Discurso durante a 143ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre os efeitos dos transgênicos.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Considerações sobre os efeitos dos transgênicos.
Publicação
Publicação no DSF de 17/10/2003 - Página 32797
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ANALISE, DIFICULDADE, DECISÃO, LIBERAÇÃO, CULTIVO, CONSUMO, PRODUTO TRANSGENICO, NECESSIDADE, DEBATE, AREA, CIENCIA E TECNOLOGIA, MEIO AMBIENTE, SAUDE, ECONOMIA, DIREITO, PROPRIEDADE INDUSTRIAL, AGRICULTURA.
  • CRITICA, ILEGALIDADE, CONTRABANDO, SEMENTE, PRODUTO TRANSGENICO, SOJA, CULTIVO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), APOIO, EMPRESA MULTINACIONAL, RISCOS, PREJUIZO, REPUTAÇÃO, BRASIL, EXPORTAÇÃO, PRODUTO NATURAL, DENUNCIA, LOBBY, SETOR.
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, BIOTECNOLOGIA, DEFESA, PREVENÇÃO, UTILIZAÇÃO, PRODUTO TRANSGENICO, MOTIVO, INFERIORIDADE, TEMPO, PESQUISA, RISCOS, DESEQUILIBRIO, BIODIVERSIDADE, CONTAMINAÇÃO, MEIO AMBIENTE.
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, PEQUENO PRODUTOR RURAL, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, PERDA, TERRAS, PAGAMENTO, ROYALTIES, SEMENTE, PRODUTO TRANSGENICO, INSUMO.
  • CRITICA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ATENDIMENTO, ILEGALIDADE, SOJA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), FAVORECIMENTO, INTERESSE, EMPRESA MULTINACIONAL, PRODUTO TRANSGENICO.
  • REGISTRO, DADOS, COMERCIO EXTERIOR, SOJA, UNIÃO EUROPEIA, ASIA.
  • JUSTIFICAÇÃO, REQUERIMENTO, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, ILEGALIDADE, CULTIVO, SOJA, PRODUTO TRANSGENICO, BRASIL.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Mais a prorrogação, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Senador Mão Santa, a liberalização dos transgênicos para o plantio e o consumo não é uma decisão simples de ser tomada e muito menos sob pressão de fatos consumados à revelia da sociedade e das instituições deste da País. Ao contrário, esse desafio é muito mais relevante e complexo do que alguns pretendem passar à opinião pública brasileira.

Trata-se de uma questão interdisciplinar, envolvendo múltiplas áreas do conhecimento, sobre as quais há controvérsias em todo o mundo. O debate inscreve-se nos campos científico e tecnológico, no campo dos riscos para o meio ambiente e para a saúde, da Economia, das Ciências Jurídicas, da propriedade intelectual (através das patentes) e dos modos de produção agrícola (agricultura intensiva e agricultura familiar).

Além disso, temos que levar em conta as especificidades próprias do nosso País. No Brasil, a polêmica atual é marcada por um processo de confronto às nossas leis, com contrabando de sementes da Argentina e o plantio ilegal de soja transgênica no nosso território, com o apoio velado da multinacional Monsanto, associada às ações da Farsul - Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul -, que levaram os agricultores daquele Estado à ilegalidade.

Além disso, a polêmica pode prejudicar o mercado brasileiro produtor de soja convencional, de que somos hoje o maior produtor do mundo, e, conseqüentemente, prejudicar a nossa pauta de exportações, em face da possibilidade de contaminação de nossa produção de soja não-transgênica.

A fabricação de OGMs - Organismos Geneticamente Modificados foi possível graças aos avanços das técnicas da Biotecnologia e da Biologia Molecular, ocorridos durante os últimos 25 anos. Entretanto, a aplicação em larga escala de OGMs na agricultura é bastante recente, a qual tem início em 1997, nos Estados Unidos - e já estamos em 2003.

A superfície total mundial cultivada com variedades de OGMs, em 2002, foi estimada em 58,7 milhões de hectares. Desse total, 39 milhões de hectares foram cultivados nos Estados Unidos; 13,5 milhões, na Argentina; e 3,5 milhões, no Canadá.

