Discurso durante a 143ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a política de saúde pública no Brasil.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Considerações sobre a política de saúde pública no Brasil.
Aparteantes
Almeida Lima.
Publicação
Publicação no DSF de 17/10/2003 - Página 32732
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ACUSAÇÃO, CONGRESSISTA, ENTIDADE, LOBBY, AÇÃO JUDICIAL, CONSELHO NACIONAL DE SAUDE (CNS), REFERENCIA, SAUDE PUBLICA.
  • ELOGIO, LEGISLAÇÃO, SAUDE PUBLICA, BRASIL, CRITICA, DESCUMPRIMENTO, REPASSE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, PRECARIEDADE, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, PROTESTO, INCLUSÃO, GASTOS PUBLICOS, PREVIDENCIA SOCIAL, SANEAMENTO, ALIMENTAÇÃO, CONTAS, SAUDE.
  • ANALISE, CARACTERISTICA, DOENÇA, BRASIL, DEFESA, INVESTIMENTO, CENTRO DE SAUDE, TECNOLOGIA, HOSPITAL, ESPECIFICAÇÃO, TRATAMENTO, DOENÇA CRONICA, CARDIOPATIA GRAVE, CANCER, NECESSIDADE, MANUTENÇÃO, VINCULAÇÃO, RECEITA, UNIÃO FEDERAL.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os jornais de hoje trazem as considerações feitas pelo Presidente da República sobre os Parlamentares ou entidades que estão fazendo reclamações, acionando a Justiça ou fazendo gestões junto às entidades, ao Congresso e ao Conselho de Saúde. Como militei muito tempo na área de saúde pública pela universidade, eu me sinto na obrigação de repudiar com veemência a generalização da abordagem do Presidente. Se Sua Excelência consegue identificar os lobistas do setor saúde, por favor, nomeie-os, para que não sejamos todos jogados na vala comum. Graças a Deus, não sou lobista do setor saúde, nem lobista dos gigolôs do Fundo Monetário, nem lobista dos parasitas do Banco Mundial.

Sr. Presidente, sabemos que a nossa legislação relativa à saúde é das mais avançadas do mundo, que não foi uma concessão da elite política do Congresso Nacional. Quando conquistamos, por meio da definição do Sistema Único de Saúde, a Lei Orgânica da Saúde, nós nos apresentamos ao mundo como o País com a legislação de saúde mais avançada do mundo.

Mas, infelizmente, existe um abismo entre o que foi conquistado em termos de legislação e a realidade de dor, sofrimento, humilhação, perambulação nas filas, para o acesso ao serviço de saúde.

Tivemos a oportunidade - eu já era Parlamentar Federal - de aprovar, com louvor, com cantos, com declarações maravilhosas, a chamada Emenda Constitucional nº 29, que determinou, ainda no ano de 2000, quanto a União, os Estados e os Municípios deveriam gastar com o setor saúde.

Infelizmente, para surpresa de todos, o Governo começou a sinalizar o seu descompromisso com aquilo que fazia parte de todos os discursos dos militantes do meu Partido na área da saúde, dos técnicos altamente qualificados que, ao longo de suas histórias, militaram no setor saúde, ao vetar o art. 59 da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que impedia o cômputo de despesas previdenciárias, serviços da dívida e despesas com o Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza como gastos em saúde e serviço público.

Diz que saneamento e alimentação são fatores condicionantes do estado de doença ou de saúde é a mais absoluta verdade. Não apenas a alimentação e o saneamento, mas o salário, a habitação, o transporte, as condições de trabalho, definem efetivamente o estado de saúde da população.

Não é à toa que os mais importantes pesquisadores da área da saúde, que produziram documentos extremamente importantes, constataram, por exemplo, várias relações entre condições de saúde e baixa renda, além da relação direta dos indicadores de saúde com educação, PIB e previdência social. E ninguém está estabelecendo que os investimentos para moradia e educação, que são condicionantes diretos da saúde, também sejam incluídos. A esperança de vida ao nascer tem uma relação direta com escolaridade e nível de renda. O saneamento não se mostra associado, em nenhuma das pesquisas feitas, com a esperança de vida ao nascer. Quanto à mortalidade infantil, várias pesquisas seriíssimas, feitas por quadros altamente qualificados da saúde, relacionam a mortalidade infantil com a perda da capacidade aquisitiva da população, com o declínio do salário mínimo, com a concentração de renda, com a diminuição de renda da população assalariada.

Qual é o discurso cômodo e fácil? Falar que não pode colocar dinheiro nos hospitais, mas nos centros de saúde. Aí se incorre em um farsa técnica inadmissível, porque nós, da saúde, conhecemos o chamado perfil epidemiológico da população, o quadro de morbi-mortalidade, em que os dados estatísticos oficiais mostram com a mais absoluta clareza do que as pessoas adoecem e morrem. A primeira causa de morte, mesmo no Brasil, um País considerado subdesenvolvido ou em desenvolvimento, não são mais as chamadas doenças da pobreza, as doenças que têm relação direta com o saneamento básico, por exemplo; essas ocupam praticamente o quarto lugar. Hoje, as doenças crônico-degenerativas, cardiovasculares, os óbitos decorrentes de crime e de violência no trânsito são muito mais definidores do quadro de morbi-mortalidade que outros fatores.

