Discurso durante a 141ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Tamanho desmesurado das reservas indígenas no Brasil.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Tamanho desmesurado das reservas indígenas no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 15/10/2003 - Página 31397
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, CRITERIOS, UTILIZAÇÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, AUSENCIA, IMPARCIALIDADE, PROCESSO, PRIORIDADE, FAVORECIMENTO, INTERESSE, COMUNIDADE INDIGENA, FALTA, PROPORCIONALIDADE, EXTENSÃO, TERRAS INDIGENAS, QUANTIDADE, INDIO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sem rodeios, vou direto ao ponto. Se o Brasil se define politicamente como uma república federativa, como é que podemos justificar que 0,2% de brasileiros ocupem 15% de todo o território nacional? Com essa indagação, introduzo a complexa questão do tamanho desmesurado das reservas indígenas no Brasil, notadamente na Amazônia e na faixa de fronteira. Trata-se de uma política governamental no mínimo equivocada, atrás da qual se escondem laivos nada inocentes de uma ideologia que prega a soberania política das denominadas “nações indígenas”.

Historicamente, aos índios brasileiros, tem-se reservado áreas condizentes com o espaço onde habitam e com as conjunturas política e econômica do momento. Acontece que, desde a promulgação da Constituição de 1988, a legislação abriu-lhes exageradas possibilidades de incorporação de novos territórios. Os índios Caiapó, por exemplo, se assenhorearam de uma área nada desprezível para os moldes internacionais: nada menos que 1,8 milhão de hectares, dos quais 400 mil têm sido ocupados, desde a década de oitenta, por famílias assentadas pelo Incra. Enquanto índios, fazendeiros e forasteiros se engalfinham belicamente, a chamada reserva Baú, que se localiza no sudoeste do Pará, entre os municípios de Altamira e Novo Progresso, aguarda processo oficial de demarcação.

Enquanto isso, os índios Terena, do Mato Grosso, invadiram, mais recentemente, onze fazendas em Sidrolândia, região a 140 quilômetros de Campo Grande. Ao se recusarem a cumprir ordem de reintegração de posse, proliferam os conflitos locais e recrudescem os atos de violência, num processo insano de disputa fundiária, que já provocou, só neste ano, onze mortes, o dobro do registrado no mesmo período de 2002.

É muito provável que o grau de violência atingido nos conflitos envolvendo terras indígenas esteja num patamar bem mais alto do que aquele verificado nos campos minados do MST. Mesmo porque, legislação, demarcação, ocupações, invasões, primitivismo e “boa selvageria” compõem uma fórmula bem azeitada de bomba-relógio social, de sorte a promover estragos os mais devastadores no já frágil tecido comunitário brasileiro.

No fundo deste imbróglio, prevalece a necessidade de se preservarem a cultura e a diversidade étnica de povos indígenas, que habitam nossas terras desde tempos imemoriais. A moderna visão antropológica reconhece a riqueza da diversidade silvícola, a ponto de atribuir-lhe valor supremo de preservação, relacionando cultura e hábitat tradicional em uma teia inseparável. Em contrapartida, não se pode negar que, no Ocidente, povos e civilizações são historicamente dominados pelas culturas hegemônicas, submetendo-se a processos inexoráveis de colonização e dependência.

Daí surge aquela primeira indagação sobre a base moral na qual se assenta a legitimidade política que autoriza a ocupação de 15% do território brasileiro por apenas 330 mil indígenas, ou seja, 0,2% de nossa população. Na verdade, o Ministério da Justiça e o Superior Tribunal de Justiça, juntos, referendaram a reintegração de posse das terras aos Caiapó, confirmando uma aritmética nada confortável aos demais brasileiros, já que, para cada membro daquela comunidade silvícola, reserva-se a “propriedade” de 15 mil e 400 hectares de terra. Além disso, devemos lembrar que, para os índios Denis, cuja população é estimada em menos de 800 pessoas, foi destinado um território com tamanho equivalente à metade da Bélgica.

Por mais que se compreenda o “direito natural” dos índios às vastas extensões de terras brasileiras, não se pode concordar com uma política que não preste atenção na desproporcionalidade da divisão territorial brasileira. Políticas de preservação do meio ambiente e da biodiversidade devem ser adotadas intransigentemente, mas isso não pode significar abrir mão da soberania de nossa riqueza, tampouco conceder tanto a tão poucos, sob pena de estarmos cometendo flagrante injustiça contra o resto da população brasileira.

Nesse tenso contexto, causa espécie identificar que, de uns tempos para cá, a sistemática adotada no processo demarcatório tem sido desenhada pelos próprios grupos indígenas, para posterior ratificação pelos órgãos do Governo. Isso, naturalmente, pressupõe um vício administrativo perigoso, instaurando uma prática política de risco incomensurável. Na verdade, as demais organizações envolvidas com a proteção do índio já entenderam o recado e não se cansam de pressionar o Estado rumo a uma política de demarcação ainda mais complacente.

Para se ter uma vaga idéia da pressão exercida, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), tem ocupado lugar de incontestável destaque na determinação das regras sobre demarcação das reservas indígenas. Embora não saibamos, de fato, com que autoridade o CIMI assim age, sua margem de manobra sobre os últimos governos constituídos é de uma penetrabilidade política para lá de extraordinária e eficaz a favor das comunidades indígenas, em detrimento do Brasil.

No caso específico de Roraima, a questão das demarcações assume um caráter ainda mais dramático. Lá, porque cidades inteiras se localizam em terras indígenas, a situação se complica em proporções geométricas. Fazendeiros, políticos e população civil reclamam, veementemente, da intenção do Governo de homologar, por exemplo, a área Raposa Serra do Sol. Se tal demarcação for homologada, diversas propriedades, até mesmo cidades, poderão desaparecer da noite para o dia. Em que pese a decisão do Governador Flamarion Portela de trocar de legenda, aderindo “oportunisticamente” ao PT, nada indica que o Governo reverterá a situação.

No Mato Grosso, o quadro não destoa muito daquele do meu Estado. O Governador Blairo Maggi, que é do meu partido, o PPS, reclama da Funai e dos ambientalistas, em função da insistência destes em ampliar faixas colossais de terras para as comunidades indígenas. Segundo Maggi, as reservas demarcadas já ocupam 17% do Estado, enquanto o agronegócio tem girado em torno de 19%. Para ele, se fôssemos concordar com a Funai, 24% do território do Mato Grosso seria entregue aos índios.

Para concluir, gostaria apenas de despertar a atenção das autoridades para o exagero com que a Funai e diversas outras entidades ambientalistas e religiosas têm reivindicado e conquistado territórios para as comunidades indígenas. Longe de entender que se trate de um problema de “segurança nacional”, julgo que, na verdade, reservas com tamanho desmesurado equivalem a um ato de desrespeito do Estado para com os demais cidadãos do País. Por fim, solicito ao Governo melhor reflexão sobre os processos atuais de demarcação, na expectativa de que novas avaliações sejam feitas diante da realidade social brasileira contemporânea.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/10/2003 - Página 31397