Cinco grandes empresas multinacionais controlam o essencial da comercialização de OGMs.

O número de espécies transgênicas cultivadas em larga escala não é importante. Quatro espécies cobrem praticamente toda a superfície mundial cultivada com transgênicos: a soja representa 51% da superfície total de soja cultivada no planeta; o algodão representa 20%; a canola (colza) 12% e o milho 9%.

A primeira questão que se coloca face os OGMs é saber se essa técnica está completamente dominada. Os principais defensores do princípio de precaução são unânimes em afirmar que estamos diante do desconhecido. O processo de evolução dessa tecnologia, a médio e longo prazo, é imprevisível, particularmente no que diz respeito ao surgimento de um caráter genético nocivo e não esperado. Nada impede que, pelas manipulações genéticas, o homem crie uma espécie que afete o meio ambiente ou a saúde humana. Isso significa que as implicações sobre a evolução da diversidade biológica, por um lado, e sobre o equilíbrio entre as espécies, incluindo a humana, por outro lado, são ainda imprevisíveis. No tocante a esta última questão - o equilíbrio entre espécies - ainda não existem garantias quanto a uma possível contaminação de espécies não transgênicas pelas espécies transgênicas, comprometendo a biodiversidade. No nosso caso, Senador Lúcio Botelho, temos a obrigação de proteger a Amazônia que concentra, talvez, a maior biodiversidade do planeta, por possuir a maior floresta tropical do mundo.

Por essa razão, as manipulações genéticas devem ser avaliadas com o maior rigor científico e a longo prazo. Efetivamente, ainda não conhecemos quais sãos os riscos da difusão de transgênicos para o meio ambiente e para a saúde. Nada sabemos sobre a possíveis reações alérgicas ou sobre a resistência de genes modificadas aos antibióticos, ou ainda sobre a toxicidade de alimentos geneticamente modificados.

A transgênese permite franquear barreira entre as espécies. Antes, a reprodução dos seres vivos se dava entre espécies iguais - ainda bem que estamos aqui com três médicos. A ciência de hoje permite a introdução de uma seqüência de DNA de uma espécie em outra, inclusive de um animal em um vegetal e vice-versa. Mas a ciência ainda não tem respostas para os impactos que esta mutação pode ter sobre os novos equilíbrios entre espécies transgênicas e convencionais, incluindo as variedades rústicas, silvestres e selvagens, ou sobre o funcionamento dos ecossistemas.

Também não existem estudos consistentes sobre os efeitos a longo prazo da disseminação de OGMs na natureza. Sabe-se apenas que o pólen de variedades transgênicas fecunda as variedades não transgênicas, convencionais (cultivadas, silvestres ou selvagens) e que este processo é irreversível.

Se amanhã essa poluição genética for nociva para o meio ambiente e para a saúde humana, não há como voltar atrás. Haverá, sem dúvida, um aumento da contaminação na medida que a superfície cultivada com OGMs for mais extensa. Essa contaminação poderá afetar não apenas espécies selvagens ou variedades rústicas cultivadas, mas contaminar as agriculturas alternativas, particularmente a agricultura biológica, os pequenos produtores que ainda são proprietários de suas sementes.

Em suma, no estado atual de conhecimento dos efeitos dos OGMs, estamos diante da impossibilidade de avaliar as conseqüências dessas práticas a longo prazo. Por essa razão, defendemos o princípio da precaução, que, aliás, é a posição majoritária entre os pesquisadores brasileiros.

Note-se bem que não podemos nos deixar confundir pelos defensores das posições das multinacionais que propositadamente embaralham todas as questões e desinformam. A pesquisa científica é fundamental e ninguém em sã consciência pode pregar contra o avanço do conhecimento. O que não aceitamos é a introdução em nossos Biomas de OGMs - como é o caso da soja Roundup Ready -, confrontando as leis vigentes e a prudência científica.