O que existe de mais grave para que o quadro da saúde no Brasil se diferencie de outras nações? Temos, associadas às doenças chamadas da pobreza, do subdesenvolvimento, como a malária, hanseníase, tuberculose, mortes por diarréia, as doenças crônico-degenerativas, doenças mais associadas aos países com nível maior de desenvolvimento. Os dois tipos atingem diretamente a população mais pobre, que não teve mudança no seu poder aquisitivo, porque não houve mudança na distribuição de renda, e não tem acesso ao serviço de saúde para garantir a prevenção do câncer, do acidente vascular cerebral, portanto, das doenças crônico-degenerativas e das doenças cardiovasculares. Quanto à criminalidade, ocorre o mesmo, destacadamente com a população mais pobre.

Então, temos obrigação de investir na porta de entrada do sistema, ou seja, nos centros de saúde, e igual obrigação de investir em alta tecnologia e em rede hospitalar. A diferença consiste no que disponibilizar de investimento para a rede hospitalar pública. Para isso temos que mudar as regras do BNDES, as regras da Caixa Econômica Federal, para que haja investimento no setor público e ele não fique refém do setor privado. Como a maior parte da assistência às doenças crônico-degenerativas e cardiovasculares - pela omissão, ao longo da história, do serviço público em investir - está no setor privado, a população fica refém da tabela de preço, da vaga, da autorização de internação hospitalar; ela é a prejudicada.

Portanto, lobistas dos hospitais, lobistas dos traficantes de autorização de internação hospitalar são aqueles que não investem no setor público, que não cumprem a lei, aqueles que não disponibilizam o que efetivamente deveria ir para a saúde.

É por isso que não posso votar a DRU. Imaginem com que cara eu vou votar a Desvinculação de Receita da União, que arranca só da seguridade social praticamente R$30 bilhões até este ano, que arranca linearmente 20% do recurso dos Ministérios, praticamente R$60 bilhões!? Então os R$3 bilhões, que estão tirando da saúde e transferindo para o Fome Zero, vamos arrancar da pança e do banquete farto do superávit, dos agiotas internacionais, dos banqueiros internacionais e vamos disponibilizar - até mais - para o Fome Zero, para o setor saúde.

Sr. Presidente, este debate não pode ser feito de forma irresponsável. Quem é da área de saúde, quem conhece, sabe da gigantesca necessidade de investimentos do setor público para atender à população mais pobre, porque quem precisa do setor público não está aqui. Aqui, todos, Senadores e seus filhos, têm seguro-saúde. Quem precisa da saúde pública, de que esse investimento vá para a saúde pública e não para o banquete farto, para encher a pança dos agiotas internacionais, é o povo pobre, os filhos da pobreza, os excluídos, os marginalizados, sobre os quais, no discurso, falamos o tempo todo, mas não estabelecemos a ação concreta para a inclusão social.

Creio que seja esse o motivo de o próprio Ministro da Saúde, um dos técnicos mais qualificados que este Brasil já produziu, que sabe, porque é um militante da área da saúde, não vir a público defender uma proposta como esta.

O Sr. Almeida Lima (PDT - SE) - Senadora Heloísa Helena, V. Exª me concede um aparte?

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Concedo um aparte ao Senador Almeida Lima.

O Sr. Almeida Lima (PDT - SE) - Senadora, peço o aparte a V. Exª neste instante exatamente para levar-lhe a minha solidariedade. E não apenas a V. Exª, pelo brilhante pronunciamento, pela maneira firme da irresignação que apresenta, mas também àqueles que injustamente foram considerados lobistas por defenderem uma causa justa - que é a disponibilização de mais recursos para a saúde, e não sua diminuição -, e, acima de tudo, à população carente deste País. A forma como se comportou Sua Excelência o Presidente da República, no dia de ontem, na referida reunião, algo amplamente divulgado pela imprensa hoje, sintetiza, simboliza aquilo que chamamos de arrogância, de prepotência - situação em que, mesmo sem conhecer as pessoas e sem identificá-las, porque elas se contrapõem à posição do rei de plantão, ele se insurge da forma a mais violenta possível. Sua Excelência não percebeu que, à sua frente, dois aliados, um de Sergipe, o Senador Antonio Carlos Valadares, e o próprio Senador Líder do Partido dos Trabalhadores, Tião Viana, estavam sendo naquele instante agredidos. É lamentável que isso aconteça, pois o que devemos defender é o cumprimento da Emenda nº 29 e, mais ainda, que o Governo Federal, por meio da Controladoria Geral da União, promova as investigações necessárias para que os recursos, aí sim, do Sistema Único de Saúde, não sejam dilapidados, desviados, entrando no ralo da corrupção. O que precisa ser conseguido é a sua ampliação, diante do quadro caótico em que a saúde se encontra neste País, e não tentar incluir nessas verbas outras rubricas que poderão - e deverão - ser atendidas, pois são importantes, como saneamento básico e alimentação para o Programa Fome Zero. Não se pode cobrir um santo e descobrir outro. A minha solidariedade a V. Exª pelo seu pronunciamento.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço a V. Exª pelo aparte.

Sr. Presidente, vou encerrar, até para garantir que o Senador Eduardo Azeredo também possa falar. Eu só estou falando hoje pela gentileza e delicadeza do Senador Heráclito, que me cedeu a sua vez.

Obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/10/2003 - Página 32732