Discurso durante a 146ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo para que o Senado estabeleça mecanismos para a realização de audiências públicas com o objetivo de discutir a situação dos presos políticos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Homenagem especial a integrante do Movimento Sem-Terra, Diolinda, que foi presa, acusada por formação de quadrilha.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA. HOMENAGEM.:
  • Apelo para que o Senado estabeleça mecanismos para a realização de audiências públicas com o objetivo de discutir a situação dos presos políticos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Homenagem especial a integrante do Movimento Sem-Terra, Diolinda, que foi presa, acusada por formação de quadrilha.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/2003 - Página 32977
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA. HOMENAGEM.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, SENADO, ESTABELECIMENTO, CRITERIOS, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, OBJETIVO, DISCUSSÃO, SITUAÇÃO, PRESO POLITICO, MOVIMENTO TRABALHISTA, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA.
  • HOMENAGEM, PRESO POLITICO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, ACUSADO, FORMAÇÃO, QUADRILHA.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, os Senadores João Capiberibe e Geraldo Mesquita, ambos em missão do Senado, visitaram os queridos companheiros, presos políticos do MST, José Rainha, Mineirinho e Diolinda.

Sr. Presidente, já tivemos a oportunidade, algumas vezes, nesta Casa, de falar sobre essa situação. É evidente que a mecânica da vida se encarrega de nos fazer esquecer de determinados fatos absolutamente tristes. A mecânica da vida é esta: vamos para a nossa casa, cuidamos dos nossos filhos; nossos filhos escolhem o que comer. Depois, fazemos um ou outro discurso de solidariedade. Mas são essas pessoas que continuam lá presas.

Estamos fazendo um apelo. Os Senadores João Capiberibe e Geraldo Mesquita farão um relatório sobre o que tiveram oportunidade de identificar nessa visita, para que o Senado estabeleça mecanismos concretos, objetivos e eficazes para, mediante audiência pública, discutirmos uma questão seriíssima.

Sr. Presidente, aproveito este momento para fazer uma homenagem à nossa querida companheira Diolinda, uma mulher de luta, guerreira, como, geralmente, são todas as mulheres. É claro que sabemos que não basta apenas ter a estrutura anatomofisiológica feminina. Às vezes, a mulher tem o aparelho reprodutor feminino, mas serve ao status quo, nada mais sendo do que uma medíocre figurinha carimbada. Embora tenha a estrutura anatomofisiológica feminina, serve à concepção elitista, machista, desqualificada, de manutenção da estrutura de poder, sendo sempre serviçal dos palácios. Não é esse o caso da companheira Diolinda.

Então, para ela, eu gostaria de ler muito rapidamente uma prosa feita por Eduardo Galeano em relação a mulheres que, “apesar dos açoites, do fogo e das tenazes incandescentes”, não se calaram, não abriram mão das suas idéias.

A companheira Diolinda passou por uma situação gravíssima. Imaginemos uma mãe em casa com um filho de 10 anos e uma menininha de dois anos no braço, Senador Eduardo Siqueira Campos. Imaginemos a dor de uma mulher ao se ver com uma filha de dois anos nos braços e um filho de dez anos, sozinha em casa, quando chega a Polícia, arranca a criança dos seus braços, deixa-a em casa e leva a mãe presa pelo crime de formação de quadrilha.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é preciso realmente ter muita cara de pau para dizer que uma mulher que tem endereço fixo, que lavra a terra, que tem a mão calejada, porque cria os seus filhos, é simplesmente formadora de quadrilha. Enquanto muitos delinqüentes da política brasileira ocupam espaços de poder importantes neste País, é essa mulher que está presa.

Então, eu gostaria de fazer uma homenagem a essa mulher, com uma prosa muito bonitinha:

Elas se Calaram [calaram-se para não denunciar os seus amigos]

Os holandeses cortam o tendão de Aquiles do escravo que foge pela primeira vez, e quem insiste fica sem a perna direita; mas não há jeito de evitar que se difunda a peste da liberdade no Suriname.

O capitão Molinay desce pelo rio até Paramaribo. Sua expedição volta com duas cabeças. Foi preciso decapitar as prisioneiras, porque já não podiam se mover inteiras através da selva. [A cada vez que se pedia que elas denunciassem os escravos fugitivos, um pedaço delas era arrancado covardemente]. Uma se chama Flora, a outra, Sery. Elas ainda têm os olhos pregados no céu. Não abriram a boca, apesar dos açoites, do fogo e das tenazes incandescentes, teimosamente mudas como se não tivessem pronunciado palavra alguma desde o remoto dia em que foram engordadas e untadas de óleo e lhes rasparam os cabelos desenhando-lhes nas cabeças estrelas e meias-luas, para vendê-las no mercado de Paramaribo. Todo o tempo mudas, Flora e Sery, enquanto os soldados lhes perguntavam onde se escondiam os negros fugidos: elas olhavam o céu sem piscar, perseguindo nuvens maciças como montanhas que andavam lá no alto, à deriva.

Quero deixar o texto registrado nos Anais do Senado, em homenagem a todas as mulheres como a companheira Diolinda. Não é qualquer mulher - volto a repetir -, porque existem mulheres que preferem servir aos palácios a servir à senzala; preferem servir à Casa Branca a servir efetivamente à senzala. E a companheira Diolinda, não. Essa é uma das mais belas demonstrações de mulheres de luta.

Quero também homenagear os Senadores João Capiberibe e Geraldo Mesquita, que, cumprindo uma missão designada pelo Senado, lá estiveram e fizeram relatório, por meio do qual apelaremos ao Judiciário, ao Executivo e ao Legislativo em favor dessa mulher.

Volto a repetir que Diolinda, como a grande maioria das mulheres lutadoras e trabalhadoras deste País, pode não tocar os tapetes azuis do Senado ou os verdes da Câmara, mas tem endereço fixo, tem a mão calejada por cabo de enxada, para criar seus filhos, e está presa por formação de quadrilha, enquanto muitos delinqüentes da política brasileira - inclusive, os que estão traficando sementes transgênicas - estão livres, leves e soltos, sob o silêncio da sociedade e dos Poderes constituídos.

Portanto, Sr. Presidente, quero apenas registrar a minha homenagem à companheira Diolinda, que chora de saudade dos seus filhos, mas que, com certeza, é movida pelas duas filhas lindas da esperança, na definição de Santo Agostinho: a indignação e a coragem. É a indignação de não aceitar as coisas como são, se injustas elas forem, e a coragem de mudá-las, para que possamos construir uma sociedade mais justa, mais solidária e mais fraterna.

Obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/2003 - Página 32977