Há uma campanha ardilosa para que a soja transgênica penetre na agroindústria brasileira. Quem nos pode garantir que o produto não se dissemine, seja por práticas de contrabando à margem da lei ou pela prática de preços de dumping? Quem nos pode garantir que não se crie uma onda de suspeição no mercado internacional desse produto contra a soja brasileira convencional? O princípio da precaução vale também para nossa economia. Nossos principais compradores situam-se no mercado europeu, onde a vontade majoritária dos consumidores é pela soja convencional. A quem interessa eliminar o Brasil como maior fornecedor mundial de soja natural? Aos brasileiros é que não é; afinal, custou muito chegar a ser o maior produtor de soja do mundo e ter uma produtividade da soja convencional acima das sementes de soja transgênica.

Outro aspecto dos OGMs diz respeito às patentes, ou propriedade intelectual. Há 20 anos seria impossível conceber patentes sobre seres vivos. Ora, um organismo vivo pode ser considerado uma invenção? Tanto mais que se trata de um organismo vivo e logo capaz de reproduzir-se. Além do mais, as espécies cultivadas, assim como numerosos animais, são o resultado de 10 mil anos de existência da agricultura e da pecuária. Os agricultores foram selecionando as espécies em sua prática cotidiana, até chegar às espécies animais e vegetais existentes, rústicas ou híbridas. Aliás, sem estas espécies rústicas, seria impossível a existência de híbridos ou de OGMs. As espécies convencionais são, de fato, patrimônio da humanidade. Este direito de patente de OGMs custará caro aos agricultores, que estarão diante de um preço de monopólio de multinacionais. Sem falar que estes agricultores serão expropriados de suas sementes. Basta analisar o resultado da introdução de OGMs na Argentina. Os pequenos agricultores perderam suas terras. Enquanto eles estão praticando a clandestinidade, o contrabando, e entregando semente pela metade do preço sem cobrar royalties de curto prazo, isso é muito bom. Mas depois que começam a cobrar os royalties, a cobrar o custo elevado pelos agrotóxicos, que são específicos para a produção de OGMs, esses pequenos agricultores não conseguem pagar os preços e perdem as terras. A esse propósito, eu não poderia deixar de salientar, uma vez mais, que patentearam o nome de Cupuaçu no Japão, entre outras espécies da Amazônia. E está custando caríssimo para o Governo brasileiro derrubar esse registro de patente no Japão. O nosso Ministério de Relações Exteriores é que teve que contratar advogados para defender nossos interesses, porque não podemos mais exportar nada com o nome de Cupuaçu sem pagar royalties.

Quanto à regulamentação brasileira, as aplicações de OGMs devem estar circunscritas a um estatuto jurídico que contemple todas as etapas relativas aos OGMs: desde a pesquisa até a distribuição de produtos alimentares, passando pelas aplicações medicinais. Implica, inclusive, em testes de traçabilidade e etiquetagem de produtos, visando a mais ampla transparência em benefício dos consumidores. Portanto, a MP-131, que autoriza o plantio de OGMs no Brasil, mesmo que temporária, editada a toque de caixa para sanar uma ilegalidade e assegurar os interesses da Monsanto, fere os princípios mais elementares de prudência. Precisamos de uma boa lei que regulamente esta questão, como no caso de muitos países preocupados com os efeitos das manipulações genéticas.

Após essas considerações gerais, vamos ao caso brasileiro, atendo-se ao prisma econômico. O que está em questão no Brasil são cem milhões de dólares anuais aproximadamente, a título de patente, que a Monsanto pretende faturar - uma sangria desnecessária em nossas contas externas.

Além disso, o Grupo Soja (grão, farelo e óleo) representou cinco bilhões e novecentos e quatro milhões em nossas exportações no ano passado, o equivalente a 9,78% de nossa pauta de exportações em 2002. Este ano, até agosto, já havíamos exportado quase o mesmo que no ano passado inteiro, US$5,304 bilhões. A importância da soja natural é cada vez maior na recuperação de nosso saldo comercial. Se, no ano passado, a soja correspondeu a quase 10% de tudo o que vendemos no mercado internacional, neste ano, em apenas oito meses, ela já representou 11,65% de nossas divisas de exportação. Os principais compradores foram Holanda, Alemanha, França, Inglaterra, Portugal, Itália, Bélgica, Espanha, China, Índia, Japão.

