vou cortá-la para destinar a esses aqui que não têm terra, mas que querem plantar”.

Essa era a coragem de quem nunca fechou a porta de sua casa, porque acreditava no mito da correção do homem da lei, do homem da justiça. O justiceiro não precisa da proteção de guardas, nem de muralhas. Aquele que é a justiça em ação age sem medo porque, quem tem medo, não faz a história. Como disse Shakespeare “muito antes de morrer, morre o covarde, aos fortes a morte abate uma só vez”. Foi essa figura a quem o País não deu o devido reconhecimento, que quero registrar, com carinho, porque temos que glorificar os nossos heróis, aqueles que fizeram a história e, sobretudo, aqueles que realizaram a obra da justiça.

Sr. Presidente, um pequeno número de pessoas o acompanhava porque ele dizia que “reforma agrária se faz com advogado para resolver as questões jurídicas e com topógrafos para cortar a terra”. Nessa linha, quero destacar alguns nomes de topógrafos, verdadeiros “Sanchos Panças” que o acompanhavam nessa aventura quixotesca de plasmar um Estado sob a égide da propriedade familiar, do sem-terra que tinha fome de terras públicas, porque lá, a grande maioria daquele imenso território, era composta de terras devolutas da União, cuja destinação da ocupação se fazia necessária.

Havia aquele cio tropical aberto a esse contato com homens ou mulheres para produzir, para fazer brotar do chão a esperança e, sobretudo, o progresso econômico e social da família.

Quero destacar portanto, Luiz Melo, Costa, Menezes, Enoc, Garcia Neto, Robercílio, Levy Pinheiro, Miyache, José Melo, Isaías, e tantos outros que lá estavam nesse trabalho, como os que já não se encontram mais entre nós, como o Almir, o Zeferino, o Joel Lopes e o técnico agrícola conhecido como Muzambinho.

Essa foi uma epopéia que, talvez, os anais da História não tenham registrado, mas que o faço nos anais desta Casa, para reverenciar as figuras que foram os construtores do Estado de Rondônia e, sobretudo, aqueles que, com coragem, determinação, amor ao próximo, vieram de todos os recantos da comunidade social para fazer Rondônia.

Mas, Sr. Presidente, o Capitão Sílvio contrariou interesses e, como contraponto à sua obstinação, foi exonerado do Incra. Recolheu-se, então, à solidão. Por fim, a morte. Morreu só, como o cerne dentro da casca de uma árvore velha.

Capitão Sílvio, lá, distante, onde chegaste, certamente, diante do Senhor, diga a Ele que a nossa angústia continua a mesma, que nós, aqui, ainda lutamos pela mesma causa, que não esmorecemos a favor da justiça social e da reforma agrária. Tu, talvez, diante de Deus, possas ter o conforto que não tivemos até hoje. Mas, com absoluta certeza, continuaremos na mesma luta, na mesma senda, porque temos que concluir a obra da reforma agrária e da justiça social, pela qual deste a vida.

Sr. Presidente, é essa a homenagem que presto a um grande homem.

Muito obrigado.


             V:\SLEG\SSTAQ\SF\NOTAS\2003\20031010ND.doc 4:15



Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/2003 - Página 31241