            Não está escrito em lugar algum que esses compradores estão ávidos de soja transgênica, muito pelo contrário. O mercado europeu é extremamente reticente ao consumo de OGMs. E o Brasil desponta, hoje, como o único grande produtor mundial capaz de assegurar vendas de soja não transgênica em grandes quantidades. Os principais concorrentes, Estados Unidos e Argentina, optaram pela variedade geneticamente modificada. O que pretende a Monsanto e seus aliados da Farsul? Colocar a produção de soja brasileira na vala comum dos transgênicos, liquidando, no âmbito internacional, o maior produtor de soja convencional? Parece que sim.

O SR. PRESIDENTE (Duciomar Costa) - Senador João Capiberibe, desculpe-me interromper V. Exª, mas a Presidência prorroga a sessão por dez minutos: três minutos para V. Exª e sete minutos para o próximo orador inscrito.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (PSB - AP) - Obrigado, Sr. Presidente.

Parece que é exatamente esta a armadilha, tratar de reduzir a nossa importância no mercado de soja, que conquistamos com muito trabalho, muito estudo científico e muita pesquisa.

Os defensores da soja transgênica esquecem, convenientemente, de salientar - e peço a atenção dos produtores gaúchos que nos assistem pela TV Manchete - que as exportações de soja do Rio Grande do Sul para a União Européia, que chegaram a alcançar dois milhões de toneladas, caíram para zero tonelada nos últimos três anos. O Paraná e o Mato Grosso passaram, então, a atender à demanda européia pela soja convencional. Dos 10,5 milhões de toneladas de soja convencional da última safra paranaense, praticamente toda ela foi vendida aos europeus. O Governador do Paraná, Roberto Requião, está negociando a exportação de oito milhões de toneladas de soja convencional para a China, com garantia de mercado para vendas durante os próximos dez anos.

Algumas pessoas ainda não entenderam que o tipo de soja que conhece restrições de mercado não é a soja convencional, é a soja transgênica. Os ganhos em termos de produção por hectare de soja transgênica em relação à soja convencional (que ainda não foram cabalmente demonstrados), bem como a redução de custos de produção pelo uso de menor quantidade de herbicidas, deverão ser superiores ao preço de monopólio da semente, somado ao pagamento da propriedade intelectual, ou patente. A propósito, a Monsanto foi bem clara, sem sutilezas, em seu comunicado publicado na imprensa gaúcha, no dia 16 de setembro último: “os agricultores que vierem a plantar a soja Roundup Ready deverão levar em consideração o pagamento pelo uso da tecnologia no momento da comercialização da produção”. Mesmo em relação à soja clandestina, a Monsanto está cobrando royalties. Os agricultores gaúchos ficarão com o ônus da ilegalidade e com o ônus da patente.

Como brasileiro e amazônida, creio que o nosso maior patrimônio é a biodiversidade de espécies animais e vegetais. Por esta razão, necessitamos de uma lei que regulamente claramente a questão dos OGMs em nosso País. Não queremos que amanhã o Bioma Amazônico ou do cerrado sejam contaminados por espécies transgênicas, o que eliminará nossa perspectiva histórica de sermos uma potência ambiental.

É preciso discutir claramente um planejamento econômico ambiental para nosso País e nele, certamente, não há espaço para aventuras como a da soja transgênica. Apoiá-la é o mesmo que praticarmos nós mesmos uma biopirataria, o que significa sabotar nosso futuro.

Por essas razões, dei entrada, nesta Casa, a um requerimento, pedindo a instalação de uma CPI para apurar como, num país organizado como o Brasil, com leis, com Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, diante dos nossos olhos e de forma clandestina, introduzem-se e plantam-se ilegalmente milhões de hectares de soja.

Essa CPI está nas mãos das Lideranças dos partidos com assento nesta Casa. Espero que os Líderes indiquem os nomes, para que possamos instalar e corrigir o caminho da ilegalidade da soja transgênica no nosso País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/10/2003 - Página 32797